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O espanhol: "Quando a Espanha deixou o medo para trás"

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Há 64 anos, a seleção espanhola chegou ao Brasil para jogar a Copa de 1950 ainda carregando as marcas da guerra civil. Haviam se passado 11 anos desde que as armas se calaram na Espanha, deixando mais de um milhão de mortos e uma ditadura que se prolongaria até 1975. Tudo na Espanha havia desabado, e o futebol não foi exceção.

Antes da guerra, a seleção espanhola havia levado às cordas a Itália de Mussolini, no Mundial de 1934. O escândalo foi tamanho que ainda hoje, na Itália mesmo, se diz que é melhor não saber o que aconteceu para eliminar a equipe do "Divino" Zamora, o primeiro goleiro lendário do futebol espanhol.

A Espanha ressurgiu no futebol mundial em 1950. Sua primeira partida aconteceu em Curitiba, a cidade agora escolhida como sede espanhola na Copa de 2014. A Espanha saiu do Brasil como quarta colocada e sem imaginar que passaria por um túnel escuro que duraria 60 anos em sua história na Copa, até o gol de Puyol na semifinal contra a Alemanha e o céu que atingimos no minuto mais famoso da história espanhola, o 11º do segundo tempo da prorrogação, quando aconteceu o gol de Iniesta na final de 2010.

Pelo caminho, aconteceu de tudo. Fracassos injustificáveis como o do mundial jogado em casa, em 1982, ou a eliminação na primeira rodada em 1962, com jogadores do porte de Di Stéfano e Luis Suárez; escândalos semelhantes ao de 1934, como o acontecido em 2002 em solo coreano; a desculpa de má sorte nos pênaltis em 1986; ou atuações calamitosas como na Inglaterra, em 1966; na Argentina, em 1978; e na França, em 1998. Aconteceu de tudo.

Mas chegou um dia em que a história da Espanha mudou, em que a derrota deixou La Roja de lado e no qual uma frase de Zidane ganharia vida: "No dia em que a Espanha começar a vencer, não vai mais parar", disse o astro francês quando lhe perguntaram o que se passava com os espanhóis, quase sempre favoritos mas jamais capazes de confirmar essa condição.

Luis Aragonés, morto em fevereiro deste ano, foi o homem que mudou o rosto da Espanha e que fez desaparecer a palavra medo do vestiário. Luis, que teve de lutar conta todos quando a Espanha caiu nas oitavas de final em 2006, e meses depois tirou Raúl da seleção, para sempre, decidiu jogar com os jovens, convocando Xavi, Iniesta, Cesc, Silva...

Convencido de que a diferença física com relação a outras seleções era imensa, Luis compreendeu que a oportunidade da Espanha estaria na bola, na qualidade.

Era uma aposta arriscada, mas a Espanha estava em uma situação na qual era necessário um salto no vazio. O período entre 2006 e 2008 foi duríssimo para a seleção espanhola. As bases estavam sendo montadas, mas havia recaídas e dúvidas, sombras e ameaças. Antes de viajar para a Eurocopa de 2008, a Espanha venceu os Estados Unidos por um a zero em Santander. A equipe se despediu da torcida sob vaias consideráveis. Menos de um mês mais tarde, as mesmas pessoas saíam às ruas para celebrar que a Espanha havia deixado para trás 44 anos de fracassos, desde a Eurocopa conquistada em Madri em 1964.

O jogo espanhol foi crescendo em companhia de uma mudança psicológica de grande magnitude. O grande mérito de Luis não foi fazer com que a Espanha jogasse bem e bonito.

Não, foi fazer com os jogadores perdessem o medo, que entendessem que eram iguais ou melhores que os rivais a quem sempre haviam encarado com respeito excessivo, porque a história dizia que sua camisa pesava mais que a espanhola.

Tudo isso poderia ter sido destruído na disputa de pênaltis contra a Itália nas quartas de final daquela Eurocopa. Mas foi naquele dia, 22 de junho de 2008, que a história mudou. A Itália era o rival contra o qual sempre acontecia alguma coisa, contra o qual a seleção espanhola nunca havia vencido uma partida oficial, o fantasma de 1934 e de 1994. O pênalti convertido por Cesc e as duas defesas de Casillas levariam a Espanha a abandonar de vez todos os seus medos e complexos.

Luis deixou o comando da seleção depois de conquistar a Eurocopa e de mudar a história, e chegou Del Bosque. Ninguém precisou lhe dizer coisa alguma. Sabia que o caminho estava marcado, que a ideia era boa, que o grupo acreditava naquilo que fazia. Manteve quase tudo, mas pouco a pouco foi acrescentando coisas para melhorar a Espanha campeã de 2008. Da equipe campeã em Viena restam Casillas, Albiol, Iniesta, Villa, Xavi, Torres, Cesc, Xabi Alonso, Sergio Ramos, Cazorla, Silva e Reina. Isso corresponde a 52,7% do time, mais da metade. É um número notável, que revela continuidade, mas com o tempo chegaram outros jogadores de peso na Espanha atual (Piqué, Busquets, Pedro, Jordi Alba, Mata e Juanfran), e outros que o terão no futuro (Azpilicueta, Koke, Diego Costa, Javi Martínez e De Gea).

