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Programa de dopagem impulsionou Rússia nos Jogos de Sochi

Dezenas de atletas russos que competiram nos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014 em Sochi, entre os quais pelo menos 15 medalhistas, eram parte de um programa de doping operado pelo Estado, meticulosamente planejado durante anos para garantir o domínio do país na Olimpíada, de acordo com o diretor do laboratório antidoping russo naquele período.

O diretor, Grigori Rodchenkov, que comandava o laboratório usado para testar milhares de atletas olímpicos, disse ter desenvolvido um coquetel misturando três substâncias proibidas e álcool, que foi ministrado a dezenas de atletas russos, o que ajudou a facilitar uma das mais complicadas –e bem sucedidas– tramas de doping na história do esporte.

A trama envolveu alguns dos maiores astros russos nos Jogos, entre os quais 14 membros da equipe de esqui cross-country e dois veteranos do bobsled que levaram duas medalhas de ouro.

Em uma operação clandestina, especialistas russos em questões de doping e membros dos serviços de inteligência do país substituíam sigilosamente amostras de urina que continham traços de medicamentos que melhoram o desempenho atlético por urina recolhida meses antes, de algum modo violando o lacre dos frascos supostamente à prova de manipulação que são usados como padrão nas competições esportivas internacionais, disse o Dr. Rodchenkov.

Por horas a cada noite, eles trabalhavam em um laboratório oculto, iluminado por apenas uma lâmpada, passando frascos com urina por um buraco aberto na parede, para que pudessem ser testados no dia seguinte, ele revelou.

Pelo final dos Jogos, estimou o Dr. Rodchenkov, mais de 100 amostras de urina contaminada foram jogadas fora.

Nenhum dos atletas foi apanhado no antidoping. E, o mais importante, a Rússia conquistou o maior número de medalhas na competição, superando com facilidade seu maior rival, os Estados Unidos, e solapando a integridade de um dos mais prestigiosos eventos esportivos do planeta.

"As pessoas celebram os campeões olímpicos enquanto nós substituímos sua urina", disse o Dr. Rodchenkov. "Você consegue imaginar como o esporte olímpico é organizado?".

Depois que o "New York Times" solicitou que autoridades russas respondessem a essas imputações, o ministro russo do Esporte, Vitaly Mutko, divulgou um comunicado à imprensa classificando as revelações como "uma continuação do ataque de informações contra o esporte russo".

O Dr. Rodchenkov revelou em detalhes como a operação funcionava, durante três dias de entrevistas organizadas pelo documentarista norte-americano Bryan Fogel, que está envolvido em um documentário do qual o médico participa.

O relato do Dr. Rodchenkov não pôde ser confirmado de forma independente, mas é compatível em linhas gerais com as constatações de um relatório publicado no ano passado pela Agência Mundial Antidoping (AMA). Ele ofereceu ao "New York Times" e-mails detalhando os esforços de doping e uma planilha que ele afirma lhe ter sido encaminhada pelo Ministério do Esporte, antes do início dos Jogos de Sochi. Ela continha os nomes dos atletas envolvidos no programa de doping.

O Dr. Rodchenkov descreveu seu trabalho em Sochi como "uma forte realização", a culminação de um esforço de uma década de duração para aperfeiçoar a estratégia de doping da Rússia em competições internacionais.

"Estávamos completamente equipados, informados, experimentados e perfeitamente preparados para Sochi, como nunca antes", ele disse. "Tudo estava funcionando como um relógio suíço".

Seis meses atrás, porém, ele passou por uma mudança dramática de situação.

Em novembro, a Agência Mundial Antidoping identificou Dr. Rodchenkov como peça chave daquilo que descreveu como um extenso programa de doping patrocinado pelo Estado russo, acusando-o de extorquir dinheiro de atletas –a única acusação que ele nega– e de encobrir resultados positivos de testes de drogas e destruir centenas de amostras de urina.

Depois que o relatório saiu, disse o Dr. Rodchenkov, as autoridades russas o forçaram a renunciar. Temendo por sua segurança, ele se mudou para Los Angeles, com a ajuda de Fogel.

Na Rússia, dois dos colegas mais próximos do Dr. Rodchenkov morreram inesperadamente em fevereiro, em intervalo de poucas semanas; os dois trabalhavam com controle de doping, e um deles renunciou ao seu posto pouco depois que Dr. Rodchenkov deixou o país.

