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Gisela Maria Bernardes Solymos

Quem é ela?

Gisela Maria Bernardes Solymos, 46, psicóloga

Organização: Cren (Centro de Recuperação e Educação Nutricional)

Ano de fundação: 1992
www.cren.org.br

*dados de 2011

O Cren promove a recuperação e a educação nutricional efetiva de crianças e adolescentes com desnutrição primária leve, moderada ou grave, sobrepeso e obesidade exógena por meio de avaliação e triagem em comunidades pobres (busca ativa), atendimento ambulatorial interdisciplinar (medicina, nutrição, psicologia e assistência social) e semi-internato (hospital-dia). Com uma abordagem que envolve a família, beneficiou mais de 50 mil pessoas nas duas unidades em São Paulo, em Jundiaí (SP) e nos diversos locais para onde foi replicado (Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Haiti, Honduras, Itália, México, Moçambique, Peru etc.).

Pequenos à altura

Psicóloga parte de questionamentos para transformar as práticas de educação nutricional no país

RAQUEL BOCATO
DE SÃO PAULO

Por que aquela pessoa remexe o lixo?

No começo da década de 1970, em um ponto da imponente avenida Paulista, símbolo da cidade de São Paulo, Gisela Maria Bernardes Solymos, então com 6 anos, tem seu primeiro contato com a desigualdade. De mãos dadas com a mãe, Ivone Bernardes Solymos, viu a desnutrição e a pobreza refletidas em um morador de rua. A menina que sonhava com fazenda, plantações e criação de animais descobriu naquele momento que comer não é tão simples como pensava ser.

É o começo de uma vida de questionamentos, em que as respostas para perguntas simples nem sempre atendem à ânsia de conhecimento da garotaÉ o começo de uma vida de questionamentos, em que as respostas para perguntas simples nem sempre atendem à ânsia de conhecimento da garota.

Ouvir que bater o bolo apenas de um lado era fundamental para que a massa crescesse a levava mais longe. Que componentes impediam que o doce, após remexido de todos os lados, ganhasse forma? Era preciso testar para ter a comprovação. “Eu era insuportável no querer saber o porquê das coisas”, garante.

Era a mãe a explicadora oficial aos questionamentos da garota. Dela, Gisela herdou a alegria e a jovialidade. Do pai, o húngaro Peter Solymos, recebeu uma dose de tristeza. Não como a dele, que deixou a terra natal na década de 1960, depois da invasão soviética, em 1956. “Ele tem o coração partido em pedaços, de um povo que foi abandonado [pelas tropas ocidentais, que eram aguardadas pelos húngaros antes da tomada soviética]. Eu não”, diz ela, pensativa.

O discurso sobre as origens do pai e sobre como foi indiretamente afetada pela guerra na Europa e pela desigualdade no Brasil deixa transparecer uma Gisela indignada, inconformada.

Foi com essa essência de mudança que fez seu primeiro trabalho em uma favela de São Paulo. Com vontade de ajudar, mas sem um plano estruturado, o projeto morreu logo depois. Mas deixou na garota o desejo de transformação. “Lá nasceu o ideal.”

Esse misto de “paixão pelo ser humano” e de questionamentos em tempo integral a levou para o curso de psicologia. Passou na USP (Universidade de São Paulo), época em que ingressou também no movimento Comunhão e Libertação, que inclui educação e integração às missões da Igreja Católica. “O relacionamento com Deus sempre foi importante.”

Leu Freud e Jung. E passou cinco anos em crise durante o curso. Por que a psicologia não consegue explicar a crença em Deus em algo que não seja uma deficiência humana?

Essa é uma das perguntas que Gisela não conseguiu responder. Mas manteve a fé e a atuação na área de psicologia.

Ficou por três anos em uma consultoria organizacional, na qual pulou de estagiária a consultora. Até aparecer a oportunidade de voltar para a favela.

