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Psicóloga conta detalhes de trabalho com Felipão ao 'NYT'

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Brian Snyder-9.set.2013/Reuters
Felipão conversa com jogadores em treino nos EUA
Felipão conversa com jogadores em treino nos EUA

Embora todas as 32 seleções classificadas para a Copa do Mundo estejam aguardando ansiosamente o sorteio que acontece na sexta-feira para determinar a composição dos grupos do torneio a ser disputado no ano que vem, em nenhum outro lugar a pressão é maior do que no Brasil.

As carreiras dos jogadores, equipe técnica e dirigentes da seleção brasileira dependem da vitória da equipe no torneio. As preocupações quanto ao custo astronômico de sediar a Copa do Mundo podem ser atenuadas, ao menos temporariamente, pela conquista do título. Até a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, tem interesse na vitória - os analistas políticos acreditam que, caso o Brasil vença, ela poderá se reeleger com facilidade.

É um grande fardo a carregar, e o técnico da seleção brasileira, Luiz Felipe Scolari, um homem grandalhão e afável conhecido como Felipão, ocupa posição central no processo. Até agora, ao menos, suas avantajadas mãos parecem estar arcando bem com a pressão.

"Somos os anfitriões", ele diz, "e isso significa que o mínimo que temos de fazer - o mínimo - é ganhar".

Luiz Carlos Murauskas - 19.mai.06/Folhapress
A psicóloga Regina Brandão, em seu escritório, em 2006
A psicóloga Regina Brandão, em seu escritório, em 2006

Para ajudá-lo a manter o equilíbrio nesse percurso arriscado, ele conta com a ajuda de uma arma surpreendente: uma psicoterapeuta. Regina Brandão, professora da Universidade São Judas Tadeu, em São Paulo, é parte da equipe técnica de Scolari desde o final dos anos 90. Mesmo que não seja especialista em estratégia de futebol, avaliou todos os jogadores selecionáveis a fim de ajudar Scolari a escolher um grupo de entre 40 a 50 dos mais talentosos futebolistas do mundo, dentre os quais ele e o Brasil esperam formar uma equipe imbatível de 23 atletas.

"Meu papel é traçar um perfil psicológico de cada um dos jogadores", disse Brandão, em rara entrevista. "É ajudar Scolari com o individual e o coletivo. É compreender de que forma cada jogador se sente e como isso afeta a maneira pela qual ele joga".

Jürgen Klinsmann usou os serviços de um psicólogo esportivo para preparar a seleção alemã antes da Copa de 2006, realizada na Alemanha. E ainda que isso possa contrariar os instintos de alguns técnicos, que gostam de projetar sua atitude vencedora no time e antecipam, ou ao menos esperam, que os jogadores reajam a ela, Scolari se esforça conscientemente para ser um camaleão. Brandão é a pessoa que o ajuda a decidir que cor adotar para cada equipe e cada jogador específico.

Para tanto, Brandão fez com que os jogadores de Scolari respondessem a uma série de questionários. Uma cópia de um deles foi exibida ao "New York Times", e a amplitude das perguntas é considerável. Os jogadores foram convidados a classificar, em uma escala numérica, a forma pela qual determinados eventos os afetam, em sua avaliação. A escala numérica é acompanhada por imagens de rostos sorridentes, para os números associados a reações positivas, ou caretas, para as negativas.

Algumas das perguntas parecem bem básicas - por exemplo, como um jogador se sente ao marcar um gol contra. A chave, de acordo com Brandão, está não só no grau de reação de cada jogador mas nas comparações que o método permite com outros jogadores. Como parte de seu trabalho com Scolari, Brandão compilou dados de jogadores das seleções nacionais da Arábia Saudita e de Portugal - dois dos mais de 20 times que Scolari treinou em suas mais de três décadas como técnico. Comparar os dados dos jogadores, diz Brandão, permite que Scolari utilize sua experiência para formular um plano de trabalho com seu atual elenco.

Os números podem ser especialmente esclarecedores, em certos casos. Por exemplo, a análise de Brandão indica que os jogadores brasileiros e portugueses, que têm um idioma comum e muitas vezes são considerados culturalmente semelhantes, reagem de maneira oposta à maioria das situações. Os jogadores portugueses em geral são mais neutros em suas emoções, diz Brandão, e encontram motivação positiva em acontecimentos que os brasileiros em geral veem como claramente negativos, por exemplo receber um cartão amarelo.

Os brasileiros, de seu lado, são mais extremos em suas emoções e mais propensos a distrações relacionadas a questões externas. Por exemplo, a análise de Brandão constatou que Scolari precisava ser mais sensível com relação a jogadores no final de contratos com seus clubes; eles podem estar preocupados com seu futuro profissional.

