Estatuto do São Paulo criou brechas para barrar investigação contra Leco

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

DIEGO GARCIA
DE SÃO PAULO

A atual diretoria do São Paulo usou o novo estatuto do clube para conseguir travar uma denúncia contra o presidente Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, que poderia ter que devolver R$ 4,6 milhões aos cofres tricolores e até ser expulso do clube.

Em dezembro de 2016, a Comissão de Ética do Conselho Deliberativo do São Paulo, presidido na época pelo desembargador José Roberto Ópice Blum, opositor a Leco, acatou denúncia contra o presidente são-paulino por um prejuízo de R$ 4,6 milhões (em valores corrigidos pela Justiça) que o dirigente causou à agremiação quando era diretor de futebol, em 2002.

Em janeiro do ano passado, a denúncia saiu das mãos da Comissão de Ética e foi encaminhada para a Comissão Disciplinar, órgão criado pelo novo estatuto, composto por sócios indicados pelo próprio Leco e aprovados pelo Conselho Deliberativo.

A reformulação do estatuto foi uma das principais bandeiras da gestão do atual presidente são-paulino. Ele teve papel fundamental na articulação e aprovação do documento junto ao conselho.

O processo contra o mandatário do clube está, desde então, estagnado no novo órgão de associados. Pouco mais de um ano depois de a denúncia ser aceita pela Comissão de Ética, Leco ainda não foi julgado pelo caso.

Como comparação, duraram menos de cinco meses (de dezembro de 2015 a maio de 2016) as investigações de denúncias contra o ex-presidente do clube Carlos Miguel Aidar e o ex-vice-presidente de futebol Ataíde Gil Guerreiro, que se encerraram com as votações que resultaram na expulsão dos dois dirigentes do Conselho Deliberativo do São Paulo.

Por outro lado, já se passaram 13 meses desde que a denúncia contra Leco foi acatada pelo comitê.

Se for considerando o tempo transcorrido desde o recebimento da denúncia até o julgamento a diferença é ainda maior. Os casos de Aidar e Gil Guerreiro demoraram seis meses para serem julgados a partir do recebimento da denúncia pela Comissão de Ética. No caso de Leco, já se passaram 21 meses desde que a denúncia foi recebida (em março de 2016).

"O Leco apresentou a defesa, mas ela não foi encaminhada à Comissão de Ética. Deveria ter ido, mas fizeram uma outra interpretação do estatuto e levaram para a Comissão Disciplinar, que avalia denúncias contra sócios. Nós fizemos o nosso trabalho e encaminhamos para a administração do Conselho Deliberativo, mas a partir daí não tivemos mais resposta", disse Ópice Blum à Folha.

Crédito: Gabriela Di Bella/Folhapress SÃO PAULO, SP, BRASIL, 18.01.2015, 17h00 - O presidente do São Paulo Futebol Clube, Carlos Augusto Barros e Silva, o Leco, 78, durante entrevista à Folha de S. Paulo realizada no Estádio do Morumbi (Estádio Cícero Pompeu de Toledo), em São Paulo (SP). (Foto: Gabriela Di Bella/Folhapress)
Leco deu prejuízo de R$ 4,6 milhões no clube

A defesa foi enviada pelo presidente do São Paulo ao Conselho Deliberativo em dezembro de 2016, mas o documento parou nas mãos de Marcelo Pupo, presidente do órgão e aliado do presidente são-paulino.

Na ocasião, Pupo argumentou que o novo estatuto precisava passar por uma regulamentação, inclusive na parte disciplinar, que dispõe sobre infrações e penalidades. Posteriormente, o novo estatuto virou base para que a denúncia fosse para a Comissão Disciplinar.

"Temos um estatuto novo que deixa claro que casos que envolvam acontecimentos na condição de 'pessoa' vão para a Comissão Disciplinar. Já quando se agiu na condição de conselheiro vai para a Comissão de Ética. O novo estatuto criou duas instâncias disciplinares", afirmou Pupo.

Após a eleição de Leco, Ópice Blum -candidato da oposição derrotado por Marcelo Pupo na disputa pela presidência do Conselho Deliberativo- deixou seu cargo na Comissão de Ética do clube tricolor, junto com os outros membros do órgão.

