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Daniel Manchado Cywinski

Quem é ele?

Daniel Manchado Cywinski, 35 anos, administrador e mestre em saúde pública, casado, 1 filho. Nasceu em Santo André (SP) e mora em Paraty (RJ).

O Mestres da Obra implanta atividades culturais para operários em canteiros de obras visando ao desenvolvi­mento humano amplo

Inovação: A ONG inova no setor em que atua (construção civil), no público-alvo (migrante e "invisível") e na forma (uso de resíduos da obra para a confecção de arte pelos operários nos ateliês)

Impacto social: Cerca de 290 alunos-operários participaram dos 14 ateliês de arte em canteiros, realizados entre 2008 e 2009. Outros 240 trabalhadores da construção civil estiveram envolvidos em quatro exposições com o acervo da entidade e palestras sobre arte e desenvolvimento humano

Sustentabilidade: A associação se financia por meio da prestação de serviços (contratação das atividades culturais pelas construtoras)

Alcance: As atividades se concentram na cidade de São Paulo, mas palestras e cursos já foram ministrados em outros Estados e cidades como Barcelona, Düsseldorf, Maceió, Rio de Janeiro, Santo André, São Bernardo do Campo já receberam exposições de obras elaboradas pelos operários. Há planos para expandir os canteiros para Mogi das Cruzes (SP), Paraty (RJ) e Rio de Janeiro

www.mestresdaobra.org.br

Arte no canteiro

Administrador introduz ateliês para operários nas obras e ajuda a edificar novos pilares em suas vidas

EDSON VALENTE
da Folha de S.Paulo

Desde o princípio, o grande desafio de Daniel Manchado Cywinski, hoje com 35 anos, foi o de ligar dois universos: o da projeção, da arte, ao da realidade dura; o abstrato ao concreto.

E a distância entre eles pareceu intransponível em algumas ocasiões. "No começo do Mestres da Obra, chamavam a mim e ao Arthur [seu sócio] de 'etês'", lembra ele.

Mas, como bem sabe, "a história de qualquer projeto social depende de muita fé, aquela fé que ninguém explica vai acontecer, não me pergunte por quê. É preciso ter o brilho nos olhos".

O brilho "extraterrestre" do idealista acompanha Daniel desde quando ele estudava administração de empresas. "Algo me movia a trabalhar com ambiente e sociedade", diz.

Mesmo antes de se formar, tornou-se educador ambiental em favelas de Santo André, sua cidade natal, em um tempo em que conceitos como o de sustentabilidade beiravam o abstracionismo.

Nessa época, já conhecia o arquiteto Arthur Zobaran Pugliese, 35, que atuava com reciclagem de resíduos em canteiros de obras. Certa vez, Daniel foi visitá-lo em uma construção e tiveram a ideia: implantar ateliês de arte dentro dos canteiros, aproveitando os restos de materiais para a confecção das peças.

"Temos em comum a paixão pela arte. Naquele mesmo ano [2001], por coincidência, fomos passar um tempo na Espanha e fizemos uma imersão em Gaudí. Ao ver tudo aquilo produzido com resíduos, voltamos de lá com a certeza de ser possível fazer uma produção de arte a partir das sobras nos canteiros."

O pilar central da empreitada: orientar o trabalhador a incorporar a subjetividade ao manuseio daqueles materiais. "Uma vivência com possibilidade de criação", define.

"O operário usa as mesmas ferramentas no cotidiano, mas segue projetos. No ateliê, a criatividade está presente. Essa é a grande inversão, a oportunidade de ser dono da ideia do começo ao fim." Daí a logomarca do projeto, um capacete pensante.


Derrubando paredes

Mas, se o desenvolvimento do conceito ?o abstrato? não enfrentou grandes barreiras, sua operacionalização ?o concreto? precisou implodir paradigmas. "Foi dificílima", recorda Daniel.

"Até hoje a construção civil ainda é uma das mais atrasadas em termos de desenvolvimento humano. Essa indústria nunca se preocupou em formar [sua mão de obra]. Era surreal chegar para uma construtora há seis ou sete anos e sugerir a implantação de um ateliê de arte em um canteiro de obras. Os donos questionavam: 'Pra que esse negócio? Você vai melhorar o meu peão?'. Era um mar de preconceitos."

