Ceticismo pré-olímpico no Rio lembra Barcelona, diz especialista
Arquivo Pessoal | ||
O especialista em Jogos Olímpicos Emilio Fernández Peña |
Diretor do Centro de Estudos Olímpicos e do Esporte da Universidade Autônoma de Barcelona, na Espanha, o professor Emilio Fernández Peña, 44, acredita que os Jogos deste ano serão um marco para colocar o Rio no "mapa das grandes cidades modernas do mundo".
Doutor em comunicação audiovisual, o espanhol diz que vê similaridades entre a capital fluminense e a da Catalunha, inclusive no "ceticismo social" em relação ao evento no período que antecedeu a Olimpíada de 1992, considerada uma das melhores de todos os tempos.
Folha - A Globo adquiriu os direitos de transmissão dos Jogos Olímpicos até 2032. É a segunda emissora do mundo a fechar um contrato longo com o COI (Comitê Olímpico Internacional), após a norte-americana NBC Universal (que pagou US$ 7,6 bilhões em 2014). Qual a explicação?
Emilio Fernández Peña - A celebração dos Jogos em 2016 impulsionará a febre olímpica do Brasil, sem dúvida, o que aumentará o valor dos direitos de transmissão no país. O COI sabe disso e a TV Globo, também.
Os contratos a médio e longo prazo, como o da Globo [sem valores revelados], têm vantagens indubitáveis para a TV e o COI. A Globo garante a transmissão a longo prazo, que sempre é uma fórmula segura para obter grandes audiências, especialmente depois dos Jogos do Rio.
Isso permite construir uma marca e uma torcida em diversos esportes olímpicos, preparando futuras audiências. Para o COI, é uma fórmula estável de conhecer sua renda vinda dos direitos de transmissão, para planejar os investimentos.
Qual será a grande novidade em relação à mídia em 2016?
No Rio, irá se aprofundar o papel das mídias sociais por parte do Comitê Organizador dos Jogos, do COI, das TVs e de quem as utilizar como ferramenta de participação do público. Ao mesmo tempo, se estenderão tecnologias como o ultra HD para a maior parte das transmissões. Os Jogos sempre foram um território para a experimentação de novas tecnologias e um mostruário privilegiado para a introdução no grande público.
Como os europeus, acostumados a organizar as Olimpíadas, estão vendo os primeiros Jogos da América do Sul?
O Brasil, em geral, e o Rio, em particular, gozam de grande simpatia na Espanha e na Europa, sobretudo em Portugal, nossa cercania cultural. Era absolutamente necessário abrir os Jogos a novas áreas geográficas, e o Brasil era o país adequado, sem dúvida alguma. Muitos países da América do Sul considerarão os Jogos quase como próprios. Os Jogos do Rio difundirão a cultura olímpica em todo o continente.
Quais são as principais preocupações da comunidade olímpica internacional em relação à organização do Rio?
A preocupação por parte do COI é que toda a infraestrutura e as instalações estejam terminadas e tudo se organize de forma ótima. Isso ocorre em quase todas as edições dos Jogos, não só no Rio. Ocorreu em grande medida em Atenas-2004 e em menor em Pequim-2008 e Londres-2012. O Rio terminará tudo a tempo.
Os Jogos têm uma capacidade transformadora em diversas vertentes da cidade e do país: a melhora da infraestrutura de transporte e de outros serviços, centros de treinamento de alto rendimento, estruturas ou arenas esportivas mais modernas.
É o que esperam de melhor?
Os Jogos colocam o Rio no mapa das grandes cidades modernas do mundo. Se a cidade souber tomar partido da situação, poderá rentabilizar em médio e longo prazo os investimentos.
Se os Jogos forem um êxito, serão um espelho que refletirá os valores positivos para todo o Brasil, projetando uma imagem moderna de todo o país para o mundo e aumentando a autoconfiança dos próprios brasileiros para o futuro.
Javier Soriano/AFP | ||
Atleta salta em Barcelona no Mundial de 2013, realizado no mesmo local que os Jogos de 1992 |
É possível comparar Rio-2016 e Barcelona-1992?
Barcelona aproveitou como poucas sedes os Jogos para melhorar as infraestruturas da cidade e para fixar-se no mapa-múndi como um local atrativo para o turismo de ócio e de negócios, assim como uma cidade para se investir. Barcelona aproveitou a projeção da imagem internacional com os Jogos como ninguém. O Rio poderia também aproveitar, mas como fez Barcelona é mais difícil.
O Rio tem uma grande oportunidade com a celebração exitosa dos Jogos que não vai perder, estou seguro.
Então há semelhança.
O ceticismo social em relação aos Jogos e à capacidade de transformação da Espanha antes das disputas me recordam um pouco o ambiente pré-olímpico no Rio.
Essa capacidade de focalizar de forma intensa a atenção do mundo em uma cidade durante um período limitado de tempo e de reunir os melhores esportistas do momento durante duas semanas fazem dos Jogos Olímpicos um evento único.
Que ninguém pense que é o mesmo que a Copa do Mundo de futebol. E uma das chaves do êxito de Barcelona foi ir renovando essa projeção internacional com outros eventos posteriores aos Jogos.
O que quer dizer em relação à comparação com a Copa?
No meu ponto de vista, os Jogos Olímpicos têm uma vantagem em relação à Copa do Mundo. Essa capacidade de focalizar tudo em um só lugar e durante um tempo limitado dá mais potência à capacidade de construção da marca da cidade. Neste sentido, a Copa do Mundo dispersa essa criação de marca demasiadamente e não beneficia nenhuma cidade. Se dispersa a potência midiática, mas se dispersam os investimentos em infraestrutura também.
Barcelona ainda tem ganhos com o legado dos Jogos-1992?
Barcelona vive do legado dos Jogos em certa medida. Multiplicou por sete o número de turistas. Em 1991 recebia 1,5 milhão de turistas por ano. Agora, recebe mais de 8 milhões. Mais de 20% da economia de Barcelona está relacionada ao turismo. O setor do turismo tem suportado a crise e salvado a cidade e o país do desastre social.
Fabio Teixeira/Folhapresss | ||
Crianças brincam em área que será utilizada pela canoagem no Parque Olímpico de Deodoro |
RAIO-X
EMILIO FERNÁNDEZ PEÑA
Nascimento: 1971 (44 anos), em Oviedo, na Espanha
Currículo: Diretor do Centro de Estudos Olímpicos e do Esporte da Universidade Autônoma de Barcelona, na Espanha; Professor titular de Comunicação Audiovisual e PhD pela Universidade do País Basco, na Espanha; Consultor de TV e história da mídia no novo Museu Olímpico do COI, na Suíça
Livraria da Folha
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade
- 'Fluxos em Cadeia' analisa funcionamento e cotidiano do sistema penitenciário
- Livro analisa comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola
- Livro traz mais de cem receitas de saladas que promovem saciedade