O relatório de novembro tinha por foco primário o atletismo, mas Dr. Rodchenkov descreveu todo o espectro do esporte russo como contaminado pelo uso de substâncias proibidas. Admitindo delitos mais graves do que aqueles de que foi acusado pelos investigadores da AMA, ele disse que as amostras de urina eliminadas não eram centenas, mas alguns milhares, como resultado de esforços desesperados por ocultar a dimensão da prática de doping no país.

Dr. Rodchenkov disse ter recebido a planilha que identificava os atletas participantes do programa de doping em 21 de janeiro de 2014, duas semanas antes dos Jogos e pouco antes de sua chegada a Sochi para começar a trabalhar no laboratório olímpico. Ela deveria ser usada como referência nas competições, segundo ele, e delineava o calendário de provas de cada atleta. Se algum deles conquistasse medalha, suas amostras de urina teriam de ser substituídas.

Até agora, um relato preciso de como as autoridades russas poderiam ter executado uma operação de doping dessa complexidade não estava disponível publicamente.

PRESSÃO PELA VITÓRIA

As revelações de Dr. Rodchenkov, seus primeiros comentários públicos desde sua fuga, surgem em um momento crucial para a Rússia. Em novembro, depois do relatório da AMA, o país foi suspenso provisoriamente das competições internacionais de atletismo; nas próximas semanas, os líderes da organização que comanda o esporte mundial decidirão se essa suspensão será revogada antes da Olimpíada do Rio de Janeiro.

A Rússia também está se preparando para sediar a próxima Copa do Mundo, em 2018.

Em resposta às acusações cada vez mais graves, Putin ordenou um inquérito, mas autoridades russas em geral desdenham as acusações quanto ao uso generalizado de doping entre os atletas do país.

O "New York Times" submeteu perguntas escritas sobre as revelações ao Ministério do Esporte e seis federações esportivas russas cujos atletas foram identificados como parte do programa de doping. Em lugar de responder diretamente, Mutko, o ministro, organizou uma entrevista coletiva com jornalistas da agência estatal de notícias TASS, classificando as perguntas do jornal como infundadas e sugerindo que eram parte de uma tentativa de desacreditar o esporte russo antes da Olimpíada do Rio.

"O sistema de organização dos Jogos Olímpicos era inteiramente transparente", disse Mutko à TASS. "Tudo estava sob o controle de especialistas internacionais –da coleta de amostras à sua análise".

Dr. Rodchenkov disse que o Ministério de Esporte orientava ativamente o esforço de doping. Nos seis meses anteriores aos Jogos, ele disse ter se reunido pelo menos uma vez por semana com o ministro assistente de Mutko, Yuri Nagornykh, em um escritório do segundo andar da palaciana sede do ministério em Moscou.

Em e-mail, Nagornykh negou a existência do programa de doping. "Nada tenho a esconder", ele escreveu.

As autoridades russas estavam sob grande pressão antes dos Jogos. Sochi deveria servir como demonstração do ressurgimento da Rússia entre as potência mundiais, e o país inteiro se envolveu no processo. Bilhões de dólares foram gastos para transformar a decadente cidade turística subtropical em um paraíso dos esportes de inverno. Putin liderou pessoalmente a campanha russa para conquistar o direito de sediar o evento, e participou diretamente de boa parte do planejamento.

O fato que pendia sobre tudo isso foi a desastrosa classificação da Rússia na Olimpíada de Inverno de Vancouver, em 2010, quando o país terminou em sexto lugar. Pouco importaria se a cerimônia de abertura transcorresse bem ou os elevadores de esquis funcionassem devidamente.

Dr. Rodchenkov disse que cabia a ele garantir que os atletas russos conquistassem o maior número de medalhas, preferencialmente de ouro.

Ele era o diretor do laboratório antidoping russo em Moscou desde 2005 e era visto amplamente como um dos maiores especialistas mundiais em substâncias que melhoram o desempenho esportivo. Rodchenkov conta que em muitos casos experimentou pessoalmente essas substâncias.

