A respeitabilidade do grupo de especialistas que apela à OMS para adiar a Olimpíada é difícil de contestar.
Capitaneado por especialistas em bioética como o americano Arthur Caplan, da Universidade de Nova York, e o australiano Peter Singer, da Universidade Princeton, o conjunto inclui ainda pediatras, obstetras, psiquiatras e neurologistas de algumas das principais instituições de pesquisa do mundo.
Marcelo Sayão/Efe | ||
Vista aérea da Marina da Glória, no Rio |
Junto com gente de grandes universidades dos EUA e da Europa, chama a atenção a presença de cientistas de países como África do Sul, Tailândia e Filipinas. Isso reforça uma das principais mensagens da carta: o temor de que outros países em desenvolvimento, hoje não afetados pelo zika, acabem sendo invadidos pelos vírus que pegariam carona em atletas e turistas que pousarem no Brasil. Há ainda a brasileira Débora Diniz (UnB e Fiocruz).
Talvez haja uma única premissa claramente errada no manifesto. Os signatários lembram que o Brasil chegou a erradicar o Aedes aegypti nos anos 50 e que, portanto, "realizar os Jogos na presença de mosquitos que carregam o zika é uma escolha, e não algo necessário".
A questão, porém, é que o país e o mundo mudaram muito nos últimos 60 anos, a começar por dois fatores-chave, a dimensão monstruosa da nossa falta de infraestrutura urbana (obviamente muito menor quando só havia 50 milhões de pessoas no país todo) e a alta conectividade entre países trazida pelo tráfego aéreo intenso e relativamente barato.
Ou seja, extirpar o A. aegypti hoje é, se não impossível, muito difícil, o que não significa que não falte ousadia e foco às iniciativas brasileiras de controle do inseto.
Fora esse detalhe, a dificuldade de julgar se o apelo é alarmista ou não tem a ver com o quão pouco se sabe sobre o zika. No caso das mulheres grávidas ou com chance de engravidar, parece totalmente razoável recomendar que não ponham os pés no Rio —o custo de um encontro com o vírus pode ser alto demais, mesmo se só uma parcela pequena delas acabar tendo bebês afetados.
Mas e quanto aos aparentemente raríssimos efeitos neurológicos em adultos? E adiar a Olimpíada seria de fato capaz de impedir indefinidamente que a doença atinja outros países vulneráveis, considerando o alcance que ela já tem hoje? Nenhuma dessas perguntas é fácil de responder hoje.
Editoria de Arte/Folhapress | ||