Descrição de chapéu The New York Times

Infecção misteriosa causada por fungo se espalha pelo mundo

Avanço aponta para o problema de germes resistentes a medicamentos; não há registro da infecção no Brasil

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Matt Richtel ​Andrew Jacobs
Nova York | The New York Times

​Em maio do ano passado, um homem idoso foi admitido no Hospital Mount Sinai no Brooklyn para uma cirurgia abdominal. Um exame de sangue revelou que ele havia sido infectado por um germe letal e misterioso, descoberto há pouco tempo. Os médicos rapidamente ordenaram que ele fosse colocado em isolamento na unidade de tratamento intensivo.

O germe, o fungo Candida aurisdescoberto recentementeataca pessoas com o sistema imunológico enfraquecido, e está se espalhando silenciosamente por todo o planeta. Nos últimos cinco anos, atingiu uma unidade neonatal na Venezuela, varreu um hospital na Espanha, forçou um prestigioso centro médico britânico a suspender as operações de sua unidade de terapia intensiva e fincou raízes na Índia, Paquistão e África do Sul.

Recentemente, o Candida auris chegou a Nova York, a Nova Jersey e a Illinois, o que levou os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos a incluí-lo em uma lista de germes classificados como "ameaças urgentes".

Segundo os CDC, não há registros no Brasil, mas, como o país não tem sistema de vigilância para fungos, o micróbio pode entrar sem ser detectado, segundo o médico Arnaldo Colombo, da Unifesp.

O paciente do Mount Sinai morreu depois de 90 dias no hospital, mas o Candida auris não foi contido. Exames mostraram que o fungo estava presente em todo o quarto do paciente, a ponto de o hospital necessitar de equipamento especial de limpeza; também foi necessário arrancar algumas das placas do teto e das lajotas do piso para erradicá-lo.

"Tudo mostrava sinais de presença —as paredes, a cama, as portas, cortinas, telefones, a pia, o quadro branco, os suportes de soro, a bomba", disse Scott Lorin, o presidente do Mount Sinai. "O colchão, as grades da cama, os buracos para encaixe, as persianas, o teto —tudo que existia no quarto mostrava sinais de presença do germe".

O Candida auris é tenaz a esse ponto em parte porque resiste aos principais medicamentos antifúngicos, o que faz dele um novo exemplo de uma das ameaças mais intratáveis à saúde do planeta: as infecções resistentes a medicamentos.

Os especialistas em saúde pública vêm alertando há décadas que o uso exagerado de antibióticos estava reduzindo a efetividade dos remédios que estenderam expectativas de vida ao curar infecções bacterianas que no passado eram causas de morte.

Mas, recentemente, também surgiu uma explosão de fungos resistentes a medicação, o que acrescenta uma dimensão nova e assustadora a um fenômeno que está solapando um dos pilares da medicina moderna.

"É um problema enorme", disse Matthew Fisher, professor de epidemiologia fúngica no Imperial College London e coautor de uma revisão científica recente sobre os fungos resistentes a medicamentos. "Confiamos em medicamentos antifúngicos para tratar esses pacientes".

Em resumo, os fungos, como as bactérias, estão desenvolvendo defesas para sobreviver aos medicamentos modernos.

Perguntas e respostas

  1. Por que os EUA estão preocupados com infecções pelo fungo Candida auris?

    Porque geralmente se trata de infecção resistente a muitos remédios antifúngicos usados para tratar infecções por Candida. Também porque essa infecção é difícil de identificar por métodos laboratoriais comuns e pode ser confundida com outras infecções

  2. Que tipo de infecções o C. auris pode causar?

    Infecções da corrente sanguínea, infecções originárias de machucados e também de ouvido. O fungo já foi isolado de espécimes respiratórios e urinários, mas não está claro se ele pode causar infecções de pulmão ou bexiga

  3. Como é identificada a infecção?

    Como outras por Candida, a causada por C. auris é identificada em culturas de sangue ou outros fluidos, mas ela pode ser confundida com outros patógenos, especialmente o Candida hamulonii