Com um grupo de recém-formados e pesquisadores, desbravou comunidades da Vila Mariana (zona sul de São Paulo) –famílias que não são mapeadas nem mesmo no censo realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)– para um levantamento sobre saúde e nutrição. Lá, nasceu não apenas a metodologia de intervenção em saúde na comunidade mas também o embrião do Cren (Centro de Recuperação e Educação Nutricional).

Diretora-geral da instituição que assiste crianças e adolescentes subnutridos que atendeu a 50 mil pessoas, ela estendeu a área de atuação de Mirandópolis (zona sul de São Paulo) para a Vila Jacuí (zona leste) e Maceió. Desenvolveu metodologia que contempla a estatura –e descobriu que os índices de desnutrição ultrapassam as estatísticas oficiais.

Por que os agentes de saúde e os estudantes de medicina não são capacitados para coletar dados antropométricos e mapear essa população para que haja trabalho mais intensivo de combate à desnutrição?, questiona-se hoje, em mais um ciclo de perguntas que sempre a movem para respostas transformadoras.

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Quando o centro iniciou sua atuação antes mesmo de sua formalização, no fim da década de 1980, o tema desnutrição infantil era um problema relativamente reconhecido pelas estatísticas oficiais, porém subvalorizado.

Nessa época, a abordagem de levar equipes de saúde para favelas era inédita. A criadora do Programa Saúde da Família, do Ministério da Saúde, fez estágio no Cren e idealizou o programa lançado pelo governo em 1994 a partir dessa experiência.

Outra contribuição pioneira e de alto impacto foi a implantação da mensuração estatura das crianças para diagnóstico da desnutrição, até então inexistente no país. No início da década de 1990, a medida padrão adotada era o baixo peso para estatura (magreza), associado principalmente à baixa imunização, à alta prevalência de infecções e a guerras, contexto comum na África.

Já a baixa estatura para a idade (independentemente do peso) está associada à baixa disponibilidade de alimentos, ao analfabetismo materno e à baixa renda, cenário mais próximo da realidade brasileira, conforme o Cren demonstrou por meio de diversos estudos científicos.

Atualmente, o Ministério da Saúde entende que a desnutrição no Brasil se expressa principalmente pelo não crescimento pleno da criança desnutrida, e o IBGE, a partir de 2008, passou a incluir estatura das crianças em suas pesquisas.

O Cren foi a primeira iniciativa no Brasil a combater a desnutrição infantil com uma equipe de saúde integrada interdisciplinarmente dentro de um modelo de centro de educação infantil. Além do atendimento em saúde, comum a outros projetos, no Cren as crianças seguem um processo efetivo de educação adequado à sua faixa etária, sendo inseridas em outra escola quando da alta do semi-internato.

Contrariando a tendência de medicar, o carro-chefe do centro é a educar por meio de um método holístico: não só faz a consulta mas também realiza busca ativa com visitas domiciliares e oferece oficinas de capacitação, envolvendo a família da criança para um impacto transformador no longo prazo. Outras instituições que trabalham com desnutrição infantil ou o fazem por meio de internação hospitalar –o que traz dificuldade na manutenção do vínculo mãe-criança internada– ou efetuam atendimento clínico, não educativo.

São vários os projetos inovadores elaborados pelo Cren. Em 2000, estruturou o projeto Creches, que implantou a educação nutricional em CEIs (Centros de Educação Infantil) em São Paulo, usando metodologia de oficinas práticas. Até então, a creche não se concebia como responsável por essa dimensão do desenvolvimento da criança e, quando o fazia, fazia-o de modo teórico, por meio de aulas e desenhos. As oficinas geravam o contato direto da criança com o alimento, de acordo com sua faixa etária. Esse método atualmente é amplamente empregado em CEIs conveniados e municipais, segundo a organização.

A metodologia de busca ativa de casos nas favelas e consequente acompanhamento dos casos de desnutrição tem sido empregada nas capacitações de profissionais de saúde da rede pública. A principal inovação nessas capacitações é a supervisão em campo.

