Descrição de chapéu The New York Times Viver

Autocuidado não requer detox ou banho de espuma, mas traçar limites e diminuir a culpa

A psiquiatra Pooja Lakshmin diz que para evitar o burnout é preciso encontrar atividades que promovam bem-estar

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Alisha Haridasani Gupta
The New York Times

Quando tinha 28 anos, Pooja Lakshmin detonou sua vida. Ela deixou um casamento de menos de um ano, abandonou sua residência em psiquiatria na Escola de Medicina da Universidade Stanford e entrou para uma seita em San Francisco, nos Estados Unidos, que praticava a cura através da meditação orgástica. Em entrevista recente ao New York Times, ela disse em tom sarcástico: "Meus pais, indianos, sentiram o maior orgulho de mim".

Na época, estava se sentindo "sem poder algum". "Comecei a praticar medicina pensando que iria ajudar as pessoas, mas em vez disso me deparava com um paciente que não tinha casa para morar, e eu só podia lhe oferecer Zoloft."

Com sua ênfase sobre o prazer feminino, a seita incentivou o interesse crescente de Lakshmin pela saúde feminina. Mas depois de passar quase dois anos imersa nas práticas espirituais do grupo, ela se sentia tão desiludida quanto antes. Lakshmin voltou para a casa de seus pais, nos arredores de Reading, Pensilvânia, e começou a reconstruir sua vida.

Autocuidado requer identificar atividades que te façam bem, segundo psiquiatra - Adobe Stock

"Completei 30 anos no quarto onde dormia quando era menina", ela conta. "Eu estava deprimida, quase pensando em suicídio."

Agora, dez anos mais tarde, Lakshmin é psiquiatra clínica em Austin, Texas, trabalhando principalmente com mulheres, incluindo mães; é professora assistente de psiquiatria, especializada em saúde feminina, na Escola de Medicina da Universidade George Washington, e é empreendedora.

Ela acaba de lançar seu primeiro livro, "Real Self-Care: A Transformative Program for Redefining Wellness (Crystals, Cleanses, and Bubble Baths Not Included)" (Autocuidado real: um programa transformador para redefinir o bem-estar [sem cristais, desintoxicações e banhos de espuma], em português), que se baseia em pesquisas e estudos de caso de pacientes dela para explicar por que as práticas ditas de autocuidado propostas às mulheres hoje não funcionam.

A indústria multibilionária do autocuidado que vende cristais e massagens como paliativos para o burnout e a depressão é um pouco de como foi sua experiência de entrar para uma seita, diz Lakshmin. Ela a descreve como "falso autocuidado" porque é feita de soluções superficiais e rápidas que não melhoram a vida das mulheres individuais nem abordam problemas mais amplos da sociedade que podem provocar estresse e ansiedade.

"Vivemos numa sociedade que dificulta muito a priorização de nosso bem-estar e nossa saúde mental, então estamos constantemente remando contra a correnteza", explica a psiquiatra. Produtos comercializados de falso autocuidado dizem preencher as lacunas no acesso à terapia ou atendimento médico, convencendo as consumidoras de que "se você fizer mais desta coisa em particular, com o tempo vai se sentir melhor –sendo que, na realidade, a única finalidade de uma massagem ou de uma detox à base de suco verde é persuadir você a comprar mais da mesma coisa."

As alternativas que ela sugere são ferramentas de "autocuidado real", que exigem introspecção para identificar atividades que deixem cada pessoa mais realizada. (Lakshmin diz que não teve a intenção de escrever um manual de autoajuda, mas o livro inclui perguntas para você se colocar e exercícios para deslanchar o processo.)

"Não existem atalhos", aponta. Mas repensar o modo como você se cuida pode levar a uma transformação gradual de sua qualidade de vida. E um fato crucial, segundo ela, é que quando você alinha suas escolhas e ações individuais com suas crenças e sua visão do mundo, pode ajudar a melhorar os sistemas sociais mais amplos que criam obstáculos às mulheres. Por exemplo, se você pedir que a empresa para a qual trabalha adote uma organização de trabalho e licença parental mais flexíveis, isso pode levar a empresa a repensar suas políticas.

Veja quatro recomendações de Lakshmin para iniciar sua jornada de autocuidado real.

Se faz você se sentir bem, faça aulas de ioga

Apesar do que pode dar a entender o subtítulo de seu livro, Lakshmin não é contra banhos de espuma ou tratamentos em spas. Não importa realmente que atividade você identificou para ajudá-la a se sentir melhor, disse ela, "é como você a pratica de fato".

Lakshmin descreve uma paciente cuja prática de autocuidado era a ioga, mas fazer ioga não estava reduzindo seu estresse. Ir às aulas se tornou apenas mais uma coisa que ela precisava fazer e na qual precisava ser a melhor. Ela estava obcecada com seu progresso na postura invertida sobre a cabeça e ficava postando selfies em roupa de ginástica, esperando pelas curtidas. Como Lakshmin afirma, ela estava buscando valor próprio sem fazer o trabalho de refletir sobre que atividade daria mais sentido à sua vida.

