Fazer xixi no parceiro, a 'chuva dourada', aparece em dossiê de Trump

ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
DE SÃO PAULO

O ouro está por todo o lado na vida de Donald Trump, da pia de seus banheiros ao letreiro das torres com seu nome. Agora é a "chuva dourada" que aparece na biografia do presidente eleito dos EUA.

É esse o nome popular para o fetiche de urinar na frente de um parceiro ou sobre ele. Trump teria aderido à urofilia (termo médico) numa farra com prostitutas em Moscou, em 2013, segundo dossiê de um ex-espião britânico.

Diz o relatório sem provas, divulgado na semana passada, em trecho grifado em amarelo: o empresário teria assistido às garotas urinarem na mesma cama da suíte presidencial do hotel Ritz Carlton onde dormiu, em visita oficial, o casal Barack e Michelle Obama ("que ele odiava").

Com informações não confirmadas, o documento foi recebido com ceticismo por agências de inteligência e imprensa americana. Trump negou seu conteúdo e apontou um buraco na versão de que é entusiasta da urofilia: "Sou bastante germofóbico".

A aversão a germes já levou o empresário a declarar sua ojeriza a apertos de mão. Nesse caso, não há com o que se preocupar. A urina é estéril (livre de germes), afirma o infectologista Artur Timerman.

"Muita gente, inclusive, a usava nas guerras como cicatrizante, já que a ureia é um bom emulsificante", afirma o médico. É possível até encontrar em farmácias uma grandes variedade de cremes hidratantes com essa substância, indicados para as peles mais secas.

O risco de transmissão de doenças (de Aids a sífilis) é praticamente nulo, segundo Timerman. Risco maior seria a clamídia, "bactéria que pode ser isolada na urina e causar úlcera e doença venérea". Pegar zika é uma "possibilidade teórica": até o 14º dia o vírus está presente no xixi.

O líquido pode não inspirar cartas de drinques, mas é relativamente seguro bebê-lo, até porque a acidez do estômago atacaria eventuais bactérias, afirma Timerman.

O mal é mais social do que médico. O mecânico Marcos, 31, que prefere não dar sobrenome, lamenta tanto tabu: "Já tive namoradas que se diziam emancipadas, 'topa tudo'. Mas quando conto do que gosto, elas 'amarelam'".

Para Marcos, masoquista confesso, a graça da urofilia é se sentir "humilhado" pela mulher. O jogo da submissão não é o único estimulante, diz Tuy Potasso, 23, do Sensualise Moi, portal sobre sexualidade. Há mulheres que urinam por relaxarem a pélvis no orgasmo e até fãs do sabor.

Na internet existe mercado para a venda de xixi, por correspondência ou ao vivo: as duas partes se encontram em lugar público, e a fornecedora fabrica a mercadoria no banheiro do lugar, por exemplo.

Tuy, do Sensualise Moi, elenca três outros "torós" fetichistas: as chuvas marrom (coprofilia, com fezes), vermelha (com sangue de menstruação ou de cortes) e prateada (suor, saliva, sêmen ou o líquido às vezes expelido no gozo feminino). De todos, diz Timerman, sangue e esperma são arriscados, por serem possíveis condutores do HIV e dos vírus da hepatite.

OS LIMITES DO FETICHE

Não se sabe se a afeição de Trump pelo hábito é real ou não, mas a notícia encharcou a internet com memes. "Quanta urina você precisa tomar para ficar tão laranja?", escreveu um tuiteiro, caçoando do bronzeado do empresário.

Antes do dossiê contra o republicano "vazar" (piada do próprio), o hábito já permeava a cultura pop. No seriado "Girls", a protagonista Hannah deu um chilique quando o namorado mirou o xixi nela num banho a dois.

Em "Sex and the City", um político vivido por John Slattery (o Roger Sterling de "Mad Men") pede à personagem de Sarah Jessica Parker que se alivie em cima dele.

A minissérie da Globo "Verdades Secretas" causou frisson em 2015, por uma cena em que o personagem de Reynaldo Gianecchini parecia "chover dourado" num amante.

Para a ginecologista Jaqueline Brendler, da Associação Mundial para Saúde Sexual, o fetiche tem limite. "O problema é quando vira um transtorno de preferência sexual, que é quando alguém só se excita com a prática."

Já que o brasileiro transa em média até três vezes por semana, de acordo com uma pesquisa do Prosex (Programa de Estudos em Sexualidade da USP), a urofilia semanal já seria doentia, diz Brendler. "A pessoa está gostando demais."

Coordenadora do Prosex, Carmita Abdo lembra que a urofilia deixou de ser considerada um desvio sexual na 5ª edição do DSM (manual de diagnóstico de transtornos mentais da Associação Americana de Psiquiatria), de 2013 –antes ela era enquadrada ao lado de males como pedofilia e exibicionismo.

Se "existe consenso entre as duas partes e a pessoa não sofre por sentir essa necessidade", afirma Abdo, não há por que falar em correção. E se o DSM mudou, acrescenta, é porque "acabou-se percebendo que esse comportamento não é tão raro assim".

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