  4. Quem tem maior risco?

    Dados ainda limitados apontam que os fatores de risco são os mesmos para outras infecções por Candida: cirurgia recente, diabetes, uso de antibióticos de amplo espectro e de antifúngicos. Pessoas que ficaram internadas e receberam tubos ou cateteres têm maior risco também. As infecções já foram vistas em pessoas de todas as idades

  5. Quando ela foi identificada?

    A primeira vez foi em 2009 no Japão, mas dados retrospectivos apontam infecções em 1996 na Coreia do Sul

  6. Onde a infecção já ocorreu?

    Ela já foi reportada em mais de 20 países —segundo mapa atualizado pelo CDC em fevereiro, o Brasil não está entre eles

  7. Como ela se espalhou?

    O CDC (Centro de controle de doenças dos EUA) realizou o sequenciamento genético de espécimes do C.auris de países da Ásia, África e América do Sul. A análise sugere que as infecções surgiram independentemente em múltiplas regiões ao mesmo tempo

  8. As infecções por C.auris têm tratamento?

    A maioria é tratável por uma classe de antifúngicos chamada echinocandins. No entanto, algumas delas se mostraram resistentes às três principais classes de medicações antifúngicas. Nesses casos, múltiplas classes em doses maiores são necessárias

  9. A infecção por C.auris pode matar?

    Sim, mas não se saber se ela causa mais mortes do que outras infecções invasivas por Candida. Baseado em um número limitado de pacientes, de 30% a 60% das pessoas com C.auris morreram. No entanto, muitas delas tinham outras doenças sérias que aumentavam seu risco de morte

  10. Como ela se espalha?

    Em ambientes de saúde, como hospitais, pode se espalhar por equipamentos ou superfícies contaminadas ou de pessoa para pessoa

Mas apesar de os líderes mundiais de saúde virem apelando por uso mais contido de medicamentos antibióticos no combate a fungos e bactérias —inclusive à Assembleia Geral da ONU, em 2016, para que ela ajudasse a administrar a crise emergente—, o uso exagerado desses remédios por hospitais e clínicas e na agricultura continua.

Os germes resistentes costumam ser chamados de "superbugs" [superpragas], mas isso é simplista porque eles não matam todo mundo, tipicamente. Em lugar disso, são mais letais para pessoas com sistemas imunológicos imaturos ou comprometidos, entre as quais recém-nascidos e idosos, fumantes, diabéticos e pessoas com distúrbios do sistema imunológico e que usam anabolizantes que reduzam as defesas do corpo.

Os cientistas dizem que a menos que novos medicamentos, mais efetivos, sejam desenvolvidos e que o uso desnecessário de antibióticos seja restringido severamente, o risco se expandirá para populações maiores. Um estudo bancado pelo governo britânico projeta que, se não forem adotadas medidas que contenham a ascensão da resistência a medicamentos, 10 milhões de pessoas podem morrer como resultado dessas infecções em 2050, o que eclipsará as oito milhões de mortes causadas por câncer previstas para aquele ano.

Nos Estados Unidos, dois milhões de pessoas contraem infecções resistentes a tratamento a cada ano, e 23 mil delas morrem por isso, de acordo uma estimativa oficial do CDC. O número se baseia em dados de 2010; estimativas mais recentes, pela escola de medicina da Universidade de Washington, estimam as mortes em 162 mil. No mundo, a estimativa é de que 700 mil pessoas morram a cada ano de infecções resistentes a tratamento.

Os antibióticos e os antifúngicos são essenciais para combater infecções em humanos, mas os antibióticos também são usados amplamente para prevenir doenças em rebanhos, e antifúngicos são usados para impedir que plantas apodreçam. Alguns cientistas mencionam indicadores de que o uso exagerado de fungicidas em safras agrícolas está contribuindo para a ascensão de fungos resistentes a drogas e que infectam pessoas.

No entanto, o problema cada vez mais grave continua a não ser compreendido pelo público —em parte porque as infecções resistentes a remédios muitas vezes terminam envoltas em segredo.