TRAMITAÇÃO NO CLUBE

Se o caso de Leco seguisse a mesma tramitação das acusações contra Aidar e Gil Guerreiro, a denúncia contra o atual presidente do São Paulo deveria ser votada pelo Conselho Deliberativo após parecer da Comissão de Ética do órgão.

Se fosse considerado culpado, o presidente poderia ser obrigado a devolver os R$ 4,6 milhões aos cofres tricolores, além de ser suspenso por 90 dias ou até mesmo expulso de forma definitiva do Conselho Deliberativo, o que teria grandes repercussões ao futuro do clube do Morumbi.

No entanto, como o caso foi encaminhado para a Comissão Disciplinar, segundo o estatuto do clube, o próprio órgão ficará responsável tanto por julgar o dirigente quanto por definir uma punição.

O processo só deverá voltar para o Conselho Deliberativo caso Leco seja punido com suspensão ou expulsão. Nesses casos, ele poderá recorrer ao órgão máximo.

Crédito:

ORIGEM DA DENÚNCIA

Em 2002, Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, assinou documento autorizando o pagamento de comissão de R$ 723 mil à empresa Prazan pela contratação do lateral Jorginho Paulista. A quantia não foi quitada e causou um processo na Justiça que, em 2015, gerou condenação que tirou R$ 4,6 milhões dos cofres do São Paulo.

Na época, Leco era diretor de futebol, mas o negócio só poderia ser autorizado pelo presidente.

"O diretor [Leco] que representou o clube na contratação é reconhecido como extremamente inteligente e articulado. (...) É evidente que pessoa de tamanho gabarito tinha conhecimento do estatuto do clube que representava e, se não exigiu a assinatura do presidente da agremiação foi porque entendeu desnecessária", diz decisão judicial do processo que condenou o São Paulo no primeiro semestre de 2015.

É com base nesta decisão que o processo contra Leco foi aberto no clube.

Leco assinou a comissão quatro meses depois da contratação de Jorginho Paulista. O negocio foi fechado na gestão de Paulo Amaral, no cargo até março de 2002. Seu sucessor, Marcelo Portugal Gouveia,foi quem chamou o atual presidente são-paulino para ser diretor. A mudança foi usada, sem sucesso, como argumento da defesa do São Paulo.

OUTRO LADO

O presidente do São Paulo, Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, disse que não se manifestará sobre o caso.

A assessoria de imprensa do clube afirmou que o dirigente são-paulino já encaminhou sua defesa e que, com a mudança do estatuto, quem analisa o caso é a Comissão Disciplinar, não mais a Comissão de Ética.

O departamento de comunicação do São Paulo lembra ainda que alguns dos signatários do requerimento para abertura da denúncia retiraram as assinaturas.

Sobre o encaminhamento do caso para a Comissão Disciplinar, o presidente do Conselho Deliberativo, Marcelo Pupo, afirmou que "se [Leco] agisse como conselheiro e presidente da diretoria, seria julgado na Comissão de Ética, mas como agiu como diretor, isso fica sob jurisdição da Comissão Disciplinar. Essa é uma definição do novo estatuto e respeitamos isso".

O presidente da Comissão Disciplinar, Rodrigo Martinez, afirmou que "o processo é sigiloso" e que não poderia dar mais informações sobre o andamento dos trabalhos no órgão.

O novo estatuto do São Paulo introduziu mudanças importantes no clube, como a implementação de uma diretoria profissional, composta por contratados que se dedicariam exclusivamente ao clube, além do fim dos cargos de vice-presidentes estatutários.

Outra alteração foi a mudança no tempo de mandato do presidente (de três para quatro anos) e a possibilidade de pagamento de remuneração de até R$ 27,5 mil para o mandatário.

Além disso, os diretores executivos também passam a ser remunerados de acordo com valores de mercado a serem aprovados pelo Conselho de Administração.

O órgão, também criado pelo novo estatuto, é responsável por definir as diretrizes gerais a serem seguidas pelo presidente, e é formado por nove pessoas, sendo três conselheiros, o presidente, o vice-presidente, três indicados pelo mandatário e um integrante do Conselho Consultivo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.