Atletas máster receberam dinheiro do Bolsa Atleta de forma irregular

Crédito: Roberto Castro/ME/Brasil2016 31 de Julho de 2016 - Rio2016 -Min. Leonardo Picciani na Cerimionia de hasteamento da bandeira na chegada da delegaçnao Brasileira na vila Olímpica. Foto: Roberto Castro/ ME/ Brasil2016 ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
O ministro do Esporte, Leonardo Picciani, na cerimônia de hasteamento da bandeira na chegada da delegação brasileira à Vila Olímpica, em 2016

DIEGO GARCIA
DE SÃO PAULO

O Ministério do Esporte pagou Bolsa Atleta a competidores idosos que disputam a categoria máster ao longo de 2016, o que não é permitido pela legislação. A informação foi confirmada à Folha pela CGU (Controladoria-Geral da União), que constatou diversas falhas no programa.

De acordo com o Ministério da Transparência, pelo menos 41 atletas com idade superior a 60 anos foram contemplados com o Bolsa Atleta durante o ano de 2016. Eles receberam, segundo o Ministério do Esporte, R$ 427 mil no período. Desses, 30 competidores, ou 73% do total, faziam parte de equipes da Confederação Brasileira de Tiro Esportivo (CBTE).

O problema não é a idade dos atletas em si, mas sim o fato de que eles teriam obtido resultados que os qualificariam para receber bolsa na categoria máster, com faixa etária entre 55 e 65 anos.

A lei nº 10.891/2004, que instituiu o Bolsa Atleta, alterada pela lei nº 12.395/2011, diz que é vedada a concessão de bolsas a atletas nas categorias máster ou similares.

O Ministério da Transparência analisou a situação dos competidores que receberam as bolsas e apontou algumas inconsistências nas justificativas apresentadas pelos órgãos responsáveis.

"A partir das análises, verifica-se que houve a contemplação com a Bolsa Atleta de atletas da categoria máster, em que pese vedação expressa na lei que institui o auxílio, bem como de atletas cujos resultados informados e considerados para a concessão do auxílio não conferem com os resultados oficiais divulgados. Essas situações decorrem de falhas na validação e na análise, pelo Ministério do Esporte, dos documentos e informações apresentados pelos atletas ao ministério para a concessão de bolsas", afirma o órgão.

A controladoria chama a atenção, inclusive, à situação de João Sinhorello, então vice-presidente da FTERJ (Federação de Tiro Esportivo do Rio de Janeiro), que não constava em lista de classificados em uma prova que o habilitaria ao recebimento da bolsa.

Ainda foram encontradas outras inconsistências entre os inscritos no programa, como competidores que receberam dois pagamentos simultâneos (o que não é permitido) e outras irregularidades.

"Constatou-se que o Ministério do Esporte não observou o pagamento mensal da Bolsa Atleta, seja atrasando ou antecipando parcelas, tendo sido identificado, também, o pagamento do valor total do benefício em período inferior a doze meses, em desconformidade com a legislação, que disciplina o pagamento do Bolsa Atleta em doze parcelas mensais, após a assinatura do termo de adesão. As situações relatadas acarretaram o acúmulo de bolsas a alguns atletas, que receberam duas bolsas em período inferior a um ano", relata o Ministério da Transparência.

O Bolsa Atleta estipulava remunerações específicas a cada categoria. Atletas olímpicos e paraolímpicos são contemplados com R$ 3.100 mensais. Esportistas que ficaram entre os três primeiros colocados em competições internacionais têm direito a pagamentos de R$ 1.850 por mês. O valor para aqueles que se destacam em competições nacionais é de R$ 925, enquanto os atletas de competições escolares e das categorias de base recebem R$ 350.

A CGU também encontrou pagamentos indevidos a dezenas de atletas. Os benefícios entregues de forma equivocada somaram R$ 323 mil entre 2013 e 2016, de acordo com a controladoria.

Em alguns desses casos, a CGU afirma que houve "ausência de padrão na adoção de medidas por parte do Ministério do Esporte no sentido de restituir os valores pagos indevidamente". O ministério diz que os pagamentos indevidos foram resultado de uma falha no sistema.

O relatório aponta que foram beneficiados com tais pagamentos acima do permitido ao menos 76 pessoas. A CGU também menciona que valores não restituídos somam R$ 89.915, referentes a desembolsos efetuados indevidamente a 20 atletas.

A auditoria do Ministério da Transparência sobre as prestações de contas do Bolsa Atleta foi realizada durante quatro meses, após os Jogos do Rio, e levou em consideração os últimos seis anos do programa. Neste período, um total de cerca de R$ 390 milhões foram investidos.

Trechos do relatório já haviam sido publicados no blog da jornalista Gabriela Moreira, da ESPN, apontando, por exemplo, que o Ministério do Esporte não acompanha a evolução dos atletas para comprovar que os índices esportivos estão sendo atingidos. A pasta respondeu que não trabalha com metas pactuadas, mas com resultados esportivos obtidos.

O Bolsa Atleta existe desde 2005 e beneficia esportistas de alto rendimento com bons resultados em sua modalidade. Na Rio-2016, 77% dos 465 atletas brasileiros eram bolsistas. Nos Jogos Paraolímpicos, 90,9% dos 286 atletas recebiam bolsa.

À Folha, a CGU afirmou que recomendou que a Secretaria Nacional de Esporte de Alto Rendimento defina rotinas a serem utilizadas para a verificação de cada um dos requisitos previstos na lei que institui o benefício, e ainda inclua em editais de futuras seleções do Bolsa Atleta uma previsão de sanções aos atletas e às confederações que apresentarem, no processo de concessão do incentivo, informações erradas.

Não é a primeira vez que o Bolsa Atleta é alvo de denúncias do tipo. Em agosto de 2017, o Ministério Público Federal do Distrito Federal e a Polícia Federal deflagraram a Operação Havana para reunir provas de lavagem de dinheiro na condução do programa. A suspeita é de que R$ 850 mil tenham sido desviados no ano da Olimpíada de Londres, em 2012. 

Na ocasião, a fraude foi descoberta também por consequência de uma demanda da CGU, segundo o procurador da República Ivan Cláudio Marx.

A controladoria havia encontrado no sistema do Bolsa Atleta 25 atletas "fantasmas" - pessoas que recebiam o auxílio mesmo sem serem cadastrados no programa. De acordo com o MPF-DF, as investigações constataram que os valores referentes a esses supostos beneficiados foram depositados em seis contas, sendo uma delas de um coordenador do Bolsa Atleta.

OUTRO LADO

O Ministério do Esporte afirmou que pediu explicações à confederação de tiro, que confirmou a vinculação de apenas dois dos seus 30 atletas maiores de 60 anos à categoria máster. Segundo o órgão, as bolsas desses esportistas foram canceladas e foi gerada guia de recolhimento para a devolução das parcelas pagas.

A confederação informou que os atletas haviam sido indicados por terem participado da formação de equipes da categoria principal.

O ministério nega que atletas tenham recebido pagamentos duplicados, como apontou a CGU. De acordo com o órgão, os valores pagos a mais eram referentes a benefícios de anos anteriores que estavam atrasados.

Tanto o ministério quanto a confederação lembraram que a modalidade é praticada por atletas com idade mais avançada em relação a outros esportes.

João Sinhorello contestou a análise da CGU. Ele diz que o resultado que o habilitou a receber a bolsa não foi obtido na competição apontada pelo órgão. "Não existe nada errado", afirmou.

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