Tanto no caso das bactérias quanto no dos fungos, os hospitais e os governos relutam em divulgar surtos por medo de que os locais passem a ser vistos como focos de infecção. Mesmo os CDC, nos termos de seu acordo com os governos estaduais americanos, está proibido de divulgar locais e nomes de hospitais envolvidos em surtos. Governos estaduais decidem, em muitos casos, não publicar informações sobre o assunto, limitando-se a admitir que houve casos.

Enquanto isso, os germes se espalham com facilidade —carregados nas mãos dos profissionais de saúde e equipamentos hospitalares; transportados na carne para consumo e nos vegetais produzidos com estrume nas fazendas; conduzido a outros países por viajantes e em produtos de importação e exportação; e transferidos por pacientes de casas de repouso para hospitais, e vice-versa.

O Candida auris, que infectou o paciente do Mount Sinai, está entre as dezenas de bactérias e fungos que desenvolveram resistência a tratamento.

Outras variantes proeminentes do gênero Candida —uma das causas mais comuns de infecções na corrente sanguínea em hospitais— não desenvolveram resistência significativa a medicamentos, mas mais de 90% das infecções por Candida auris são resistentes a pelo menos um medicamento, e 30% resistem a dois ou mais medicamentos, segundo os CDC.

Lynn Sosa, diretora-assistente do departamento estadual de epidemiologia do Connecticut, disse que agora vê o Candida auris como "principal" ameaça, entre as infecções resistentes a tratamento. "É quase indestrutível, e muito difícil de identificar", ela afirmou.

Quase metade dos pacientes que contraem o Candida auris morrem dentro de 90 dias. Mas os especialistas mundiais ainda não identificaram de onde ele veio inicialmente, para começar.

"É a criatura da lagoa negra", disse Tom Chiller, médico que comanda a divisão de fungos do CDC e que lidera uma investigação para encontrar tratamentos que impeçam sua difusão. "Surgiu das profundezas e agora está em toda parte".

No final de 2015, Johanna Rhodes, especialista em doenças infecciosas no Imperial College London, recebeu um telefonema apavorado do Royal Brompton Hospital, um centro médico em Londres. O Candida auris tinha deitado raízes no hospital três meses antes, e a instituição não estava conseguindo eliminá-lo.

"Não fazemos ideia de onde tenha vindo. Jamais ouvimos falar dele. E está se espalhando como um incêndio na mata", Rhodes disse ter ouvido dos colegas do Royal Brompton. Ela concordou em ajudar o hospital a identificar o perfil genético do fungo e eliminá-lo de seus quartos.

Sob seu comando, o pessoal do hospital começou a usar um aparelho que espalhava um aerossol de peróxido de hidrogênio por um quarto usado na internação de um paciente com Candida auris; a teoria era que a aplicação em forma de vapor penetraria em cada canto e desvão do aposento. O aparelho ficou ativo no quarto por uma semana inteira. Em seguida, a equipe instalou no meio do quarto uma "settle plate" [placa de fixação] contendo um gel, que serviria como local para que quaisquer micróbios sobreviventes voltassem a crescer, disse Rhodes.

O fungo estava se espalhando, mas as informações sobre ele não. O hospital, um centro especializado em tratamentos cardíacos e pulmonares que atrai pacientes ricos do Oriente Médio e de toda a Europa, alertou o governo britânico e informou os pacientes infectados, mas não fez comunicados públicos.
"Não havia necessidade de divulgar um press release durante o surto", disse Oliver Wilkinson, porta-voz do hospital.

Esse pânico sussurrado se repete em hospitais de todo o mundo. As instituições individuais e os governos municipais, estaduais e nacionais relutam em divulgar surtos de infecções resistentes a tratamento, argumentando que não faz sentido assustar os pacientes —ou possíveis pacientes.

Silke Schelenz, especialista em doenças infecciosas no Royal Brompton Hospital, testemunhou essa falta de urgência, por parte do governo e do hospital, nos períodos iniciais do surto, e a considera "muito, muito frustrante".