Outro exemplo da aplicação inovadora do método foi o projeto de protagonismo juvenil realizado no norte de Minas Gerais chamado Eu Aprendi, Eu Ensinei. O trabalho envolveu adolescentes em ações de combate à desnutrição em comunidades carentes, realizadas como atividades interdisciplinares dentro do currículo das escolas. Foram envolvidos 11 cidades, 53 escolas, 850 professores e 16 mil alunos. A experiência foi replicada em Alagoas.

Em 2002, em um projeto realizado em parceria com o BNDES, o centro lançou o único site do país especializado em desnutrição.

Reconhecido pela Unicef como “centro de excelência e referência nacional para desnutrição”, o Cren se prepara agora para aplicar seu método e inovar no combate a outro mal crescente nos dias atuais: a obesidade infantil.

Do orçamento anual atual de R$ 3,4 milhões, 87% vêm de parcerias com o poder público na esfera municipal, por meio de convênios com as secretarias de Saúde, Educação e Participação e Parceria de São Paulo. O restante divide-se entre doações de pessoas físicas e jurídicas e projetos incentivados. Uma pequena parcela (0,38%) origina-se da venda de produtos em bazares.

Embora comum a organizações sociais da área da saúde, essa concentração traz consigo riscos inerentes à falta de diversificação das fontes de recurso, agravada pela concentração na esfera municipal, mais volátil em termos de programas de governo –e cuja eleição acontecerá em 2012.

Para minimizar tais riscos, a entidade conta com um fundo de reserva que soma atualmente R$ 190 mil.

Principais parceiros: ArcelorMittal, Central Nacional Unimed, EcoRodovias, Fundação AVSI, Fundação Itaú Social, Fundação Tide A. Setubal, Instituto Ajinomoto, Instituto Carrefour, Instituto Pró-Vida, Novo Nordisk Brasil, Sabesp, Secretaria Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social, Secretaria Municipal da Educação, Secretaria Municipal de Participação e Parceria (CMDCA e Fumcad) e Secretaria Municipal de Saúde.

A atuação do Cren já beneficiou mais de 50 mil pessoas desde seu início, segundo dados quantitativos e qualitativos devidamente registrados. Em 2011, as duas unidades somam o atendimento a 142 crianças subnutridas, de 0 a 6 anos, em regime de semi-internato, e cerca de 2.000 crianças e adolescentes com subnutrição, sobrepeso e obesidade em regime ambulatorial.

Na Vila Jacuí, 60 adolescentes participam de programa que visa a educação cidadã, com uso de música, leitura, teatro e rodas de conversa. No Telecentro de Inclusão Digital, 2.363 pessoas estão cadastradas (mais de 60% com menos de 18 anos).

Em relação ao total de atendimentos/procedimentos em 2010, tem-se:

  • 3.262 atendimentos à comunidade (censo antropométrico e atendimento multiprofissional);
  • 7.326 atendimentos de ambulatório (médico, nutricional, social e psicológico, com crianças e seus familiares);
  • 6.346 atendimentos de semi-internato (médico, nutricional, social e psicológico, com crianças e seus familiares);
  • 670 atendimentos domiciliares;
  • 1.167 atendimentos de grupo;
  • 62.615 procedimentos de enfermagem;
  • 82.358 refeições servidas.

Os perfis variam de uma unidade a outra. Na Vila Mirandópolis, localizada em região central, as famílias têm renda familiar acima de três salários mínimos, 30% apresentam problemas com álcool e outras drogas ou conflito com a lei e 68% das mães contam com presença do companheiro em casa. A maioria delas tem ensino médio completo e engravidou com idade entre 19 e 22 anos. Na Vila Jacuí, na periferia da zona leste, esses indicadores mudam respectivamente para um a três salários, 7% e 84%. Grande parte das mães tem ensino fundamental incompleto e teve filho na faixa etária de 23 a 35 anos.