Foi uma mudança tranquila, ligada ao sucesso. A Espanha descobriu que o sabor do sucesso cria um vício, e não há melhor resposta do que essa àqueles que creem que La Roja chegará ao mundial enfastiada de ganhar, adormecida pelo sucesso. Vencerá ou não, e pode ser que fracasse, mas aquilo que pode vir a acontecer não será explicado por falta de entusiasmo. Os jogadores passaram tempo demais se perguntando como seria ganhar e, agora que conhecem o caminho, que encontraram a fórmula, não vão se afastar dele. Ainda mais quando a Copa será disputada no país do futebol, no qual as pessoas cresceram aprendendo as lendas de jogadores únicos na história, e em um estádio mágico como o Maracanã.

Para além de todas essas motivações, entre as quais se destaca o revés sofrido na Copa das Confederações, em cuja final o Brasil arrasou a campeã do mundo, há jogadores da Espanha que estão iniciando uma Copa na qual podem deixar seu nome gravado para sempre na história da competição. Há 16 jogadores que aspiram realizar aquilo que apenas a Itália (1930 e 1934) e o Brasil (1958 e 1962) realizaram: vencer duas Copas consecutivas.

Entre os 23 espanhóis, há um para o qual o mundial do Brasil pode trazer uma coleção de recordes: Iker Casillas. O melhor goleiro da história espanhola, o herdeiro de Zamora, chega para a Copa do Mundo depois de duas temporadas turbulentas. Na passada, perdeu o posto de titular do Real Madrid na guerra que José Mourinho travou contra o arqueiro até então intocável. Na atual, Carlo Ancelotti decidiu que ele disputaria apenas as partidas da Copa da Espanha e da Champions League. Por coincidência ou não, foram os dois títulos conquistados pelo Real Madrid na temporada.

Iker é o rosto dessa mudança espanhola, dessa metamorfose sofrida em quatro anos, da transição do medo de ganhar ao saber vencer. Aquele menino que se tornou titular da Espanha em 2002 depois de uma temporada em que muitas vezes se viu no banco é coisa do passado. Já se passaram 12 anos, e sua quarta Copa o vê chegar depois de passar boa parte da temporada de novo no banco. A partir da sexta-feira (13/6), abrem-se para Iker as portas de marcas desconhecidas desde o 13 de julho de 1930, em Montevidéu, quando França e México disputaram a partida inaugural da história das Copas, com Thepot e Bonfiglio como os primeiros goleiros.

Ele saiu da África do Sul com 433 minutos sem sofrer gols, desde que o chileno Rodrigo Millar marcou aos dois minutos do segundo tempo na partida entre sua equipe e a Espanha em Pretória. Isso o coloca a apenas 84 minutos do recorde histórico de Walter Zenga, que, defendendo a Itália em 1990, passou 517 minutos sem sofrer gol: a primeira fase inteira, as oitavas, quartas e até os 67 minutos da semifinal, quando foi batido por Caniggia. Se Iker resistir à Holanda por 85 minutos, o recorde passará a caber ao capitão espanhol.

Quanto ao recorde de goleiro menos vazado, Iker tem outra opção nesta Copa. Desde que jogou sua primeira partida, em 2002, ele disputou sete jogos sem sofrer gols: contra a Irlanda, na Coreia do Sul, contra a Ucrânia e Honduras em 2006, e contra Portugal, Paraguai, Alemanha e Holanda quatro anos atrás. Nas 19 copas anteriores, o inglês Shilton (1982-1990) e o francês Barthez (1998-2006) são os arqueiros que mais acumularam partidas sem gols sofridos: 10. Além disso, Iker pode ser o primeiro capitão a erguer duas vezes a Copa do Mundo e o primeiro goleiro a ganhar duas vezes a Luva de Ouro, e está a apenas três partidas das 18 que Maier disputou em copas. Atrás do alemão, no ranking dos goleiros, aparecem Shilton (Inglaterra); Zoff (Itália); e Barthez (França), com 17. Casillas já tem 15 jogos, e diante da Holanda se igualará a Zubizarreta em número de partidas de Copa pela Espanha, e, se tudo correr bem, pode deixar para trás a marca do goleiro alemão, campeão do mundo em 1974 em Munique.

De recorde a recorde, Iker foi deixando marcas na história da Espanha. Em 2002, defendeu um pênalti contra a Irlanda em uma partida de oitavas, e em 2010 defendeu um pênalti cobrado pelo paraguaio Cardozo nas quartas de final quando o jogo estava zero a zero. Se ele defender um pênalti no Brasil, será o primeiro goleiro a pegar três pênaltis em partidas de Copa do Mundo (excluídas as decisões por pênaltis). No momento, ele já é o único goleiro a ter defendido dois pênaltis em edições diferentes da Copa. Antes, o polonês Tomaszewski (Alemanha-1974) e o norte-americano Friedle (Ásia-2002) defenderam dois pênaltis em uma mesma Copa.

A Espanha saiu da África do Sul sem sofrer um gol nos mata-matas e sofrendo apenas dois no total. Só existem dois precedentes, e ambos se tornaram campeões do mundo: Barthez em 1998 e Buffon em 2006.

Para além dos recordes pessoais e das marcas na história do esporte e de sua seleção, o olhar vencedor de Iker (recordista mundial de vitórias, com 113) não se desvia de um único lugar: o palco do Maracanã em 13 de julho, para erguer a Copa do Mundo e escrever com a Espanha a história de um novo impossível.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Editoria de Arte/Folhapress
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