Talvez a ioga tivesse proporcionado mais realização a essa pessoa se ela não tivesse começado a praticá-la já preocupada com sua performance e se sentindo culpada pelo tempo passado longe de sua família. Ou talvez o que ela realmente devesse fazer com aquelas horas seria pintar ou escrever, porque ela valorizava as atividades criativas e não estava criando tempo para elas em sua vida.

"Se você encara o autocuidado como uma meta, ele vira mais uma tarefa na sua lista", disse Lakshmin. "Mas quando você o encara como valores e decisões que embasam todos seus diferentes papéis e atividades, ele pode impactar sua qualidade de vida profundamente."

Identifique seus valores

A parte difícil, admite Lakshmin, é entender o que você quer, quando você já tem tantas tarefas a cumprir e pessoas com quem se preocupar. Ela sugere começar com um experimento mental: imagine-se promovendo um jantar para amigos. Pense em como seria o jantar se você tivesse algumas centenas de dólares para gastar. Você gostaria que cada convidado trouxesse um prato? Haveria um tema e fantasias? Você ia querer que os convidados participassem de brincadeiras para quebrar o gelo?

"Reflita sobre essa fantasia e pense nas qualidades incorporadas nesse jantar. Você quer apenas que as pessoas se divirtam? Ou o evento vai destacar a autenticidade, e você vai querer que as pessoas tenham diálogos profundos a dois?"

Você pode usar as respostas para criar sua lista de valores. Se você se imaginou querendo fazer brincadeiras para ficar conhecendo seus convidados imaginários melhor, "talvez isso signifique que você precisa encontrar mais tempo em sua vida para ter uma ligação significativa com amigos", diz Lakshmin.

O objetivo é começar a "organizar sua vida de trabalho e familiar de uma maneira que lhe permita viver segundo seus valores". Inevitavelmente, isso também significará dizer não a atividades que não condizem com seus valores.

Faça uma pausa para traçar limites

A maioria das pessoas sabe que definir limites pessoais é um aspecto importante do autocuidado. Mas esses limites muitas vezes são transpostos muito facilmente ou então são muito rígidos, indica Lakshmin. Você pode ter deixado claro que não trabalha depois das 17h, mas quando seu chefe lhe pede para fazer só mais uma coisinha, o horário se estende. Ou, por outro lado, quando uma prima de quem você não gosta lhe pede para visitá-la, você diz "não" instintivamente, sem parar para pensar se a visita poderia ser divertida para o resto da família.

Lakshmin sugere que cada vez que você está em uma situação em que um limite precisar ser afirmado ou flexibilizado, em vez de reagir imediatamente, faça uma pausa. Então você poderá escolher entre três reações possíveis: sim, não ou uma negociação. "Um limite sadio não é um muro sólido", ela diz. "É como a rede em volta de um trampolim: é flexível."

Em seu livro, a psiquiatra dá o exemplo de planejar o feriado anual do Dia de Ação de Graças na casa de seus sogros num momento em que você está sobrecarregada de trabalho e com filhos pequenos. Em vez de optar entre dizer sim ou não –com os prós e contras que acompanham uma ou outra opção—, você pode negociar, passando o feriado com seus sogros mas por um período de tempo menor.

"Como mulheres, sentimos que priorizar nossas necessidades é egoísmo, por isso acabamos dizendo ‘sim’ às coisas com muita frequência", afirma Lakshmin. "Mas também não estou dizendo que todo o mundo deve se isolar numa cabana na floresta e nunca cuidar de mais ninguém." O importante, indica, é que você se dê o tempo necessário para tomar a decisão que se alinhe com seus valores.

Devagar com o sentimento de culpa

Lakshmin aponta que as mulheres estão submetidas a muitas expectativas culturais frequentemente contraditórias. Querem que sejamos boas mães, capazes de sustentar a nós mesmas e à nossa família, e que ao mesmo tempo estejamos à disposição, sejamos afetuosas e divertidas.

Como mãe de um filho pequeno, a própria Lakshmin está sentindo essa tensão agora, querendo passar mais tempo com seu filho de nove meses mas também precisando e querendo se concentrar no lançamento de seu livro. De um jeito ou de outro, ela diz, há um sentimento de culpa que acompanha a priorização de uma coisa ou de outra.

É quase impossível desligar o sentimento de culpa completamente, mas Lakshmin sugere que você o encare como um botão de volume: você pode aceitar o sentimento de culpa por priorizar seu trabalho ou sua família, mas baixar o volume da emoção e aprender a conviver com ela no segundo plano.

Para a psiquiatra, isso significa optar por ter uma babá nos fins de semana para que ela possa trabalhar. "Amo meu filho perdidamente, mas sei que ele ficará bem com a babá", afirma. "Estou autorizada a dar minha atenção a outra coisa que é importante para mim."

Tradução de Clara Allain

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.