Futebol prospera em meio a grave crise financeira na Venezuela
Juan Barreto/AFP | ||
Juan Arango, do Zulia, da Venezuela, durante partida contra a Chapecoense, na Libertadores |
A Venezuela vive uma grave crise social e econômica. Mas enquanto a inflação chegou aos 800% ao ano e o Produto Interno Bruto recuou 18,6% em 2016, a liga de futebol do país vive o melhor momento de sua história.
A média de público cresceu, ídolos como o meia Juan Arango foram repatriados, os direitos de televisão para o campeonato nacional nunca valeram tanto e, a partir da próxima temporada, o torneio será organizado pela associação do Futebol Venezuelano (FutVE), a liga de clubes. Empresários compraram equipes e começaram a investir na infraestrutura. Tudo isso por causa do dólar.
"Os presidentes dos times, na maioria, são jovens empresários com uma crença no país e que apostam no crescimento do futebol", disse George Antar à Folha. Ele é presidente da FutVE e dono do Deportivo La Guaira.
A evolução é turbinada pela oportunidade financeira. Por decisão do governo, os clubes foram autorizados a comprar a partir de 2016 dólares pelo câmbio oficial do Cencoex (Centro Nacional de Comércio Exterior). O mesmo já acontecia nas ligas profissionais de basquete e beisebol. É uma chance para os empresários obterem a moeda americana pela cotação oficial e depois colherem os lucros no mercado paralelo.
Pelo índice da Cencoex, US$ 1 compra 704 bolívares, a moeda venezuelana. No mercado paralelo, usado ilegalmente por quase todos os moradores do país, varia entre 2,8 mil e 4,2 mil bolívares.
Dois donos de clubes disseram à Folha que a diferença tornou o futebol uma área atrativa para qualquer empresário na Venezuela. É possível recuperar o investimento e lucrar em menos de seis meses. Os direitos de transmissão dos jogos deste ano foram vendidos por US$ 4 milhões e pagos na moeda americana. Na conversão pelo câmbio oficial, os clubes dividiriam 2,8 bilhões de bolívares. Pelo paralelo, o valor saltou para até 16,8 bilhões de bolívares.
"Há os direitos de televisionamento, as premiações da Confederação Sul-Americana e, principalmente, as vendas de jogadores para o exterior. Tudo isso é em dólar. E um dólar que pode ser convertido rapidamente em bolívares no mercado negro. Se você tem bons contatos, pode ainda conseguir apoio de governos estaduais e locais", disse um dono de equipe sob anonimato por temer represálias do presidente Nicolás Maduro.
Um dos exemplos é o Carabobo, que participou da segunda fase da Libertadores. A Fundaporte, autarquia do governo de Carabobo, tem participação na equipe, mas o dono é Jimmy Ayoubissa, também proprietário de sete empresas registradas em Miami.
"O empresário que está no futebol venezuelano vê que esta é uma área com muito potencial", afirma Antar.
Nas quatro primeiras rodadas, a média de público foi de cerca de 4.400 pessoas. É a melhor marca desde que o torneio se tornou profissional, em 1957. A média do Estadual do Rio em 2016 foi de 3.905 pagantes. As voltas de jogadores que passaram pela seleção venezuelana como Yohandry Orozco, Maestrico Gonzalez e Juan Falcon também chamaram a atenção.
Média de público - Em milhares de torcedores
Nenhuma contratação, porém, foi mais badalada do que o retorno ao país de Juan Arango, 36. Com 127 jogos pela seleção e 23 gols, ele é o maior jogador da história do futebol local, e também foi seduzido pela possibilidade do lucro no câmbio. Desde 2015, é um dos acionistas do Zulia, ao lado do ex-técnico da Venezuela César Farías.
"Há um trabalho de base, não apenas a questão financeira. Nós queremos crescer e criar um vínculo com as pessoas", disse Farías, hoje técnico do The Strongest (BOL).
Apesar do fluxo de capital privado, a participação do poder público está vivo na ligação com dirigentes. Adelis Chávez, presidente do Zamora, é irmão do presidente Hugo Chávez, morto em 2013.
Um benefício a longo prazo para o futebol local é o aumento no investimento nas categorias de base.
Em janeiro, o Atlético Venezuela vendeu o volante Yangel Herrera para o Manchester City (ING) por 2 milhões de euros. A negociação rendeu ao clube 8,9 bilhões de bolívares (no paralelo). A ajuda de custo média dos atletas da base no país é 63 mil bolívares por mês.
No futuro, o boom pode render -além de dinheiro para os empresário- uma evolução para a única seleção que disputa as eliminatórias da América do Sul a não ter conseguido se classificar para uma Copa do Mundo.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
Venezuela, o país: índices econômicos em 2016 |
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