O forte embasamento científico –a organização surgiu de um projeto acadêmico da Unifesp, com quem mantém vínculo direto– é refletido em um método exemplar de mensuração de impacto, tanto quantitativo como qualitativo. Semanalmente, realizam-se estudos de caso para acompanhamentos individuais. Os resultados globais do serviço são sistematizados e analisados anualmente em várias reuniões por toda a equipe técnica. Um comitê técnico se reúne mensalmente com responsáveis de cada área, com a participação de docentes da Unifesp, para discussão de metodologia e resultados parciais nas diferentes áreas de atuação. Os resultados também são avaliados por meio de pesquisas científicas, tendo originado dezenas de publicações científicas em revistas nacionais e internacionais.

Agora a instituição trabalha para a estruturação do prontuário eletrônico, a fim de integrar as áreas de nutrição, pediatria e serviço social, o que também facilitará a elaboração de relatórios de prestação de contas.

Os relatórios avaliam o desempenho de todas as áreas, mas com foco nos impactos nutricional e médico das atuações. As crianças do hospital-dia obtêm recuperação nutricional comprovada, com real ganho de músculos e ossos. Há recuperação de anemia, controle de infecções e melhora no desenvolvimento motor e cognitivo.

O percentual observado de melhora do IMC (índice de massa corporal) nos casos de excesso de peso vão de 64% a 79%, variando por faixa etária, tempo de tratamento e número de consultas.

Em pesquisa interna de avaliação dos serviços prestados, 89% dos responsáveis pelas crianças afirmam ter sentido diferença no atendimento do Cren em relação aos demais serviços públicos que utiliza, sendo a “atenção dada” e a “explicação da conduta e do diagnóstico” os principais diferenciais apontados. Para 83%, o atendimento do Cren os ajudou a lidar melhor com algum comportamento do filho (como limites com relação aos horários para refeições e dormir).

Os benefícios perpassam os ganhos na saúde dos atendidos. Como resultados das intervenções registrados, encontram-se mudanças estruturais na família, como retorno aos estudos, manutenção dos acompanhamentos psicológico e social, maior articulação e atenção aos direitos e deveres e colocação no mercado de trabalho. As crianças mudam rotinas e hábitos e adquirem responsabilidade e protagonismo. Os pais fortalecem o vínculo com a comunidade, ganham responsabilidade, mostram maior empenho no tratamento e ressignificam a experiência vivida.

O Cren surgiu como um projeto de extensão da Unifesp sobre desnutrição infantil que ganhou vida independente. Uma vez comprovada a eficiência de sua metodologia, o desafio passou a ser estendê-la para um serviço ampliado. É nesse contexto que foi credenciado e conveniado com a Secretaria Municipal da Saúde, tornando-se um centro de referência para prevenção e tratamento de distúrbios nutricionais na cidade de São Paulo, sem restrição de área de abrangência.

Hoje conta com duas unidades prestadoras de serviço –uma na Vila Mirandópolis, na zona sul de São Paulo, e outra na Vila Jacuí, zona leste. Mantém ainda uma equipe de campo na periferia de Jundiaí (SP) e, em parceria com a ONG Associação Nutrir e com recursos do BNDES, implantou outra unidade do Cren em Maceió (AL).

As ações de formação profissional para difusão da metodologia de prevenção e combate à desnutrição, entre leigos e profissionais, permitem que sua atuação se estenda em vários âmbitos, dentro e fora do país. São vários os desdobramentos:

