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30/05/2010 - 11h09

Advogada com paralisia escreve livro com ajuda do nariz

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MARIO CESAR CARVALHO
DE SÃO PAULO

A advogada Alexandra Lebelson Szafir não anda, não move os braços, não deglute e não fala. Os movimentos que lhe restam são os dos olhos e da cabeça, que move devagar para a direita e a esquerda, como se a vida passasse em câmera lentíssima.

Foi com esse movimento e um software que escreveu "Descasos - Uma Advogada às Voltas com o Direito dos Excluídos". Levou dois anos para encher as 82 páginas em que narra os círculos do inferno das prisões e da Justiça.

O software exibe um teclado na tela, e ela escolhe as letras que vão compor a palavra movendo a ponta do nariz --faz as vezes dos dedos.

Para se comunicar, sua cuidadora segura uma tabela de letras, as quais ela aponta com o olhar até formar a palavra, num processo penoso.

Alexandra tem uma doença rara, a síndrome de ELA, que pode ser provocada por fatores tão díspares quanto envelhecimento precoce de neurônios, estresse, infecção viral ou excesso de exercício físico em atleta profissional.

Rodrigo Capote/Folhapress
Alexandra Szafir, advogada que tem esclerose, escreveu um livro relatando os casos de injustiça que encontrou
Alexandra Szafir, advogada que tem esclerose, escreveu um livro relatando os casos de injustiça que encontrou

Aos 39, Alexandra, irmã do ator Luciano Szafir, sentiu as primeiras dores nas pernas. Para andar, tinha de arrastá-las. Achou que uma bengala resolveria.

Dois anos depois estava numa cadeira de rodas. Há um ano e cinco meses, teve de implantar uma sonda para receber alimento. Fez traqueostomia e respira com a ajuda de um aparelho.

A ligação da síndrome com a morte é "muito evidente" porque a paralisia é irreversível, diz o neurologista Acary Souza Bulle Oliveira, professor da Unifesp.

"Pergunte a qualquer pessoa normal o que ela faria nessa situação e ela vai te dizer: "Prefiro morrer". O que me impressiona é que as pessoas que têm ELA querem viver. Não têm mágoa nem amargura. Quando começo a ficar meio besta, penso nesses pacientes", diz o médico.

O que move os portadores da síndrome são os desafios, já que a atividade cerebral permanece intacta.

Alexandra tem pilhas de livros ao lado da cama. Seu gosto vai do best-seller "Marley e Eu" a "The Life and Opinions of Tristram Shandy", de Laurence Sterne, e "On Beautiful", de Zadie Smith.

O livro de Alexandra foi um desses desafios. Nos anos 90, ela participou de uma experiência inovadora no Brasil por meio do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.

Criminalista, sócia do escritório de Alberto Toron, fez mutirões em cadeias. Achou um doente mental que estava preso havia meses. Quando levado ao juiz, todos se chocaram com o fato de um homem naquele estado não estar num hospital.

Descobriu que a confissão de oito homicídios por uma só pessoa fora obtida sob tortura. Conheceu um juiz que nem olhava para quem fazia a defesa e, sem ver que o advogado estava em cadeiras de rodas, disse: "Nesta corte é norma que os advogados falem em pé!".

O livro não recorre aos salamaleques habituais do mundo jurídico. "Maldade, burrice ou falta de atenção" são os predicados de um certo juiz. "Às vezes as coisas têm de ser ditas pelo nome", disse em entrevista à Folha.

Sobre as razões que a levaram a escrever, diz: "Veja a última frase do livro". É do filósofo irlandês Edmund Burke (1729-1797): "Ninguém comete erro maior do que não fazer nada porque só pode fazer um pouco". Como ela diz no livro, advogados têm o "dever de meter o nariz onde não são chamados".

DESCASOS - UMA ADVOGADA ÀS VOLTAS COM O DIREITO DOS EXCLUÍDOS
EDITORA Saraiva
QUANTO: R$ 19 (82 págs.)

Arte Folha

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