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Nunca assisti a uma Copa, mas sempre disputei, diz Gentile

editoria de Arte/Folhapress
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A Copa de 1982, na Espanha, foi a primeira que disputei. Nunca assisti a uma Copa, nem torci.

Sempre disputei, acordando mais cedo para me concentrar, analisando detalhadamente os adversários, gritando com a defesa para acertar o posicionamento da equipe, brigando com o juiz, interceptando os cruzamentos dos adversários, trocando passes e chutando em gol sempre que surgia uma oportunidade.

A única exceção foi na Copa de 1994, na campanha do tetra nos Estados Unidos, que não disputei por estar inconformado com o técnico Carlos Alberto Parreira, que não convocara o centroavante Evair, o "matador", com quem formei a minha melhor dupla de ataque e até hoje grito seu nome quando consigo fazer um golzinho nas peladas de sábado na Aclimação.

Naquele Mundial, fui apenas um torcedor.

Em 1982, eu tinha nove anos, já era obcecado por bola e comecei a sonhar com o título quando um primo sentou comigo no sofá para fazer os prognósticos dos jogos, partida por partida, até a grande final.

Na nossa imaginação, o Brasil seria campeão, com facilidade, goleando a Itália ou a Argentina, não me recordo muito bem, na última partida. E não era para menos. Aquela seleção tinha Júnior, Falcão, Éder, Sócrates, Zico e, evidentemente, eu. Não havia como perder.

Mas perdeu, claro, suplantada pela Itália, num jogo que até hoje me deixa com um enorme sentimento de culpa.

Tenho certeza no meu íntimo de que não fomos derrotados por conta daquele passe errado de Toninho Cerezo, tampouco perdemos porque o italiano Paolo Rossi marcou três vezes.

O Brasil não ganhou a Copa simplesmente porque eu, Rogério da Rocha Gentile, falhei completamente.

Quem acompanha futebol de perto sabe o quanto pequenos detalhes e algumas superstições influenciam o resultado de uma partida.

Procuro, por exemplo, sempre me posicionar à esquerda do meu irmão, Fábio, companheiro de Palestra Itália, nas partidas do Palmeiras. Se eu me esqueço de fazer isso, é batata que perdemos o jogo.

Também não compro sorvete de limão em partidas contra o São Paulo porque sei que isso dá um tremendo azar, assim como não tomo picolé de chocolate, meu preferido, quando o adversário é o Corinthians.

Minha mulher diz que tudo isso é uma grande bobagem, ri da minha cara, mas obviamente prefiro não arriscar. Não quero me sentir novamente responsável por uma derrota.

Na Copa de 1982, naquele fatídico 5 de julho, houve um fator que atrapalhou a minha concentração.

Minha família resolveu mudar de casa. Saímos de um apartamento pequeno no bairro de Sumaré, em São Paulo, para morar numa deliciosa residência em Serra Negra, no interior do Estado, em cujo quintal Platini, Roger Milla, Rummenigge, Boniek e tantos outros craques brilhamos em clássicos inesquecíveis.

Mas aquele, definitivamente, não era dia para ninguém mudar de casa. Nada poderia ter afetado a minha rotina. O fato é que não consegui encontrar um canto da sorte na sala nova, não me adaptei ao tapete, fiquei meio perdido na hora de entrar em campo.

Para piorar, quando o locutor Luciano do Valle anunciou a escalação da Itália, sofri um baque tremendo. Do lado de lá, com a camisa azul, havia um tal de... Gentile. Como assim, Gentile? Seria um parente desconhecido? Um primo? Como poderia haver alguém com o meu sobrenome, um traidor certamente, jogando contra o Brasil?

Aquilo terminou por me desestabilizar. Não consegui driblá-lo, tirei o pé nas divididas, errei todos os passes e não chutei uma bola sequer na direção do gol. Enfim, perdemos e a culpa é toda minha, admito.
Trinta e dois anos depois, ao menos, consigo finalmente falar sobre isso. Brasil, foi mal, perdão.

Rogério Gentile é Secretário de Redação da Folha. Foi editor da coluna 'Painel', em 'Poder', e do caderno 'Cotidiano'

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