"Eles evidentemente não queriam prejudicar sua reputação", ela disse. "O problema não teve impacto sobre os resultados de nossas cirurgias".

Pelo final de 2016, um estudo científico reportou sobre um "surto corrente de 50 casos de Candida auris" no Royal Brompton, e o hospital tomou uma medida extraordinária: fechou por 11 dias sua unidade de terapia intensiva, transferindo os pacientes da unidade para outro piso, uma vez mais sem anúncio.

Dias mais tarde, o hospital enfim admitiu a um jornal que estava enfrentando um problema. Uma reportagem no jornal Daily Telegraph informava: "Unidade de terapia intensiva fechada depois de surgimento de 'superbug' mortal no Reino Unido". (Pesquisas posteriores constataram que houve um total de 72 casos no hospital, ainda que alguns pacientes fossem apenas hospedeiros e não tenham sido afetados pelo fungo).

Mas a questão continuava quase desconhecida internacionalmente quando um surto ainda maior irrompeu em Valência, Espanha, no Hospital Universitari i Politècnic de La Fe. Lá, sem que o público ou os pacientes não atingidos fossem informados, 372 pessoas foram colonizadas —o que significa que portavam o germe em seus corpos mas não adoeceram por conta dele— e outras 85 desenvolveram infecções na corrente sanguínea. Um estudo publicado na revista acadêmica Mycoses reportou que 41% dos pacientes infectados morreram em 30 dias.

Uma declaração do hospital informou que a causa da morte dos pacientes não havia sido necessariamente o Candida auris. "É muito difícil discernir se os pacientes morrem do patógeno ou com ele, porque se trata de pacientes com muitos problemas subjacentes e em condições gerais muito graves", o comunicado afirmava.

Como no caso do Royal Brompton, o hospital espanhol não fez qualquer anúncio público sobre o assunto na época. Aliás, não o fez até hoje.

Um dos autores do artigo publicado na revista Mycoses, médico do hospital, afirmou em email que os dirigentes da instituição não queriam que ele falasse com jornalistas porque "estão preocupados com a imagem pública do hospital".

O sigilo enfurece os defensores dos direitos dos pacientes, que dizem que as pessoas têm o direito de ser informadas caso haja um surto, para que possam decidir se querem procurar determinado hospital, especialmente se os seus problemas não são urgentes, por exemplo cirurgias eletivas.

"Por que diabos estamos lendo sobre um surto quase 18 meses depois —e não como notícia de primeira página no dia em que aconteceu?", questiona Kevin Kavanagh, médico no Kentucky e presidente do conselho da Health Watch USA, uma organização de defesa dos direitos dos pacientes nos Estados Unidos. "Isso não seria tolerado da parte de um restaurante que passe por um surto de envenenamento alimentar".

As autoridades de saúde dizem que revelar surtos assusta os pacientes quanto a uma situação sobre a qual nada podem fazer, especialmente quando os riscos não são claros.

"A situação dos provedores de serviços de saúde já é difícil o bastante por conta desses organismos", disse Anna Yaffee, médica que trabalhou como investigadores de surtos infecciosos para o CDC e lidou com casos de surtos de infecções resistentes a tratamento no Kentucky nos quais os nomes dos hospitais afetados não foram revelados publicamente. "É realmente impossível levar a mensagem ao público".

As autoridades de Londres alertaram os CDC sobre o surto no Royal Brompton enquanto ele estava em curso. E o CDC compreendeu que era preciso transmitir a informação aos hospitais dos Estados Unidos.

Em 24 de junho de 2016, o CDC divulgou um alerta nacional aos hospitais e organizações médicas, e criou um endereço de email, candidaauris@cdc.gov, para responder a dúvidas. Snigdha Vallabhaneni, médica que é um dos integrante fundamentais da equipe do CDC, antecipava receber algumas mensagens —"talvez uma por mês".

Em vez disso, sua caixa de entrada explodiu.
 