Ele publicou estudos em revistas científicas, viajava regularmente para participar de conferências científicas no exterior e era convidado frequente ao simpósio anual organizado pela Agência Antidoping dos Estados Unidos, o mais recente dos quais aconteceu em Lansdowne, Virgínia, apenas um mês antes que ele se visse forçado a renunciar.

Dr. Rodchenkov, que fez doutorado em análise química, admite ter usado seus conhecimentos para ajudar atletas a usar substâncias proibidas de maneira que evitasse detecção, algo que ele diz ter acontecido a pedido do governo russo. Depois de anos de tentativa e erro, ele afirma ter desenvolvido um coquetel de três esteroides anabolizantes –metenolone, trenbolone e oxandrolone– que ele diz ter sido usado por muitos dos principais atletas russos na preparação para a Olimpíada de Londres em 2012 e ao longo dos Jogos de Sochi.

As drogas, disse Dr. Rodchenkov, ajudavam os atletas a se recuperar rapidamente de seus exaustivos regimes de treinamento, permitindo que competissem em sua melhor forma ao longo de diversos dias de provas.
Para acelerar a absorção dos esteroides pelo organismo e reduzir a janela de detecção, ele dissolvia as drogas em álcool –uísque Chivas para os homens, vermute Martini para as mulheres.

A fórmula de Dr. Rodchenkov era precisa: um miligrama da mistura de esteroides para cada mililitro de álcool. Os atletas eram instruídos a manter o líquido na boca, sob a língua, para absorver as drogas devidamente.
Nas entrevistas, Dr. Rodchenkov se vangloriou de sua capacidade de proteger atletas dopados contra detecção. Mesmo assim, de acordo com as estatísticas da AMA, a Rússia foi o país com maior número de atletas apanhados em exames antidoping em 2014.

Dr. Rodchenkov disse que alguns dos atletas do programa ocasionalmente usavam drogas que ele não recomendava, o que os expunha a detecção. "Todos os atletas são como crianças pequenas", ele disse. "Colocam na boca qualquer coisa que lhes seja dada".

Um exemplo, segundo ele, é o de Elena Lashmanova, ouro na marcha atlética nos Jogos de Londres em 2012. Ela havia sido apanhada no antidoping durante uma visita de observadores internacionais ao seu laboratório, e encobrir o resultado teria colocado em risco toda a operação, ele disse.

Em e-mail a Nagornykh, ministro assistente do Esporte, datado de 18 de abril de 2014, ele afirmou que nada podia fazer para proteger Lashmanova sem colocar em risco as credenciais do laboratório.

"Honestamente, esse desrespeito à lei chegou à sua conclusão lógica", ele escreveu. "Não há segunda opinião possível quanto a isso".

Três meses mais tarde, Lashmanova foi suspensa de competições internacionais por dois anos.

O PLANO PARA SOCHI

Para Dr. Rodchenkov, os preparativos para Sochi começaram a sério no final de 2013. Foi mais ou menos naquela época, disse ele, que um homem que o médico acredita trabalhar para o serviço de inteligência interno russo, o FSB, começou a visitar o laboratório em Moscou a fim de se informar sobre os frascos usados para armazenagem das amostras de urina usadas em testes de substâncias proibidas.

O homem se interessou especialmente pelos anéis metálicos denteados que trancam os frascos quando a tampa é fechada. Recolheu centenas deles, segundo Dr. Rodchenkov.

Um funcionário do laboratório, que falou sob a condição de que seu nome não fosse mencionado, por medo de represálias da parte das autoridades, disse ter sido informado em dado momento que o homem estava lá para "proteger o laboratório". Ele fazia muitas perguntas sobre os frascos ao pessoal, segundo o funcionário, mas sempre de modo amistoso. Embora suas motivações não fossem explícitas, elas terminaram por se tornar evidentes para todo mundo que trabalhava no laboratório.

"Ficou claro que tentaria violar os frascos", disse o funcionário.

Em todas as grandes competições internacionais de atletismo, os atletas são requeridos a submeter uma amostra de urina para testes. A amostra é dividida em dois frascos. Um, o Frasco A, é testado de imediato. O segundo, o Frasco B, é lacrado e armazenado por até 10 anos, caso o desempenho do atleta seja colocado em questão. Uma empresa suíça, a Berlinger, produz os frascos de vidro autolacráveis usados em competições internacionais, entre as quais os Jogos Olímpicos.