  • 1997 –assessoria a projeto de combate à desnutrição em Itapeva (SP) e a creche em Brasília (DF), em 1999;
  • 2000 e 2010 –difusão do método Cren em seminários e implantação em obras sociais no México (Campeche e Oaxaca);
  • 2002 –implantação de centro de recuperação nutricional nos moldes do Cren em creche em Lima (Peru);
  • 2003 –capacitação de equipes de entidades sobre método Cren em Tegucigalpa (Honduras);
  • 2004 –implantação de ambulatório de combate à desnutrição no Centro de Orientação à Família, em Salvador (BA), e do projeto Eu Aprendi, Eu Ensinei em 11 municípios no norte de Minas Gerais;
  • 2005 e 2009 –estruturação de projetos de combate à desnutrição em Les Cayes e Port au Prince (Haiti);
  • 2006 –replicação do método de busca ativa e promoção de hábitos de vidas saudáveis em creche do Rio de Janeiro;
  • 2008 –formação de médico colombiano contratado da FAO para criar programa de combate à desnutrição na Colômbia e capacitação no método de busca ativa a equipes de saúde e entidades locais no Jari (PA);
  • 2008 e 2010 –capacitação de entidades de assistência no método Cren em Maputo (Moçambique);
  • 2009 –implantação do projeto Eu Aprendi, Eu Ensinei em 15 municípios no semiárido de Alagoas.
  • 2010 –execução do projeto Trans-Formação, de desenvolvimento de serviços educacionais de utilidade pública voltados para a infância e a adolescência na cidade de Belo Horizonte com difusão das metodologias em âmbito nacional (Brasília, Macapá, Manaus, Petrópolis, Salvador e São Paulo)

Academicamente, a organização trabalhou em cooperação com instituições em Alagoas, Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, e internacionalmente com Argentina, EUA, Haiti, Inglaterra, Índia, Itália, Chile, México, Peru.

O rigor científico com que trabalha o Cren desde suas origens possibilitou à organização compilar seus conhecimentos, iniciativas e resultados em documentos como planos de trabalho e plano político-pedagógico e em artigos científicos publicados nacional e internacionalmente.

Conforme visto no item anterior, o método desenvolvido pelo Cren já foi replicado para dezenas de cidades no Brasil e no mundo. Isso se deve sobretudo ao fato de os processos estarem adequadamente sistematizados.

Em 2002, com recursos do BNDES, o centro lançou a coleção e o portal Vencendo a Desnutrição, que sistematizou todo o processo de diagnóstico e intervenção na desnutrição primária, nos vários âmbitos possíveis. Em português e inglês, o site é o único especializado em desnutrição (www.desnutricao.org.br) no país.

A coleção é composta de sete livros, 17 fôlderes e um vídeo, disponíveis para download no portal. Os livros foram traduzidos para o espanhol e atualmente um deles está sendo traduzido para o francês com vistas à publicação no Haiti. Mais de 10 mil cópias dos livros foram impressos e distribuídos e um milhão de downloads foram feitos no portal.

O Cren também desenvolveu, em parceria com a Fundação Avsi, da Itália, um projeto de e-learning com 32 Centros de Educação Infantil em cinco polos (Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo). A Avsi é o maior apoiador nesse processo e investe na cooperação técnica para a descrição da metodologia do Cren com o objetivo de difundi-la como referência para seus projetos em todo o mundo.

Consciente de que o tema desnutrição infantil necessita do poder público para ser trabalhado em escala sistêmica, a empreendedora social tem em seu currículo longo histórico de influência em políticas públicas e trabalho com parcerias governamentais nas três esferas por meio do Cren.

A primeira parceria se dá por meio de contratos de assessoria e convênios de prestação de serviços. A entidade é um centro de referência em nutrição para crianças e adolescentes. Também realiza capacitação do PSF (Programa de Saúde da Família) para diagnóstico e intervenção de distúrbios nutricionais primários. Em São Paulo, efetua convênios via Fumcad (Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente), pela Secretaria de Participações e Parcerias, para implantação e manutenção de um telecentro em Vila Jacuí. Em Maceió, oferece assessoria para avaliação do Programa de Distribuição do Leite no Estado de Alagoas.