Foram várias "portadas na cara". "E várias risadas, chegou a ser motivo de chacota", dimensiona a resistência. "Mas havia uma força maior. Algo para acontecer que, de tão verdadeiro, mexia com as pessoas."

O espaço para a concretização da proposta foi encontrado, diz, nas exceções da construção civil.

"Naquela meia dúzia de empresas em busca de uma valorização de marca, um diferencial de mercado e de responsabilidade socioambiental e também com a percepção de que é preciso melhorar as condições de trabalho, de qualidade de vida."

Outro desafio foi derrubar a rigidez do próprio trabalhador da obra. "O educador, para ele, é um cara meio estranho", observa. "Você precisa ser muito simples, não pode ser petulante. Tem inclusive de modificar sua linguagem, conversar muito de igual para igual, o que não é fácil. E precisa respeitar muito a sabedoria do operário, que mexe no material como ninguém."

Essa relação tem sido edificada desde a primeira oficina, em Mauá, proporcionada por uma construtora de Santo André. "Meia hora por semana com três operários, perto de uma favela. Pensavam que desistiríamos na segunda semana. Fizemos por seis meses."

A repercussão foi parar em uma página inteira do "Diário do Grande ABC" e representou o trampolim para andaimes mais elevados, como um ano e meio em um canteiro com 500 trabalhadores em Santo André.

As dificuldades, hoje, ainda são muitas, e Daniel as analisa com os pés firmes no chão. "Procuramos entrar [nas empresas] sempre pelo RH. Mas se não fica claro para o departamento de marketing que dá para capitalizar em cima, levar para o 'branding' [fortalecimento da marca], o projeto não acontece."

Assim, com a crise econômica que se estabeleceu no ano passado, percebeu que a "primeira coisa" cortada dos orçamentos das empresas foram as ações de responsabilidade socioambiental. "O ano de 2009 foi péssimo. Não sei como não fechamos as portas."

O Mestres da Obra, hoje, consome quase todo o seu tempo, mas, financeiramente, Daniel ainda não consegue viver apenas dele. Isso, porém, não abala sua determinação.

"Estamos com três projetos colocados que, se saírem, vão significar algo que a gente nunca teve em volume de canteiros. Estou muito animado." Esse entusiasmo é uma boa medida do que está por vir; afinal, após tantos percalços, o visionário já sabe bem onde está pisando.

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CONHEÇA MAIS SOBRE O MESTRES DA OBRA

A valorização do trabalhador da construção civil

Atuar na construção civil significa lidar com um universo em que baixos salários, altos índices de acidentes, desgaste físico excessivo e relações de trabalho desqualificadas são fatores recorrentes que criam ambientes de baixo desenvolvimento humano.

Nesse contexto, o Mestres da Obra estimula o desenvolvimento de um ambiente de trabalho mais saudável, busca a valorização humana e possibilita a construção de conhecimentos e de resgate das múltiplas referências culturais existentes nos grupos de trabalho.

Mestres da Obra, aliás, é um nome que se refere ao modo como o trabalhador da construção civil deve ser visto: não existe um único mestre, pois cada um é mestre de algum modo e a obra precisa do conhecimento de todos para se realizar.

Além disso, o nome brinca com a similaridade entre essas palavras do universo da construção e seus significados no universo artístico.

As aulas ?atualmente de dois meses, com média de 20 horas divididas em oito encontros? acontecem espaços instalados dentro dos canteiros especialmente para o programa.

Ali são realizadas atividades educacionais que são desenvolvidas em ateliês-escola.

Neles, ocorre uma relação intensa com o aprendizado, com a construção e com a produção de conhecimento e de autoconhecimento, visando à melhoria da qualidade de vida dos participantes.

Sob orientação de uma metodologia aplicada por educadores capacitados, os operários utilizam os resíduos encontrados no canteiro de obras para a produção de peças de arte e design, recuperando assim a condição de matéria-prima desses materiais.

A verdadeira recuperação, e base do processo educativo, contudo, é a da valorização do saber e da cultura de cada um.

