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22/12/2010 - 07h12

Reforma de estádios da Copa desaloja comerciantes e reforça temor de desapropriação

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BERNARDO ITRI
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE E CURITIBA
EDUARDO OHATA
ENVIADO ESPECIAL A RIO DE JANEIRO, BELO HORIZONTE E SALVADOR
MARIANA BASTOS
ENVIADA ESPECIAL A FORTALEZA, NATAL E RECIFE
RODRIGO MATTOS
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA, CUIABÁ E MANAUS

Eles vinham de várias regiões de Belo Horizonte. Alguns até da região metropolitana. Quando se encontravam, conversavam sobre família, rotina e, claro, futebol.

Afinal, passavam a maior parte de sua vida em frente ao principal estádio do futebol do Estado, o Mineirão.

Acompanhavam os jogos por radinhos de pilha. Estavam ali para montar barracas, onde vendiam de refrigerantes ao churrasco de pernil, especialidade de "seu" José Martins dos Santos, comerciante do Mineirão desde a inauguração do estádio.

Daniel Marenco - 01.dez.2010/Folhapress
Garoto em laje no morro Santa Teresa em Porto Alegre
Garoto em laje no morro Santa Teresa em Porto Alegre

Após a interdição da arena para a obra da Copa, os barraqueiros foram despejados.

"Tememos que a venda [de produtos] seja colocada nas mãos de outras pessoas quando o estádio voltar", afirma Hernani Francisco Pereira, 47, representante da Associação dos Barraqueiros da Área Externa do Mineirão.

Mas esse é o cenário mais provável quando o Mineirão reabrir, já sob a administração do consórcio que reforma a arena e que ganhou o direito de administrar o estádio.

"Os torcedores não gostam de comprar em shoppings ou em lojas", diz Pereira, em tom de desdém.

Pela sua conta, a associação representa ao menos 300 famílias. São 250 associados, 150 deles efetivos. Ele calcula que em cada uma das barracas trabalha o associado e mais uma ou duas pessoas.

"Queremos seguir com as barracas próximas ao estádio. Esse grupo [consórcio] tem que oferecer algo, tem que entender a questão social", declara Pereira.

Os ambulantes agora se concentram em eventos na cidade ou no interior, como festas religiosas. Mas nada que se compare ao Mineirão.

"Me sinto como o pescador na época da piracema."

As diferentes esferas de governo viraram alvo da ira dos barraqueiros. Eles cobram intervenção do poder municipal, estadual ou federal, por meio do Ministério do Desenvolvimento Social.

Um centro de referência, criado pelo Estado e localizado no Mineirão, virou fórum para a discussão do tema.

Está prevista no condicionante ambiental da licitação realizada para o Mineirão a capacitação profissional. Entre as iniciativas cobradas no documento, está o encaminhamento de relatórios periódicos sobre as ações de articulação para a inclusão dos comerciantes em programa de formação e capacitação para o comércio formal. Já foi feita uma lista de pessoas e órgãos que podem ajudar.

DESAPROPRIAÇÃO

As desapropriações são outra fonte de trauma para a população das sedes que receberão o Mundial de 2014.

Em Porto Alegre, por conta das obras de mobilidade urbana, várias famílias serão obrigadas a se mudar.

O secretário extraordinário da Copa de 2014, Ricardo Gothe, estima que a cidade precisará realizar cerca de 4.000 desapropriações, como as da vila Grande Cruzeiro, que causam polêmica.

Moradores do bairro, que fica na avenida Tronco, uma das principais vias que ligam a região ao estádio do Beira-Rio, condenaram a medida.

"Nossos moradores querem ficar aqui na comunidade, onde construímos tudo o que temos. Não queremos trancar o progresso, mas não podemos aceitar tudo", diz Beatriz Souza, 48, presidente da associação de moradores.

Em Fortaleza, intervenções que devem desafogar o trânsito em torno do estádio do Castelão são as que mais preocupam os moradores da favela do Lagamar, uma das maiores da capital cearense.