Outro canal importante são as discussões técnicas promovidas pelo IEA-USP (Instituto de Estudos Avançados), pelo qual foi convidado a lançar o grupo de Nutrição e Pobreza com o objetivo de discutir metodologias e políticas públicas de combate à desnutrição e à pobreza. Entre as atividades do grupo destacam-se a realização de um simpósio, três oficinas e duas conferências, além da participação em conferência do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) e em sessão do Comitê Permanente de Nutrição da ONU e da publicação de vários artigos. Em todos os eventos, membros da universidade, da sociedade civil e do governo foram convidados, visando ao debate sobre programas e políticas públicas.

Desde 2000, o Cren debate com o MDS (Ministério do Desenvolvimento Social) a necessidade de realizar busca ativa das crianças desnutridas nas regiões mais pobres do Brasil, incluindo o indicador estatura/idade nas avaliações. Após os seminários de 2005 (“Diagnóstico e Soluções dos Problemas Alimentares e Nutricionais no Brasil: Formando Parcerias”) e de 2006 (“Educação para a Nutrição e para o Combate à Pobreza”) realizados pelo IEA, o governo federal lançou editais para a realização de avaliações nutricionais no Nordeste, especialmente no semiárido, e para a reformulação de toda a merenda escolar. Incluiu-se oferecimento de alimentos a estudantes de ensino médio, problema que havia sido evidenciado pelo Cren com o projeto Eu Aprendi, Eu Ensinei, em escolas de ensino médio no norte de Minas Gerais. Hoje é reconhecida pelo governo federal a necessidade de mensurar estatura para identificar a desnutrição primária no Brasil.

O centro conta com vários outros exemplos de impacto em políticas públicas em sua área de atuação:

  • em 2002, lançou o site e a coleção Vencendo a Desnutrição, com recurso do BNDES. O projeto foi na época o maior financiamento a fundo perdido oferecido a uma ONG, por “possuir a melhor metodologia e condições técnicas e de gestão”;
  • por meio de um curso de especialização ministrado pelo Cren e certificado pela Unifesp, foi proposto a gestores de saúde fazer censo antropométrico nas campanhas de vacinação. O município de Jandira (Grande São Paulo) aplicou o método em 1.600 crianças e adolescentes, descobrindo altíssimos níveis de desnutrição. A ação-piloto fez com que o prefeito estruturasse todo um projeto de combate à desnutrição na cidade que, por ter sido lançado no mesmo ano do programa Fome Zero, recebeu na cidade o nome de Desnutrição Zero;
  • conforme antes mencionado, a criadora do PSF (Programa Saúde da Família) fez estágio no Cren e, segundo a organização, idealizou o programa a partir dessa experiência;
  • em São Paulo, foi realizado em 2000 o projeto Creches, que implantou a educação nutricional em centros de educação infantil, usando a metodologia de oficinas práticas, hoje amplamente empregado em CEIs conveniados e municipais.

O foco atual de atuação é para que a vigilância nutricional seja efetivamente implantada no âmbito do PSF e que se estenda a crianças até seis anos de idade.

A atuação do Cren é baseada em cinco princípios fundamentais. Mais do que filosofias ou ideologias, são aplicados em todas as suas atividades e repetidos frequentemente pela empreendedora social. São eles:

1 - centralidade da pessoa
Todo atendimento no Cren tem a intenção de criar uma cultura de responsabilidade e não deseja apenas agir “sobre” as estruturas carentes. Para isso acontecer, aponta a empreendedora social, devem-se manter vivos os anseios fundamentais e inalienáveis, também chamados de significado último da vida de cada pessoa, a raiz de suas escolhas e da busca da felicidade pessoal.

O foco fundamental é a pessoa como motor de um processo de desenvolvimento. A organização acredita que, sem estimular a liberdade e a criatividade, não existe desenvolvimento duradouro. Mesmo tendo foco na nutrição, parte de uma escuta qualificada e um compartilhamento e endereçamento de todas as necessidades da pessoa/família, estimulando suas iniciativas e capacidade de resposta às dificuldades. As ações educativas utilizam-se de técnicas acessíveis e correspondentes a seus desejos e necessidades (das crianças aos adultos).

