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Aprendi que talvez fosse possível morrer de prazer, diz Ruy Castro sobre Copa de 1958

William Mur/Editoria de Arte/Folhapress
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Aos olhos de hoje, é como se a Copa do Mundo de 1958, disputada na Suécia –a primeira que o Brasil venceu– tivesse sido jogada em segredo. Afinal, como assisti-la se a TV praticamente não existia?

Na época, mesmo nos EUA, a televisão se limitava a três ou quatro canais por cidade. Na Europa, era pior ainda: só existia um canal –ainda por cima, estatal– por país. E nenhum deles chegava até nós, porque não havia o satélite. A URSS acabara de lançar o Sputnik, primeiro satélite da história, mas a ideia de usá-lo para transmitir futebol era tão absurda quanto imaginar um romance entre Marilyn Monroe e o premiê Kruschov.

O videoteipe também já fora inventado, mas não era de uso corrente, e os jogos continuavam a ser filmados com película, o que envolvia laboratório, revelação, copiagem. Era quase proibitivo filmar uma partida inteira. E, ainda que se fizesse isso, só se usavam duas ou três câmaras. O filme era mandado de avião para o país interessado –o que, no nosso caso, dependia da cortesia dos comandantes da Varig ou da Panair–, para ser exibido no cinema ou na TV.

Poucas famílias tinham televisão –o que não lhes faltava eram televizinhos. E a transmissão era horrível –para melhorá-la, aplicava-se um chumaço de Bombril à antena sobre os aparelhos de, no máximo, 21 polegadas.

Johan Visbeek-13.out.13/Divulgação
O escritor Ruy Castro em mesa sobre biografia na Feira de Frankfurt
O escritor Ruy Castro em mesa sobre biografia na Feira de Frankfurt

Pois, com toda essa precariedade –acredite ou não–, cada brasileiro de 1958 acompanhou aquela Copa como se estivesse na Suécia, à beira dos gramados onde Didi, Garrincha, Pelé e seus companheiros seriam campeões do mundo. E como fizemos isso?

Pelo rádio. Todas as grandes estações mandaram seus homens para a Suécia e a todo momento eles transmitiam boletins sobre a seleção. Waldir Amaral, Jorge Curi, Oduvaldo Cozzi, Luiz Mendes, Edson Leite, Fiori Gigliotti, Pedro Luiz, Geraldo José de Almeida e outros faziam transmissões inesquecíveis.

Pelos jornais. Os matutinos tinham de esperar até o dia seguinte, mas os vespertinos, como "O Globo" e a "Última Hora", tiravam edições logo ao fim da partida e traziam uma descrição minuto a minuto do jogo –como a internet hoje. As radiofotos eram atrozes e mal se identificava alguém na imagem, mas as legendas diziam o que precisávamos saber, e nossa imaginação fazia o resto.

Pelas revistas. "Manchete Esportiva" saía às segundas-feiras –o rádio ainda estava quente do jogo–, com os grandes textos de Ney Bianchi, fotos idem de Jader Neves, seus enviados especiais, e crônicas de Nelson Rodrigues. Era imperdível.

Pelo cinema. Três ou quatro dias depois da partida, o filme com trechos do jogo chegava ao Brasil e passava nos cinemas. Ainda não havia o "Canal 100", mas o ótimo "Esporte na Tela".
Na tela de 16 m x 22 m, os jogadores correndo em campo ao som de "Boogie Blues", com Ray Anthony e sua orquestra, ficavam maiores do que a vida.

E pelas ruas. À medida que atropelamos a Áustria (3x0), encaramos como gente grande a Inglaterra (0x0) e massacramos a URSS (2x0), o Brasil foi se apaixonando pela seleção. As vitórias seguintes (1x0, contra o País de Gales, 5x2, contra a França, e o consagrador 5x2 final contra a Suécia) culminaram um orgasmo de semanas, amplificado pelos alto-falantes que transmitiam os jogos em todas as praças do país, os muitos gritos de gol, as chuvas de papel picado, o Carnaval em junho.

Eu vivi tudo isso, ninguém me contou. Aos 10 anos em 1958, em casa, atracado ao rádio, aos jornais e às revistas, e, nas ruas, em meio à euforia nacional, aquela Copa me ensinou que, sim, talvez fosse possível morrer de prazer.

Ruy Castro é colunista da Folha

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