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Em Teresópolis, torcedores buscam um lugar no espetáculo da Copa

Carlos Cecconello/Folhapress
O pedreiro Antônio Andrade dos Santos foi até a Granja Comary na tentativa de encontrar Daniel Alves
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Cada portão para impedir o acesso do povo à Granja Comary é mais difícil de passar do que o outro. Na entrada principal, são cinco barreiras. Seis, se contar a da imprensa, que fica na lateral, e só permite assistir ao treino. Apenas uma minoria muito persistente vence a primeira. Ou amigos de moradores do condomínio de classe média alta. O pedreiro Antonio dos Santos Junior, 26, pertence à minoria muito persistente. Ele levou dez dias para conseguir passar pelas duas primeiras barreiras. Conseguiu graças a uma moradora penalizada, que não suportava mais vê-lo ali, com um chapéu de pontas verde-amarelo na cabeça. Colocou-o dentro do carro. Dali em diante, Antonio estava por sua própria conta. E os porteiros mais avançados são implacáveis. Antonio e outro torcedor, este vestido de anjo, tentaram desesperadamente passar pelos seguranças que guardam a terceira barreira. Nada. Tiveram de retroceder. Voltar duas barreiras atrás é mais que tragédia, é o limbo.

Não é fácil ser porteiro na Granja Comary. Às vezes, eles parecem à beira de um ataque de nervos. Numa tarde, um deles teve de lidar com o bufão e também com o anjo, que era enorme e bastante truculento, apesar de ter estampado a palavra "paz" no peito. Já seria suficiente ser xingado por um anjo e por um bufão, mas apareceu uma terceira personagem: a velhinha. Não se pode subestimar as velhinhas.

Ela estava vestida de velhinha. Bem arrumada, doce e frágil, como só uma velhinha consciente de seu próprio poder é capaz de ser. Era a mãe de um jornalista. Ele entrou, ela ficou do lado de fora. E fazia frio. E garoava. E a pobre velhinha enregelando no portão da imprensa. A todos pedia: "Liguem para o meu filho", com uma voz de velhinha de desenho animado. Condoídas, as pessoas ligavam. O filho prometia vir resgatar a mãe, mas não aparecia. Enquanto isso, xingavam o porteiro: "Malvado! Olha a velhinha, vai morrer de frio". E a velhinha tiritando.

Hamilton de Holanda, virtuose do bandolim, estava no condomínio com a família, visitando uma amiga. Comoveu-se com a velhinha. Colocou-a dentro do carro, para que não pegasse uma pneumonia. Ligava para o filho. O filho prometia resgatar a mãe. A certa altura, já não se sabia se o filho existia. O anjo foi embora, fazendo ameaças terríveis. O bufão se aproximou. Queria saber se Hamilton era famoso. Disseram que era. Ele então pediu uma foto. "Quem é ele mesmo?", perguntou depois. A velhinha só foi resgatada à noite. Escoltada por Hamilton, de braço dado com ele, de volta ao primeiro portão.

O cotidiano entre os portões da entrada principal da Granja Comary é assim: oscila entre o surreal e o espetaculoso. Quem assiste às reportagens de TV pode se perguntar: mas por que os torcedores vão até a entrada da Granja se sabem que não podem entrar? Por que ficam na chuva, no frio, na neblina? Pode-se até perguntar de onde vem o amor pela seleção.

É preciso seguir as câmeras. São elas os oráculos com a resposta. Ouvem-se urros, gritos. Um desavisado pode pensar que é o ônibus da seleção chegando. Nada. É uma câmera de TV que foi ligada. Desliga a câmera, todo o mundo se aquieta. Torcedores esperam o ônibus da seleção a cada volta dos jogos, mas talvez esperem com igual ou maior intensidade a próxima câmera. Os tempos são de torcida encenada. As pessoas estão ali para atuar no espetáculo. E atuam. Viram jornalismo, o que confere ao espetáculo o status de realidade.