2 - valorização da liberdade
O centro entende a liberdade como “a energia vital que dá sentido à vida e que abre o ser humano à possibilidade de lutar e se mover positivamente em qualquer circunstância”. Assim, tendo em vista uma intervenção que não queira ser tutelar e assistencialista e provocar apenas dependência, deve procurar valorizar a liberdade das pessoas, o que se dá no Cren por meio dos três últimos princípios fundamentais.

3 - partir do patrimônio presente (positivo) na realidade em que se quer intervir
Antes de partir do que falta ou da vulnerabilidade da comunidade a ser atendida, o Cren busca conhecer o que já existe –quais as estratégias de sobrevivência que as pessoas atendidas têm realizado com relativa eficiência. “Cada pessoa, ainda que seja pobre, representa uma riqueza.” A intervenção procura valorizar e fortalecer o que as pessoas têm construído –o tecido social e o conjunto de experiências que constituem o seu patrimônio de vida, fatores que influenciam diretamente o sucesso da intervenção no longo prazo e sua efetividade.

4 - “fazer com” –identificar as necessidades, individuar as soluções e construir junto com a população atendida a mudança almejada
A empreendedora social acredita que um projeto “caído do céu” é violento porque não conta com a participação de quem deve ser o sujeito da ação e não mero objeto ou é ineficaz na medida em que fica restrito somente ao assistencial.

5 - garantir recursos, formação e educação, entre outros fatores, para o desenvolvimento dos corpos intermediários e construção de parcerias
Realizar um projeto de desenvolvimento significa para a instituição favorecer as possibilidades de agregação e associativismo, reconhecer e valorizar a constituição de corpos sociais intermediários, como também de um tecido social rico de participação e de corresponsabilidade.

Empiricamente, esse método permitiu ao Cren estabelecer um vínculo de confiança e relacionamento estável com as famílias atendidas no decorrer do tempo, o que até então era tido como improvável com grupos populacionais em situação de exclusão social –característica das famílias de criança desnutridas. Conquistou a permanência no tratamento e, como consequência, a recuperação de estatura dessas crianças, fator considerado impossível na literatura científica nacional e internacional.

As duas unidades do Cren em São Paulo, mais os centros de referência replicados (como em Maceió e no Peru), atendem nas seguintes modalidades:

Atendimento na comunidade: a criança é inicialmente atendida na própria comunidade em parceria com os profissionais do Programa de Saúde da Família treinados pelo Cren, que fazem censo antropométrico. As famílias são convidadas a comparecer a um local escolhido por integrantes da comunidade. Nesse encontro verifica-se o cartão de vacinação da criança e mensuram-se estatura e peso, orientando a família sobre as condições de saúde e estado nutricional da criança. Caso a criança (ou o adolescente) apresente quadro de desnutrição ou obesidade exógena, é encaminhada para atendimento em ambulatório. O Cren também oferece formação a profissionais, agentes comunitários e outras pessoas vinculadas à comunidade que prestem atendimento a crianças.

Ambulatório: a criança é atendida individualmente em consultas clínicas, nutricionais, psicológicas e de assistência social, além de participar de atividades grupais e atendimento domiciliar, com a presença de educador físico.

Semi-internato (hospital-dia): oferecido à criança desnutrida com até cinco anos. O atendido permanece na instituição de segunda a sexta-feira, das 7:30 às 17:30, separado em grupos de acordo com a faixa etária, visando à sua plena recuperação nutricional. Recebe cinco refeições diárias, atendimento em saúde e psicologia (quando necessário) e desenvolve atividades psicopedagógicas (oficinas) de educação nutricional.

As oficinas foram desenvolvidas por pela área de nutrição com auxílio da pedagogia com o objetivo de melhorar a aceitação de alimentos pelas crianças, possibilitar seu acesso, diminuindo a insegurança alimentar, e ampliar o conhecimento sobre os alimentos e suas preparações. As receitas são selecionadas por nutricionistas respeitando critérios como manipulação pelas crianças, valor nutricional, alimentos comumente rejeitados por crianças e nível de dificuldade para preparação da receita.