Nos Estados Unidos, foram reportados 587 casos de pessoas que contraíram o Candida auris —com concentração de 309 casos em Nova York, 104 em Nova Jersey e 144 em Illinois, de acordo com o CDC.
Os sintomas —febre, dores e fadiga— são aparentemente comuns, mas quando uma pessoa é infectada, especialmente se ela já estiver sofrendo problemas de saúde, sintomas assim comuns podem resultar em morte.

O primeiro caso conhecido nos Estados Unidos envolveu uma mulher que chegou a um hospital de Nova York em 6 de maio de 2013, em busca de tratamento para uma parada respiratória. Ela tinha 61 anos e era dos Emirados Árabes Unidos; morreu uma semana mais tarde, depois que exames revelaram que era portadora do fungo. Na época, o hospital não atribuiu grande importância caso, mas três anos mais tarde encaminhou os registros sobre ele ao CDC, depois de receber o alerta da organização em junho de 2016.

A mulher provavelmente não foi a primeira paciente portadora de Candida auris nos Estados Unidos. Ela portava um variante diferente da variante sul-asiática mais comum no país, que matou uma mulher americana que havia viajado à Índia em março de 2017 para cirurgia eletiva no abdome, contraiu Candida auris e foi levada de avião a um hospital em Connecticut, que as autoridades se recusam a identificar. A paciente foi mais tarde transferida a um hospital do Texas, onde morreu.

O germe se espalhou para instalações que combinam serviços residenciais e médicos, Em Chicago, 50% dos moradores de algumas casas de repouso revelaram contaminação por Candida auris em exames médicos, reportou o CDC. O fungo pode crescer em tubos de transferência intravenosa ou em máquinas de respiração artificial.

Os trabalhadores que cuidam de pacientes infectados pelo Candida auris se preocupam com os riscos de segurança. Matthew McCarthy, que tratou de diversos pacientes de Candida auris no Weill Cornell Medical Center, em Nova York, descreve ter sentido muito medo ao tratar de um homem de 30 anos.

"Minha vontade era não ter de tocar o sujeito", ele disse. "Eu não queria apanhar o fungo de que ele era portador e transmiti-lo a outro paciente". McCarthy diz ter feito seu trabalho, e examinado totalmente o paciente, mas acrescentou que "havia uma sensação esmagadora de medo de apanhar o fungo acidentalmente, em uma meia, gravata ou traje médico".
 
Enquanto os CDC trabalha para limitar a difusão do Candida auris resistente a tratamentos, seus pesquisadores vêm tentando responder a uma pergunta incômoda: de onde essa versão do fungo surgiu? A primeira ocasião em que médicos encontraram o Candida auris foi na orelha de uma mulher, no Japão em 2009 ("auris" é orelha, em latim). Na época, o fungo parecia inócuo, um primo de outras infecções fúngicas facilmente tratáveis, como a candidíase.

Passados três anos, o fungo surgiu em um resultado incomum de exame no laboratório de Jacques Meis, microbiologista de Nijmegen, Holanda, que estava analisando uma infecção de corrente sanguínea encontrada em 18 pacientes de quatro hospitais na Índia. Não demorou para que novos grupos de casos de Candida auris começassem a surgir, a cada mês, em diferentes partes do planeta.

Os pesquisadores do CDC teorizaram que o Candida auris tivesse surgido na Ásia e se espalhado pelo planeta. Mas quando a agência comparou todo o genoma das amostras de Candida auris obtidas na Índia, Paquistão, Venezuela, África do Sul e Japão, determinou que origem não era um lugar só, e que não existia apenas uma variante de Candida auris.

O sequenciamento do genoma demonstrou que havia quatro versões distintas do fungo, com diferenças profundas a ponto de sugerir que as variantes divergiram milhares de anos atrás e emergiram ao mesmo tempo, como patógenos resistentes a tratamento, de versões ambientais inofensivas, em quatro lugares diferentes.