Para aparecer na TV, é preciso se diferenciar. E está cada vez mais complicado se diferenciar na entrada da Granja Comary. No início, carregar um boneco de meio metro do Hulk era suficiente. Agora, já não é. O que os torcedores são capazes de fazer para captar a atenção das câmeras está atingindo picos preocupantes. Por sugestão da mãe, a estudante Ana Caroline Côrtes, 13, empunhou um cartaz: "Hulk, deixa eu apertar a sua bunda". Como superá-la? Difícil, difícil. Ana Caroline foi filmada por quase todas as TVs. Quando o ônibus passou, sem que Hulk a notasse, chorou para o público que a assistia, coroando a performance. No dia seguinte, contou por telefone, eufórica: "Estou famosa!".

A bunda do Hulk e o cabelo do David Luiz são os fetiches esgrimidos pela torcida feminina nessa briga por espaço. Numa manhã, Ana Luiza Fernandes equilibrava uma peruca do David Luiz na cabeça. Com apenas oito anos, acompanhada pela mãe, a menina já sabia muito bem o que queria ali. Estava escrito no papel: "Globo, me contrata para ser atriz". A mãe esclareceu: "Ela vai ser a futura Bruna Marquezine".

É comum os pais abordarem jornalistas para apresentar o potencial de seus filhos, especialmente filhas, para serem filmados na entrada da Granja. Nathália Oliveira, 18 anos, também queria a bunda do Hulk. O namorado a apoiava no empreendimento. Nathália explicou: "Quero aparecer na TV, quero que todo o mundo saiba que eu estou aqui. Quero também botar no Instagram, nas redes sociais. Quero que as pessoas digam: 'Vi você na TV'".

De repente, Nathália deu um grito. "É ela!" Era a repórter da TV Globo Fernanda Gentil, que faz justiça ao nome. Nathália saiu correndo. Como na entrada da Granja raramente é possível tirar fotos com os jogadores, as celebridades substitutas são os repórteres de TV. O status celebrístico segue o da audiência, Globo em primeiro lugar.

Antonio, o do chapéu de pontas, tentou o caminho alternativo. É do outro lado do campo, por outro portão. Lá, dezenas têm assistido ao treino. Os jogadores receberam a orientação de dar autógrafos e até fazer selfies ao final, mostrando a interação dos torcedores com a seleção. Antonio, assim como muitos que não têm relações no condomínio, pegou um atalho digno de um "coiote", para passar a fronteira entre o Brasil e a Comary. "Eu e outros três entramos por um portão de madeira, com tela, que tem um lugar que dá pra passar. Depois tem uma ponte podre, quebrada, sobre um riozinho. Aí chegamos àquela cerca onde um menino conseguiu entrar no campo e encontrou o Neymar."

Ao final da aventura, ele esperava Daniel Alves, baiano como ele, aparecer perto da cerca, para lhe entregar uma música. Mas foi descoberto por um segurança e também tirado de lá. Veio da Bahia para que o jogador o ajude na carreira. Acampou na casa da ex-mulher, a quase três horas de Teresópolis. Trabalha dias como pedreiro, juntando dinheiro para buscar seu sonho de ficar famoso na Granja. Na mochila, uma bola e uma Bíblia.

O dinheiro acaba. Antonio então pega a bicicleta verde-amarela, dois ônibus, e volta para fazer mais um contrapiso, rebocar mais umas paredes, até juntar o suficiente para tentar de novo. "É muito duro ser pedreiro, eu quero ser artista", diz. E diz sentido. Mostra suas conquistas junto à seleção, a galeria de fotos com repórteres, que guarda no celular: "Sem as fotos ninguém vai acreditar que eu estive aqui. Vão achar lá na Bahia que é mentira. Quem tá na TV tem valor". E esse chapéu? "É de bobo da corte, né?" Dá um sorriso sem graça.

Moacyr Lopes Junior/Folhapress
Ana Caroline Cortes (de verde) segura o cartaz e usa camiseta em homenagem ao jogador Hulk
Ana Caroline Cortes (de verde) segura o cartaz e usa camiseta em homenagem ao jogador Hulk
Moacyr Lopes Junior/Folhapress
Nathália Oliveira dos Santos tieta a repórter Fernanda Gentil na entrada da Granja Comary
Nathália Oliveira dos Santos tieta a repórter Fernanda Gentil na entrada da Granja Comary
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