Em meio a crise, Gabão conta com craque da África por título inédito

Crédito: Sunday Alamba/Associated Press Trabalhadores preparam campo de estádio em Libreville para abertura da Copa Africana
Trabalhadores preparam campo de estádio em Libreville para abertura da Copa Africana

ALEX SABINO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Deveria ser o grande momento esportivo da história do Gabão, que não tem tradição no futebol. Neste sábado (14), a seleção nacional faz o jogo de abertura da Copa Africana, que será sediada pela primeira vez no país. Com um técnico estrangeiro e o artilheiro mais cobiçado do futebol europeu, a equipe é apontada como favorita para um título inédito.

Às 14h (de Brasília), enfrenta Guiné-Bissau no estádio d'Angodjé, em Libreville. Mas o clima não é de empolgação. Dos quatro estádios a serem usados no torneio, dois são novos e não estão acabados. Há o temor de protestos violentos nos jogos.

"Se você falar com as pessoas, vai perceber que não há alegria. O povo não quer saber de futebol em um momento como esses", afirmou o líder da oposição, Jean Ping.

Ele foi derrotado pelo atual presidente, Ali Bongo Odimba, nas eleições realizadas em agosto de 2016. A oposição e a União Europeia denunciaram fraudes na votação. Odimba está no cargo desde 1999 e sua família controla a presidência desde 1967. Ping estima que nos violentos protestos nos dias seguintes ao pleito, cem pessoas morreram. O governo do país contesta o número.

"Nós queremos que a população do Gabão boicote os jogos, em sinal de protesto. O povo tem o direito de resistir", completa Ping, recusando o discurso de conciliação usado pelo presidente.

Na seleção, o clima também não é de harmonia. Há uma semana, o técnico espanhol José Antonio Camacho ameaçou deixar o país por divergências na contratação de auxiliares. Ele assumiu o cargo no início de dezembro de 2016 após o português Jorge Costa ser demitido pelos maus resultados.

"Quando começar o torneio, a seleção vai deixar todos orgulhosos no Gabão. Ele foi organizado pelo bem do país, não do governo. É a esperança de que vamos deixar as divergências de lado e ir adiante. A eleição já passou", disse a ministra de esportes, Nicole Assalé.

O governo enfeitou as ruas das cidades de Libreville, Franceville, Oyem e Porto Gentil, que vão receber os jogos, com a bandeira nacional para tentar criar clima patriótico.

Outra imagem espalhada pelo país é a de Pierre-Emerick Aubameyang. Um dos atacantes mais valorizados da Europa, ele tem 61 gols marcados nas últimas duas temporadas pelo Borussia Dortmund e foi eleito melhor jogador africano de 2016.

"O presidente Odimba é fanático por futebol e, em caso de vitória, vai tentar capitalizar isso, como outros governos já fizeram no passado ao redor do mundo. O problema é que a crise econômica no Gabão é grave", disse à Folha Gabriel Zomo, professor de economia da Universidade de Libreville.

A raiz da crise é a queda no preço do petróleo, responsável por 50% das riquezas do país e 80% das exportações e por empregar 1,8 milhão de pessoas. Sindicatos e movimentos políticos pediram a realização de greve geral dos funcionários públicos durante a competição.

Crédito: Patrik Stollarz/AFP O atacante gabonês Aubameyang durante partida do Borussia Dortmund pela Liga dos Campeões
O atacante gabonês Aubameyang durante partida do Borussia Dortmund pela Liga dos Campeões

SEGUNDA OPÇÃO

O Gabão foi a segunda alternativa da Confederação Africana de Futebol para receber a Copa. O primeiro escolhido havia sido a Líbia. Uma guerra no país levou os cartolas africanos a mudarem a sede do torneio.

Na edição anterior, em 2015, a competição teve de ser transferida às pressas para Guiné Equatorial. Marrocos pediu adiamento por causa da epidemia de ebola na África e perdeu o direito de realizar a Copa Africana.

Na Guiné Equatorial, a competição teve momentos tensos. Durante a semifinal, torcedores de Gana invadiram o gramado para fugir de pedras atiradas pelos donos da casa. A polícia interveio com violência. Helicópteros do governo fizeram voos tão rasantes sobre o estádio que as placas de publicidade soltaram e atingiram a torcida nas arquibancadas.

Por motivos políticos, a Fifa tem repassado mais dinheiro para países africanos. São 54 federações no continente com direito a voto, um quarto do colégio eleitoral que escolhe o presidente da Fifa. Entre 1999 e 2013, a entidade que controla o futebol enviou às federações US$ 476 milhões (cerca de R$ 1,5 bilhão) para financiar projetos de construção de campos artificiais, revelação de novos talentos, melhorias na infraestrutura e planejamento.

RIVAIS "PORTUGUESES"

O rival do Gabão é a maior zebra do torneio. Guiné-Bissau se classificou pela primeira vez para a Copa Africana. Ex-colônia portuguesa, o país começou a disputar partidas de eliminatórias continentais em 1998.

Se a situação econômica do país-sede é de crise, a do adversário deste sábado não é melhor. Guiné-Bissau ocupa a 178ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU (Organização das Nações Unidas). São 188 nações analisadas.

A federação local não fez o pagamento da premiação prometida aos jogadores pela classificação e eles tiveram problemas para achar locais para treinar.

Para montar a seleção, dirigentes procuraram na segunda e terceira divisão de Portugal atletas com antepassados nascidos no país africano, assim poderiam naturalizá-los. É o caso do lateral-direito Tomas Dabo, que disputou a Copa do Mundo Sub-20 de 2013 por Portugal e é um dos principais nomes do futebol de Guiné-Bissau.

Até agora, nenhuma emissora de televisão do Brasil tem previsão de transmitir o torneio.

Crédito:
Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.