Por conta dos protocolos severos de teste nas competições, disse Dr. Rodchenkov, os atletas tipicamente precisam suspender o uso de substâncias de melhora de desempenho antes de uma competição, para evitar serem apanhados no antidoping. Mas ao sediar os Jogos de Sochi, as autoridades nacionais do esporte russo viram uma oportunidade: poderiam controlar os resultados do laboratório antidoping, disse ele, e permitir que os atletas usassem as substâncias ilegais durante a competição.

A chave para isso era conseguir acesso aos frascos.

Como exatamente isso foi conseguido ainda é um mistério. Dr. Rodchenkov afirma que em dado momento, semanas antes do início dos Jogos, o homem que ele acreditava ser agente do FSB lhe mostrou um frasco anteriormente selado que havia sido aberto sem danificar sua tampa, identificada por uma numeração única.

"Quando vi pela primeira vez o frasco aberto, não acreditei nos meus olhos", disse o médico, acrescentando que "eu acreditava que eles fossem realmente invioláveis".

A TROCA DA URINA CONTAMINADA

Nos meses anteriores aos Jogos de Sochi, de acordo com o relatório da AMA em novembro, as autoridades internacionais de combate ao doping haviam ameaçado descredenciar o laboratório de Dr. Rodchenkov por conta de discrepâncias suspeitas em resultados de amostras e queixas de "interferência externa" nas operações do laboratório. Em novembro de 2013, um comitê disciplinar se reuniu em Joanesburgo para revisar o caso.

"A despeito do desempenho insatisfatório do laboratório, havia o desejo distinto de não revogar suas credenciais antes da Olimpíada de Sochi", afirma o relatório de novembro da AMA.

O laboratório de teste dos Jogos de Sochi tinha equipe de quase 100 pessoas, o que incluía pessoal do laboratório de Dr. Rodchenkov em Moscou e dezenas de especialistas internacionais no combate ao doping, vindos de cidades como Pequim; Doha, Catar; e Lausanne, Suíça.

A segurança era rígida. Havia numerosas câmeras de vigilância, e uma autorização de segurança era necessária para quem quisesse visitar o laboratório.

Um observador independente acompanhava o trabalho do laboratório em horários aleatórios durante o dia, segundo o relatório da AMA, mas raramente o fazia no período noturno, durante as cerca de duas semanas da competição.

Dr. Rodchenkov declarou que, a cada noite, um funcionário do Ministério do Esporte enviava a ele uma lista de atletas cujas amostras precisavam ser substituídas. Para identificar as amostras anônimas dos atletas individuais –codificadas com um número de sete algarismos–, Dr. Rodchenkov disse que os atletas fotografavam seus formulários de amostra, que incluem o código, e os enviavam como mensagens de texto ao ministério, o que revelava informações proibidas sobre a quem pertencia cada amostra de urina.

Depois de receber um sinal de que "as urinas estavam prontas", o Dr. Rodchenkov tirava seu jaleco de laboratório, colocava uma camiseta da equipe nacional russa e deixava seu escritório no quarto andar, tipicamente depois da meia-noite. Ele verificava se o caminho estava desimpedido e ia à sala 124, oficialmente um espaço de armazenagem mas na verdade convertida em laboratório clandestino por ele e sua equipe.

Era lá, em uma sala com a única janela coberta por fita adesiva, que a substituição era feita, ele disse.

Um colega estacionado na sala ao lado, a de coleta de amostras, apanhava os frascos certos e os passava para a sala de armazenagem por um buraco circular cortado na parede, perto do piso, disse Dr. Rodchenkov. Durante o dia, o buraco ficava oculto por trás de um armário.

Os frascos B selados eram entregues ao homem que Dr. Rodchenkov acreditava ser agente da segurança russa, que os levava a um edifício adjacente. Horas mais tarde, disse Dr. Rodchenkov, as amostras voltavam à sala de armazenagem, com as tampas destravadas.

O homem também fornecia urina não contaminada, recolhida de cada atleta nos meses anteriores aos Jogos, antes que eles começassem a se dopar, disse Dr. Rodchenkov. Ela vinha em garrafas de refrigerante, frascos de leite em pó e outros recipientes, ele afirmou.