Embora não haja ainda números oficiais em relação à quantidade de casas que serão desapropriadas, estima-se que 4.000 famílias do Lagamar serão removidas.

Um dos trechos mais críticos é o cruzamento das avenidas Murilo Borges e Raul Barbosa, famoso pelo elevado número de assaltos e homicídios. O cruzamento é bem próximo à comunidade e está a 5 km do Castelão.

"Trabalhamos em cima da não remoção", diz Auxiliadora Araripe, da Qualifica, ONG que atua no Lagamar.

"Mas a gente sabe que isso é um sonho quase irrealizável. Toda reunião tem choro porque todo mundo sabe que desapropriação em megaeventos esportivos é injusta."

No início do ano, a favela, situada em área valorizada, virou Zona Especial de Interesse Social e não poderá sofrer mudanças urbanísticas profundas sem que um comitê gestor, formado por integrantes da prefeitura e da comunidade, seja consultado.

A eleição para o comitê gestor só ocorrerá em fevereiro. Segundo Auxiliadora, as obras não podem avançar enquanto não houver a formação oficial desse comitê.

Esse tipo de processo, participativo, não é regra. A população de Curitiba, por exemplo, ainda não está a par, mas também sofrerá desapropriação. "Não são muitas. Na cidade inteira, devemos gastar entre R$ 5 milhões e R$ 6 milhões", diz o gestor da Copa em Curitiba, Luiz de Carvalho.

A reportagem da Folha perguntou a cinco moradores do entorno do estádio sobre desapropriações. Eles disseram não saber de nada.

CONTRAPARTIDA

Até mesmo instalações esportivas estão no caminho das obras para o Mundial.

Em Natal, as intervenções previstas nas vias de acesso próximas ao estádio podem comprometer o kartódromo Governador Geraldo Melo, única pista do Estado. Há previsão de obras no cruzamento da avenida Capitão Mor Gouveia com a Prudente de Morais, ao lado do local.

"Seria um desperdício se tirassem a pista do centro da cidade, pois o kartódromo de Natal é o mais bem estruturado do Nordeste", afirma Francisco Sesimar Correia, presidente da Federação Potiguar de Automobilismo.

Mas ele se mostra otimista. Diz que uma intervenção pode levar à ampliação da pista, hoje com 1.200 m.

"Há um grande espaço atrás do kartódromo. Podemos ceder um espaço [próximo de onde haverá a obra] para ganhar atrás e ampliar a pista", afirma o dirigente.

O potencial para transtornos, entretanto, vai além das imediações dos estádios.

Atrelado às obras na Arena Pernambuco, o governo prevê remanejar em 2011 uma tubulação de cerca de 2.000 metros que corta o terreno.

O objetivo é enterrar o duto. A tubulação é a principal adutora do sistema Tapacurá, responsável pelo abastecimento de água de 60% do Recife e 30% da região metropolitana. Em maio, a capital sofreu com problemas de abastecimento de água justamente por ter havido um estouro na mesma adutora.

Porém a arena deverá trazer benefícios para a população de São Lourenço da Mata, cidade da região metropolitana que convive com violência e desemprego --segundo o IBGE, a taxa na região metropolitana de Recife em novembro foi de 8,4%.

A Odebrecht, construtora da arena, lançará em parceria com a prefeitura e com o Senai um programa de capacitação de mão de obra nos primeiros meses de 2011.

A empreiteira calcula que, na fase mais movimentada da obra, empregará cerca de 1.500 trabalhadores.

A procura por emprego na construção, em fase de terraplanagem, é intensa. Quando a Folha visitou o local, cartazes da Odebrecht informavam: "Não há vagas" e "Não estamos recrutando".

Das 110 pessoas que trabalham hoje na obra, 45% são moradoras de São Lourenço da Mata. As demais são de Recife, Olinda e Camaragibe.

 

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