Os dados de Brandão também oferecem orientação quanto a assuntos mais concretos. Enquanto alguns técnicos - entre os quais Klinsmann, hoje treinador da seleção dos Estados Unidos - gostam de manter segredo sobre a escalação de suas equipes até perto da hora do jogo, a fim de manter a motivação dos jogadores, Brandão aconselhou Scolari a ser franco com sua equipe sobre quem seriam os titulares. Os estudos realizados por ela mostram que os jogadores brasileiros se sentem mais confortáveis caso sejam informados com antecedência sobre sua situação.

"Os jogadores brasileiros muitas vezes têm percepção diferente da de outros jogadores quanto a situações semelhantes", ela diz. "É uma questão verdadeiramente cultural, a forma pela qual se comportam, e as diferenças entre seu comportamento e o de jogadores de outros países. Eles são muito mais intensos que os jogadores de outros países, para o bem e para o mal. Administrar as emoções é essencial para Scolari". Brandão conversa individualmente com os jogadores, periodicamente, e depois aconselha Scolari sobre as decisões mais importantes.

Quando ele treinava a seleção de Portugal em 2004, ano em que o país sediou a Eurocopa, a análise de Brandão sobre as qualidades de liderança dos jogadores levou Scolari a selecionar o veterano atacante Nuno Gomes como capitão, com Cristiano Ronaldo - o melhor jogador da equipe - como vice.

No caso do Brasil, a avaliação de Brandão sobre o estado emocional dos jogadores ajuda Scolari a dar forma a sua mensagem para o time, cujos integrantes estão espalhados por clubes de todo o mundo e se reúnem apenas esporadicamente para treinos e jogos da seleção. A parceria entre eles produziu sucessos: Scolari comandou o Brasil na conquista da Copa do Mundo de 2002.

Jerry Lampen - 04.jul.2004/Reuters
Luiz Felipe Scolari consola o atacante Cristiano Ronaldo na Eurocopa-2004
Scolari consola o atacante Cristiano Ronaldo na Euro-2004

"Nossos jogadores são muito habilidosos, estão entre os mais habilidosos do mundo", diz Scolari. "Mas o que realmente importa é que tipo de pessoa eles são. Alguns são melancólicos, outros são mais agressivos. Essa é a parte científica. É a maneira pela qual vencemos".

É por isso que Scolari consulta Brandão continuamente. É por isso que ele está tão preocupado com o sorteio desta semana, que determinará os três primeiros oponentes do Brasil. É por isso que ele escreveu uma carta aos seus jogadores em junho, implorando que tratassem a Copa das Confederações - torneio que pouca gente recordará - como algo sagrado.

Ele a redigiu em uma suíte de hotel do Rio de Janeiro, na noite anterior à final, escrevendo com paixão e enchendo duas páginas com uma coleção de frases de motivação ("VOCÊS são as pessoas especiais") e floridas exortações ("o sorriso do sol, com seus raios de esperança, está lá para dizer: vão e realizem sua jornada".)

Scolari incluiu citações de Martin Luther King e Walt Disney. Depois, passou uma cópia da carta por baixo da porta de cada jogador. Os atletas que a receberam, horas antes de entrarem em campo para enfrentar a Espanha na final da Copa das Confederações, um torneio preparatório para a Copa do Mundo, imediatamente compreenderam seu propósito.

"Tudo que fazemos, cada jogo que jogamos, faz com que o país se alegre ou se deprime", diz o atacante Fred. Ele dá de ombros. "O Felipão", ele diz, usando o apelido de Scolari, "nos ajuda a lidar com o sentimento de que pessoas morrerão caso não ganhemos".

Fred estava exagerando, ostensivamente, mas não há como negar que o estado de espírito do Brasil está inextricavelmente ligado ao desempenho de sua seleção de futebol. Entre os assuntos comuns de conversa há ocasionalmente desejos conflitantes quanto ao estilo de jogo que a seleção deve assumir. A discussão é a seguinte: importa mais vencer ou jogar bonito?

Para Scolari, não há o que debater. Ele faz uma careta quando a questão surge, como se estivesse cansado dela há tempos.

"Sou criticado no Brasil por dizer o que penso, mas acredito que se você não puder jogar bonito e vencer, tem de jogar de outro jeito", diz. "É preciso jogar feio. Para mim, jogar bonito e vencer é excelente, mas jogar bonito e perder é horrível. E quem disser o contrário é idiota".

Ele toma um gole de água e pisca para o assistente.

"Se pudermos, vamos jogar bonito e vencer", ele disse. "Se não, vamos só vencer".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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