Tem-se como princípio o fato de que ninguém mais do que os trabalhadores conhecem a transformação desses materiais de construção.

Nos ateliês, a subjetividade, a criatividade e a oportunidade de sonhar substituem as ordens e diretrizes do trabalho de construção realizado diariamente na obra e as determinações rígidas dos projetos arquitetônicos.

O resultado final do trabalho no ateliê é criação do trabalhador.

Diante das condições negativas em termos de saúde do trabalhador, existente nos canteiros de obras brasileiros, o Mestres da Obra promove a reflexão sobre a realidade para a introdução de mudanças e interfere diretamente com ações de melhoria, especialmente nos aspectos da saúde emocional.

Como resultados, buscam-se fortalecer a autoestima, qualificar os ambientes de trabalho, promover a saúde, ampliar a compreensão das questões socioambientais e valorizar o capital social na cadeia produtiva da construção civil.

Conheça alguns dos projetos desenvolvidos pelo Mestres da Obra

Nos ateliê-escola promovidos pelo programa, os trabalhadores da construção civil são convidados a participarem das aulas de arte durante o horário de trabalho.

Todo módulo apresenta referências como base para o trabalho a ser desenvolvido. O desafio é transformar resíduos do canteiro em objetos de arte. Em 2008, aconteceu em quatro canteiros. A meta é fechar 2010 em dez.

Alguns dos temas abordados nas aulas são: pintura de painéis, xilogravura, design de objetos (mobiliário, ferro e arame, objetos de decoração, simetria e equilíbrio e luminárias).

As atividades da Associação Mestres da Obra visam a:

  • modificar positivamente o ambiente de trabalho da construção civil;
  • promover a cultura por meio de atividades, cursos, palestras, eventos e outros meios adequados, oferecendo-os prioritariamente aos trabalhadores de canteiros de obra da construção civil;
  • elaborar e aplicar estratégias voltadas para a diminuição de fatores que afetam a saúde dos trabalhadores, tais como a habitação, o estresse e a falta de formação educacional, além de aspectos emocionais e psicológicos;
  • promover a assistência social por meio da integração social de pessoas de baixa renda ou em situação de vulnerabilidade social por meio da arte, da música, do teatro e das artes plásticas;
  • dar apoio a projetos de complementação pedagógica e de formação profissional;
  • prestar serviços, produzir e ou comercializar bens, direta ou indiretamente vinculados a sua atividade-fim, como produtos com a marca da associação, livros e vídeos educativos e artesanato, além de explorar direitos autorais ou de propriedade intelectual, sempre com o intuito de atingir os fins sociais de promover a sustentabilidade da organização.

Programas paralelos

  • "Cine na laje"

    Com o intuito de oferecer aos trabalhadores novas formas de conhecimento, a atividade exibe documentários de curta-metragem que fortalecem a compreensão de questões socioambientais no Brasil e no mundo;

  • Teatro "Desconstrução"

    A história aborda temas relevantes sobre a família, a amizade, a cultura de origem e o valor do trabalho na construção civil;

  • Palestra "Sociedade e meio ambiente"

    O encontro visa ao fortalecimento da compreensão de temas cotidianos ligados a questões sociais e ambientais da atualidade;
  • "Olhares do canteiro"

    Neste projeto, os trabalhadores registram, por meio da fotografia, as diferentes formas de ver seu cotidiano de trabalho. Ao final da ação, as fotos formam uma exposição que retorna para dentro do canteiro;
  • Workshops "Transformação"

    Vivência com três horas de duração que visa à prática da produção de arte e design a partir da transformação dos resíduos encontrados nos canteiros de obras;
  • Galeria Mestres da Obra

    Exposição permanente das obras feitas em canteiro no bairro de Santa Cecília (centro de São Paulo).

A arte como ferramenta para a reflexão da realidade como um todo

Os ateliês do Mestres da Obra começam com a aplicação de uma peça sem cor sobre uma com cor ou vice-versa. 

Esse início é estratégico por ser o primeiro momento em que se consegue construir um objeto que não tem um porquê de existir.