"De alguma forma, o fungo deu o salto, aparentemente de forma simultânea; parece ter se espalhado; e é resistente a tratamentos", disse Vallabhaneni.

Há diferentes teorias sobre o que aconteceu com o Candida auris. Meis, o pesquisador holandês, disse acreditar que o fungo resistente a medicamentos estava se desenvolvendo graças ao uso pesado de fungicidas em safras agrícolas.

Meis ficou intrigado com os fungos resistentes a tratamento ao ser informado sobre um paciente holandês de 63 anos que morreu em 2005 por conta de um fungo chamado Aspergillus. O fungo se provou resistente ao itraconazol, um medicamento antifúngico amplamente usado. O remédio é uma cópia virtual dos azóis, substâncias usadas como pesticidas, e é empregado para tratar safras em todo o mundo, e responsável por mais de um terço das vendas mundiais de fungicidas.

Um artigo publicado em 2013 pela revista acadêmica Plos Pathogens afirmava que não parece ser coincidência que o Aspergillus, que resiste a tratamento, estivesse surgindo em ambientes nos quais o uso de azóis é pesado. O fungo aparece em 12% das amostras de solo holandesas, por exemplo, mas também em "canteiros de flores, compostagem, folhas, sementes de plantas, amostras de solo de plantações de chá, arrozais, terrenos de hospitais e amostras aéreas de hospitais".

Meis visitou os CDC na metade do ano passado para compartilhar informações de pesquisa e teorizar que o mesmo pode estar acontecendo com o Candida auris, que também é encontrado no solo: azóis criam um ambiente tão hostil que os fungos estão evoluindo, e variantes resistentes a tratamentos sobrevivem.

Isso é semelhante a preocupações de que bactérias resistentes a tratamento estejam crescendo por conta do uso excessivo de antibióticos em rebanhos, para fins de saúde e promoção do crescimento. Como os antibióticos no tratamento de rebanhos, os azóis são usados amplamente em cultivos.

"Em tudo: batatas, feijões, trigo, qualquer coisa em que você possa pensar, tomates e cebolas", disse Rhodes, a especialista em doenças infecciosas que trabalhou para debelar o surto londrino. "Somos nós que estamos causando isso, com o uso de antifungicidas nas safras".

Chiller teoriza que o Candida auris pode ter se beneficiado do uso pesado de fungicidas. A ideia dele é que o Candida auris na verdade existe há milhares de anos, escondido em cantos isolados do planeta —um germe não muito agressivo. Mas quando os azóis começaram a destruir mais e mais dos fungos comuns, surgiu a oportunidade de o Candida auris encontrar espaço, como germe dotado da capacidade de resistir facilmente a fungicidas e agora adaptável a um mundo no qual outros fungos, menos aptos a resistir, estão sob ataque.

O mistério quanto ao surgimento do Candida auris continua, e identificar sua origem parece, pelo menos no momento, menos importante do que impedir que se espalhe.
 
Por enquanto, a incerteza sobre o Candida auris gerou um clima de medo e, em certos casos, negação.
No segundo trimestre do ano passado, Jasmine Cutler, 27, foi visitar o pai, que tem 72 anos, em um hospital de Nova York, onde ele estava internado por conta de complicações depois de uma cirurgia no mês anterior.

Quando ela chegou ao quarto, descobriu que ele estava sentado há uma hora sobre as próprias fezes, em uma cadeira reclinável, porque ninguém tinha atendido quando ele pediu ajuda para ir ao banheiro. Cutler disse que ficou claro para ela que o pessoal do hospital tinha medo de tocá-lo porque um exame havia mostrado que ele era portador de Candida auris.

"Vi médicos e enfermeiras olhando para dentro de seu quarto pelo vidro da porta", ela disse. "Meu pai não é um rato de laboratório. Não podem tratá-lo como um espetáculo de circo".

O pai de Cutler teve alta, e o hospital o informou que ele não porta mais o fungo. Mas não permitiu que seu nome fosse mencionado, dizendo que temia ser associado à assustadora infecção.

Tradução de Paulo Migliacci

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