Dois anos após doping, Sharapova volta bajulada ao Aberto da Austrália

Crédito: Mark Baker/Associated Press Maria Sharapova com o troféu do Aberto da Austrália na cerimônia do sorteio das chaves
Maria Sharapova com o troféu do Aberto da Austrália na cerimônia do sorteio das chaves

FÁBIO ALEIXO
DE SÃO PAULO

Dois anos após testar positivo em exame antidoping durante a disputa do Aberto da Austrália, Maria Sharapova, 30, volta a participar do torneio que tem início às 22h (de Brasília) deste domingo (14) em Melbourne como uma das grandes estrelas, paparicada pela organização e federação australiana.

A russa, que ocupa atualmente a 47ª posição do ranking mundial, foi a escolhida ao lado de Roger Federer para participar do sorteio das chaves na última quinta (11), no qual ficou determinado que enfrentará a alemã Tatjana Maria (46ª) na estreia.

O posto sempre é ocupado pela campeã do ano anterior. Mas a ausência de Serena Williams, que optou por ficar com o filho recém-nascido, abriu a brecha para se promover o retorno da russa em grande estilo ao torneio no qual foi campeã em 2008.

Nas redes sociais, a medida gerou críticas de fãs da modalidade e de jornalistas especializados.

Craig Tiley, diretor do torneio, ficou numa saia-justa e teve de explicar a escolha.

"Queríamos ter alguma ex-campeã. Ficamos felizes que ela aceitou nosso convite. O julgamento do doping já ocorreu e a pena foi cumprida. Maria merecia a oportunidade", justificou.

Além da russa, outra ex-campeã que jogará o Aberto da Austrália será Angelique Kerber. Durante o sorteio, a vencedora de 2016 estava em Sydney disputando um torneio do qual saiu vencedora.

Na entrevista de Sharapova ao canal oficial no centro da quadra, não houve uma pergunta referente à suspensão.

À Folha, a ITF (Federação Internacional de Tênis), que coloca a luta contra o doping como uma de suas bandeiras, afirmou apenas que Sharapova já cumpriu a pena.

Este será o segundo Grand Slam disputado por Sharapova desde que teve fim o gancho de 15 meses por ser flagrada com a substância meldonium em 26 janeiro de 2016.

No primeiro, o Aberto dos EUA do ano passado, foi eliminada nas oitavas de final.

Desde a volta, em abril de 2017, Sharapova ganhou um título na China em outubro, escalou mais de 200 posições no ranking e teve de lidar com inúmeras críticas de rivais após receber convites para seus três primeiros
torneios. Isso fez com que Roland Garros e Wimbledon não lhe dessem um wild card.

Quando foi suspensa por doping, a russa teve contratos com Nike, Tag Heuer, Porsche e Avon suspensos. As empresas voltaram a patrociná-la. Ela ainda tem acordos com a marca de água Evian e a Head, que produz raquetes.

Sharapova por diversas vezes criticou a ITF por causa da postura da entidade que lhe deu um gancho de dois anos, reduzido depois na CAS (Corte Arbitral do Esporte).

A jogadora alegou que a entidade sabia de seu uso de meldonium desde o fim de 2015 e ninguém teve uma conversa em particular para informá-la que a partir de 2016 esta seria proibida, ainda que constasse em uma lista pública acessível aos atletas.

CASOS E CASOS

A ITF tem tomado algumas decisões controversas em relação à punição por doping nos últimos meses.

Desde o exame positivo de Sharapova, 20 atletas foram pegos em testes realizados em competições ou fora delas.

Em dois casos de meldonium, como o de Sharapova, a americana Varvara Lepchenko, 31, e o bielorusso Sergei Betov, 30, foram suspensos preventivamente mas depois liberados ao justificarem e provarem que haviam feito a ingestão da substância antes que passasse a ser proibida. Mas esta ainda estava nos organismos dos jogadores no começo de 2016, quando os exames foram feitos.

O brasileiro Thomaz Bellucci, 30, foi suspenso por cinco meses, até 31 de janeiro, após ser flagrado com o diurético hicrolorotiazida em exame realizado no último 18 de julho na Suécia e com pena retroativa aplicada a partir de 1º de de setembro.

Ele alegou contaminação cruzada na elaboração de suplementos multivitamínicos feitos pela farmácia Body Lab, do Rio de Janeiro.

"Há uma série de questionamentos que faço e por isso não concordo com diversos aspectos da punição, que deveria ser maior. Há agravantes importantes no caso, como consta na própria decisão da federação", disse à Folha o português Luis Horta, que foi consultor da ABCD (Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem) e é um dos principais especialistas sobre o tema no mundo.

"Uma história que não está bem contada é essa de o Bellucci mandar por conta o frasco já aberto para exames no laboratório dos EUA e só depois a ITF mandar para um laboratório credenciado pela Wada (Agência Mundial Antidoping). Aí se quebra toda a cadeia de custódia e te garanto que é muito fácil contaminar intencionalmente uma cápsula destas. É um erro grosseiro de seu advogado, que já tem muita experiência na área", disse Horta.

Ele também disse não acreditar na justificativa de Bellucci que alegou não saber detalhes de caso idêntico acontecido com o compatriota Marcelo Demoliner, que também acusou a Body Lab por contaminação cruzada e recebeu três meses de gancho.

"Eles jogaram juntos em duplas. Ele [Bellucci] nitidamente mentiu ao Tribunal, o que descredibiliza tudo aquilo que possa dizer", afirmou.

Advogado de Bellucci, Pedro Fida não respondeu mensagem enviada pela Folha.

Entre os tenistas que já foram top 50, outro que cumpre suspensão é Daniel Evans, 27. Recebeu um ano de gancho em outubro após ser pego com cocaína. A punição poderia ser de até quatro anos.

Ele alegou que deixou um pacote da droga no bolso da calça ou em saco de lavanderia que acabou contaminando medicamento que tomava de maneira legal.

MESES EM SIGILO

No tênis, assim como em outros esportes, os casos de doping muitas vezes passam meses em sigilo, e os atletas se comportam como se nada estivesse acontecendo, como foi recentemente com Thomaz Bellucci.
Ele alegava uma lesão no tendão de Aquiles para não estar jogando.

O tenista, em um acordo com a ITF, só revelou que havia testado positivo para o diurético hidroclorotiazida e recebido suspensão horas antes de a entidade tornar pública a decisão em seu site.

De acordo com o programa de doping da ITF, o caso só vem a público em três ocasiões: ao fim do julgamento; quando o atleta assina uma suspensão voluntária; ou se já for dada uma suspensão provisória logo após a contraprova.

De acordo com a ITF, a suspensão provisória só acontece se no organismo do atleta for encontrada uma substância proibida em vez de uma substância específica, ou ele utilizar algum método proibido de tratamento.

A hidroclorotizaida é não-específica.

Segundo o código da Wada (Agência Mundial Antidoping) o termo específico e não-específico serve apenas para o julgamento e não na detecção. É uma diferenciação para mostrar que uma substância pode entrar no organismo do atleta de forma "inadvertida" e permitir ao tribunal uma maior flexibilidade quando tomar a decisão.

A diferenciação não tem a ver quanto a eficácia da substância para a melhora de performance.

A Wada também explica que "não há exigência para que um caso de doping se torne público até 20 dias após a apelação final". Antes disso, o órgão diz que a divulgação é opcional desde que não fira nenhuma das outras cláusulas do código.

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