Jogador que sobreviveu a câncer salva Newcastle do rebaixamento
No último dia da temporada da Premier League da Inglaterra, definido pelos narradores esportivos como "dia da sobrevivência" por conta dos riscos de eliminação que os clubes sofrem na mais rica liga de futebol do planeta, o resultado foi decidido por um jogador para quem esta temporada girou literalmente em torno da sobrevivência.
De novembro a março, Jonás Gutiérrez enfrentou um câncer testicular em sua Argentina natal. No domingo, correndo de seu gol ao gol adversário como se nada vida importasse tanto quanto salvar o Newcastle do rebaixamento, Gutiérrez garantiu a vitória de sua equipe, e salvou o time.
Aos nove minutos do segundo tempo, ele avançou em característico estilo aracnídeo pela ala esquerda e cruzou a bola para dentro da área do West Ham United, em um lance concluído pela cabeçada certeira de Moussa Sissoko, colega de Gutiérrez no meio de campo. O rugido de gol dos 52 mil torcedores presentes ao estádio St James, do Newcastle, foi alto a ponto de praticamente poder ser ouvido mais ao norte na costa, onde o Hull City também jogava para defender sua permanência na Premier League.
Os jogos começaram ao mesmo tempo, para que nenhum dos envolvidos pudesse tirar qualquer vantagem por saber o que teria de fazer para continuar na primeira divisão. O Burnley e o Queens Park Rangers estavam rebaixados há semanas, e só restava decidir o último time a cair de uma divisão que garante a cada um de seus 20 clubes quase US$ 100 milhões anuais em direitos de transmissão televisivos.
Quando um time é rebaixado, às vezes não há volta, e o Wigan Athletic, que caiu da Premier League na temporada passada, manteve a trajetória e na atual temporada terminou rebaixado à terceira divisão do futebol inglês.
Imagine, assim, a situação dos torcedores do Hull que lotavam seu KC Stadium. Imagine a ansiedade se acumulando jogo a jogo até que, tendo de derrotar o Manchester United e depois rezar por uma derrota do Newcastle no domingo, eles ouviram no rádio a notícia de que o Newcastle havia marcado um gol.
Mas a torcida do Hull ainda assim manteve a esperança. O time deles tem um retrospecto infeliz de jamais ter vencido um jogo da Premier Legue no mês de maio. Mas os jogadores estavam dando o máximo, e o treinador Steve Bruce é conhecido por jamais desistir sem lutar.
Bruce nasceu e se criou em Newcastle, e os jogadores do time da cidade eram seus heróis, na infância.
Ele jogou 414 vezes pelo Manchester United, muitas delas como capitão, um zagueiro de nariz fraturado que conquistou títulos na Inglaterra e Europa pelo time que agora tinha de tentar derrotar pela primeira vez em seus 17 anos como treinador.
Ele conseguiu transmitir sua garra aos tigres do Hull, mas não conseguiu fazer com que acertassem as finalizações, nas inúmeras oportunidades em que eles demonstraram mais vontade de vencer do que o adversário.
Divulgação/Vélez Sarsfield | ||
Jonás Gutierrez voltou a treinar no final de 2014 após o tratamento |
Três grandes defesas de Victor Valdés atrapalharam, mas alguns momentos de descuido do enferrujado ex-goleiro do Barcelona, que jogou sua primeira partida completa com a camisa do Manchester, mantiveram o ânimo do Hull.
Correndo contra o relógio, os jogadores do Hull City não conseguiam manter a calma no momento de finalizar. Dedicação total, sim, mas qualidade diante do gol, de jeito nenhum.
O jogo foi desfigurado por uma feia e imperdoável falta de Marouane Fellaini, do Manchester, que foi expulso depois de pisar na virilha de Paul McShane, do Hull, quando este estava caído. Mas não foi isso que definiu o resultado; a falta de pontaria do time da casa é que o fez.
Então, aos 40 minutos do segundo tempo, nos dois jogos, surgiu o segundo e decisivo rugido em Newcastle. E a causa foi de novo Gutiérrez, desta vez na finalização. O argentino entrou driblando na defesa do West Ham e arriscou um chute baixo. A bola bateu na perna de um zagueiro e entrou no gol.
E o Newcastle, com nove derrotas e nenhuma vitória em seus 10 jogos anteriores, saiu vencedor de muito mais que um simples jogo. Seus últimos seis meses fizeram lembrar um país em guerra interna; o proprietário é acusado de tentar lucrar vendendo jogadores de talento, em lugar de lutar por títulos.
Alguns dos antigos astros do Newcastle criticaram publicamente a equipe atual, acusando certos jogadores de falta de esforço para vencer. O apito final em Newcastle foi sucedido de imediato por um protesto dos torcedores, uma ocupação virtual do estádio contra a apatia que eles acreditam nascer do comando do clube.
No entanto, Mike Ashley, o bilionário do varejo de produtos esportivos que é dono do Newcastle, jurou aos torcedores que quer o mesmo que eles, vencer e não só sobreviver, na Premier League. E disse que fornecerá os recursos necessários para reverter a situação na temporada que vem.
Determinar se Gutiérrez, o herói da grande batalha pela sobrevivência, será parte desse esforço é uma questão ainda em aberto. O contrato dele acabou ao final da temporada, e na TV, depois do jogo, ele disse que "o Newcastle não merece isso, ele merece estar no topo da tabela. Recebi uma segunda chance na vida, e o dia de hoje foi fantástico para mim".
E para o Newcastle, mas não para o Hull.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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