Acostumados com um trabalho objetivo (construção de uma parede, um pilar, um telhado), veem no ateliê a mesma lógica de ferramenta sobre o material, com a mesma sabedoria, mas ali é permitido construir algo que não tem um objetivo tão claro exceto ser bonito e esteticamente interessante.

"Se essa primeira virada de chave é bem-feita, dá condição para mais dez aulas. Ela é, do ponto de vista educacional, um exercício muito importante", ressalta Daniel.

Outra filosofia estratégica da associação é não comercializar peças que são frutos do processo educacional de canteiro para gerar renda para a instituição ou para o operário.

"O processo de comercialização é desejado, mas não foi feito ainda, pois é muito fácil o projeto todo desandar se isso não for bem planejado", diz Daniel.

Ele cita o caso de um aluno que, ao ver o sucesso de sua peça, decidiu sair da construção civil e fabricar objetos em série, que, contudo, não tinham qualidade estética.

"Nossa missão não é tirar o trabalhador da construção civil, mas, sim, fazer com que enxergue sua atuação, e a vida como um todo, de forma ampliada", reitera.

Por fim, a entidade começa agora a trabalhar com estudantes de engenharia e arquitetura, com o objetivo estratégico de iniciar uma revolução estrutural no setor em que atua. O primeiro passo foi dado com a Uninove.

"É uma chance inédita no país de conversar com futuros profissionais que sairão da faculdade tendo ouvido falar sobre desenvolvimento humano. Hoje, quando eles se formam, entendendo somente de custos, estrutura, cálculos, lucratividade, produtividade. Para eles, o operário é meramente um empilhador de tijolos, essa é a realidade", explica Daniel.

A visão de um dos beneficiários do projeto

"Eu morava na Bahia e vim sozinho para cá há cinco anos. Lá, trabalhava na área rural com meus pais e estudava.

Aqui sou auxiliar de encanador. Acordo todos os dias às 4h, saio às 5h e chego ao canteiro às 7h. Volto pra casa às 19h.

Já tinha ouvido falar do projeto e tinha vontade de participar, pois já trabalho com arte desde os 15 anos. Faço várias coisas, como enfeite para estante e brinquedo para crianças, em casa.

Agora, vim para complementar e aprender mais.

Com o projeto Mestres da Obra reforcei meus conhecimentos de arte. A professora dá aula com paciência, isso é importante. Ela dá ideias e acata as nossas também.

No começo, estava na expectativa, pensando: 'Será que vai ser bom, será que vai ser ruim? Será que vai corresponder às minhas curiosidades?'. Mas, depois da primeira aula, não tive mais dúvidas.

Era um curso legal e 'incentivante'. Aprendi que arte é a expressão livre, ou seja, é expressar o que você tem no pensamento.

Esse projeto contribui bastante, inclusive na maneira de expressar, algo que sempre quis ter. Agora consigo transmitir para meus colegas algo positivo, como fazer uma arte.

O importante é aprender e passar alguma coisa para seus colegas. Alguns têm vontade de aprender, mas não têm tempo, falam que a idade não ajuda. Eu acho que não tem nada a ver com a idade e, sim, com a força de vontade de cada um.

A partir do momento em que você entra em uma oficina, você e seus colegas começam a colocar ali na prática as suas ideias, conseguindo respeito, confiança e muita amizade das pessoas.

É bom, aqui venho fazer minha arte, converso um pouco com os colegas e daí chego em casa e paro para refletir. Penso que estou participando de algo de que nunca imaginei participar.

Eles elevam minha autoestima e, com ela lá em cima, no outro dia estou com mais vontade de trabalhar, mesmo sabendo que é um trabalho pesado, cansativo, pois daí penso que na obra não é só trabalho, tem curso, tem gente boa, amizade, conhecimento, uma pá de coisas."

DAVI PEREIRA DOS SANTOS, 29, operário da Klabin Segall e participante do ateliê-escola do Mestres da Obra

 
Patrocínio: Coca-Cola Brasil e Portal da Indústria; Transportadora Oficial: LATAM; Parceria Estratégica: UOL, ESPM, Insper e Fundação Dom Cabral
 

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