Mantendo a luz do teto desligada, Dr. Rodchenkov e um colega jogavam a urina contaminada em um vaso sanitário próximo, lavavam os frascos, secavam-nos com papel filtro e os enchiam com a urina limpa.

Ele então acrescentava sal ou água a fim de contrabalançar quaisquer divergências quanto às especificações registradas das duas amostras. A depender do que um atleta tenha consumido, duas amostras de urina extraídas em horários diferentes podem variar.

Tipicamente, a pequena equipe trabalhava até o raiar do dia, parando apenas ocasionalmente para café instantâneo e cigarros.

VITÓRIA

Nos Jogos de Sochi, atletas russos conquistaram 33 medalhas, entre as quais 13 ouros –10 a mais do que na Olimpíada de Inverno anterior.

Um terço das medalhas foram vencidas por atletas cujos nomes constavam da planilha delineando o plano de doping do governo que Dr. Rodchenkov disse lhe ter sido enviada pelo Ministério do Esporte antes dos Jogos.

Entre eles estão Alexander Zubkov, veterano do bobsled que conquistou duas medalhas de ouro; Alexander Legkov, esquiador cross-country que ficou com uma medalha de ouro e uma de prata; e Alexander Tretyakov, que conquistou o ouro no skeleton.

Mas nem todos os atletas da lista conquistaram medalhas. A seleção feminina de hóquei da Rússia usou doping durante toda a competição, de acordo com Dr. Rodchenkov, e terminou em sexto lugar.

Esforços para contatar esses atletas e outros por meio das federações de seus esportes na Rússia não foram bem sucedidos. Diversas das federações responderam negando quaisquer delitos por parte de seus atletas. Um porta-voz da Federação Russa de Bobsled disse que todos os seus atletas "passaram por procedimentos de controle de doping de acordo com as regras".

"Todos estavam limpos e nenhum resultado positivo surgiu", acrescentou a federação.

SUL DA CALIFÓRNIA

Depois da Olimpíada, os elogios dirigidos a Dr. Rodchenkov foram efusivos. Ele recomendou comendas não só de Putin mas do Comitê Olímpico Internacional (COI) e da AMA.

Um relatório subsequente da AMA definia os Jogos de Sochi como "um marco na evolução do programa antidoping nos Jogos Olímpicos".

Mas um ano depois, a AMA publicou relatório muito diferente, segundo o qual os investigadores haviam identificado doping sistemático na equipe de atletismo russa. O inquérito, provocado por acusações de dois denunciantes que têm forte conhecimento do atletismo russo, e divulgado inicialmente pela rede pública de rádio e TV alemã ARD, atribuía posição central a Dr. Rodchenkov nessa conspiração nacional.

Em poucos dias, ele se viu forçado a renunciar, disse, e, temendo por sua segurança, fugiu para Los Angeles. A viagem dele foi organizada por Fogel, a quem o médico conheceu pouco depois de Sochi, em 2014. Fogel estava trabalhando em um documentário no qual buscava expor as limitações do controle de drogas no esporte internacional –comparando seus resultados em provas competidas com e sem o uso de substâncias proibidas–, e Dr. Rodchenkov o estava assessorando.

Nos seus seis meses em Los Angeles, Dr. Rodchenkov assumiu papel mais ativo no documentário, "Icarus", que deve ser lançado em setembro. Fora isso, ele dedica seu tempo à jardinagem, a cozinhar borscht e a escrever seu diário.

Refletindo sobre sua carreira, ele diz não se arrepender de seu papel no programa de doping russo, considerando que isso era uma precondição para manter seu emprego. Para que seu laboratório recebesse verbas e apoio, ele diz, era preciso fazer o que o Kremlin ordenava.

Mas seu trabalho o levou a choques ocasionais com as autoridades russas. Em 2011, foi investigado por tráfico de substâncias de melhora de desempenho esportivo, e conta que antecipava ser condenado à prisão. Sua irmã foi julgada e aprisionada por acusações semelhantes.

Mas a investigação sobre Dr. Rodchenkov simplesmente desapareceu.

Ele diz que não sabe bem o motivo, mas suspeita que tenha escapado a punição para que pudesse desempenhar um papel crucial nos Jogos de Sochi.

"Foi essa minha redenção: o sucesso em Sochi", ele disse. "Em lugar de ir para a prisão, vencer a qualquer custo".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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