No desenvolvimento das oficinas as crianças exploram conteúdos interdisciplinar –linguagem oral e escrita, matemática, alimentação e cultura geral. Também tornam-se para os pais um veículo de transmissão das informações recebidas.

Paralelamente, como parte integrante do tratamento da criança, o Cren oferece às famílias atendimento psicológico, com “espaço de escuta”, e visita domiciliar –importante também aos profissionais e estagiários que, em contato com a população, levam um olhar diferenciado a seus atendimentos futuros. Também realiza oficinas diversas a fim de reforçar o vínculo intrafamiliar, como aulas culinárias comunitárias realizadas pelas próprias mães, oficinas na casa da família na hora do almoço, formação degrupos de obesos e gestantes etc.

“Tive sete filhos e nunca vi a desnutrição neles. A imagem que temos de crianças desnutridas é daquelas magrinhas da África. A gente nunca imagina que aquilo pode estar acontecendo com um filho.

Só comecei a ter ideia de que havia algo errado depois de uma internação do Jackson [o mais novo, hoje com 8 anos]. Ele havia nascido com 3,5 kg e, três meses depois, estava com 3,1 kg. Eu não enxergava –amamentava e, na minha cabeça, fazia tudo direito.

Vivíamos em hospitais por causa da bronqueolite [inflamação viral dos bronquíolos, tecido pulmonar]. Quando os médicos quiseram entubá-lo, pensei: perdi meu filho. Ele estava em fase terminal. Foi um mês e 18 dias internado e com passagem pela UTI. Lá, um médico me falou sobre o Cren.

Levei o Jackson e o Julio Cesar [que hoje tem 9 anos] ao Cren. Os dois estavam desnutridos. Eu vinha com os dois nos braços, ainda muito pequenos, pegando ônibus e metrô lotados. Deixava os dois no Cren e sabia que eles seriam cuidados. Que receberiam comida e atenção.

Mas foi uma recuperação lenta. Eles me ensinavam o que fazer, chegavam a encher a paciência, mas muitas vezes eu não tinha como cumprir. Foi um período difícil, em que eu apanhava. Meu ex-marido me batia na boca. Sem dentes, ele dizia, ninguém olharia para mim. Eu tinha desgostado de mim. Trabalhava catando lixo e meu marido não me ajudava. Sustentava a casa e a família com R$ 800.

Uma vez, a coordenadora me chamou. Disse que mandaria uma carta para o juiz para tirar de mim a guarda do Jackson. Ela foi dura e me perguntou: como você explica que ele volte mais magro do que saiu daqui em menos de um dia? Foi preciso.

Mas eles não cuidavam só dos dois. Eu também recebia atenção –não viravam a cara para mim. Quando precisei de mais suporte, eles me deram. Quando decidi pela separação, todos me ajudaram. Eu tinha muito apoio, gostava de vir.
Nos encontros com os pais, eu não me soltava. Até que um dia pensei: por que só eu vou ficar muda? Falei e me senti segura.

Levaram meus filhos e eu ao [parque de diversões] Playcenter e tive curso de culinária. Aprendi a fazer pratos diferentes e passei a me olhar de outra forma. Eu me separei, e o Julio Cesar recebeu alta da semi-internação dois anos depois. Hoje trabalho na limpeza do Instituto do Sono [ligado à Unifesp].

O Jackson é uma joia rara – não vive mais no hospital, mas ainda não está recuperado. Ele deve receber alta daqui a pouco.”

MARIA PAULA BARBOSA, 38, ajudante de serviços gerais
 
Patrocínio: Coca-Cola Brasil e Portal da Indústria; Transportadora Oficial: LATAM; Parceria Estratégica: UOL, ESPM, Insper e Fundação Dom Cabral
 

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