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Denúncia de russa em 2012 foi ignorada por Agência Mundial Antidoping

Em dezembro de 2012, a Wada (Agência Mundial Antidoping) recebeu um e-mail de uma atleta olímpica russa que estava pedindo ajuda.

A atleta, uma lançadora de disco chamada Darya Pishchalnikova, havia conquistado uma medalha de prata quatro meses antes na Olimpíada de Londres. Ela revelava ter usado drogas proibidas, por orientação das autoridades esportivas e antidoping da Rússia, e que tinha informações sobre o uso sistemático de doping por atletas de seu país. Por favor, investiguem, ela implorou à agência em um e-mail escrito em inglês.

"Quero cooperar com a Wada", ela dizia no e-mail.

Mas a Wada, que regulamenta o controle de doping nos esportes olímpicos mundiais, não abriu um inquérito, ainda que um advogado da agência tenha encaminhado a mensagem a três dirigentes, definindo as acusações como "relativamente precisas", incluindo nomes e fatos.

Em lugar disso, a agência fez algo que parece antitético à sua missão, que é a de proteger os atletas que não se dopam. A Wada encaminhou o e-mail de Pishchalnikova às autoridades esportivas da Rússia –exatamente as pessoas que ela acusava de dirigir o programa de doping.

Kimimasa Mayama-29.ago.2007/Efe
ORG XMIT: 244801_0.tif OSA60 OSAKA (JAPÓN) 29/8/2007.- La competidora rusa Darya Pishchalnikova durante la final de la prueba de lanzamiento de disco en el Campeonato del Mundo de Atletismo de Osaka, Japún, hoy, miércoles 29 de agosto. EFE/Kimimasa Mayama
A russa Daria Pishchalnikova em ação durante prova de lançamento de disco

As táticas da Wada, que é bancada em parte pelos contribuintes dos Estados Unidos, vem sofrendo escrutínio internacional nos últimos meses, quando sucessivos escândalos de doping originados da Rússia se tornaram a maior crise do esporte mundial.

O diretor do laboratório antidoping da Olimpíada de Inverno de 2014 em Sochi disse ao "New York Times" que pelo menos 15 medalhistas russos no torneio haviam usado substâncias proibidas como parte de um programa de doping comandado pelo Estado.

Apenas depois de anos de indícios cada vez mais claros de doping generalizado a Wada recomendou banir a equipe russa de atletismo das competições internacionais; a associação internacional do atletismo deve decidir na sexta-feira se a equipe russa de atletismo será excluída da Olimpíada do Rio de Janeiro, que começa em algumas semanas.

Entrevistas com dezenas de dirigentes e atletas do movimento olímpico revelaram que a agência mundial de combate ao doping lidou incorretamente com acusações de corrupção generalizada, não investigou rigorosamente as denúncias e foi prejudicada por influências políticas a tal ponto que se tornou em geral ineficaz em sua missão de proteger a integridade do esporte.

Múltiplos alertas sobre a Rússia, entre os quais o e-mail de Pishchalnikova, foram enviados à Wada nos últimos anos, mas a resposta da organização levou atletas e dirigentes a questionar se ela está mesmo disposta a combater o doping vigorosamente.

O órgão decisório da Wada é composto por representantes de governos e do movimento olímpico, um arranjo causador de potenciais conflitos porque os dirigentes olímpicos podem optar por não revelar transgressões de doping capazes de macular a integridade dos jogos, enquanto os representantes dos governos podem se sentir mais inclinados a proteger os atletas de seus países.

"Há conflitos de todos os lados", disse Adam Pengilly, atleta olímpico britânico que é parte da comissão de atletas do Comitê Olímpico Internacional (COI).

Alguns dirigentes da Wada defenderam a condução da agência quanto às acusações de doping contra a Rússia. Eles afirmam que seus poderes de combater o doping são limitados, os recursos não são vastos e, até recentemente, a responsabilidade pela condução de investigações não era claramente definida. Mas outros dirigentes e atletas expressaram uma crescente desconfiança quanto à liderança da agência e a preocupação de que ela tenha desconsiderado sua responsabilidade de garantir uma competição limpa.

"O doping sistemático da parte da Rússia vem sendo divulgado pela Wada como notícia sensacional, e não é esse o caso", disse Arne Ljungqvist, antigo comissário médico do COI e da Associação Internacional de Federações de Atletismo (Aifa), a organização que comanda o atletismo mundial.

"Eles poderiam ter realizado uma investigação", ele disse, sobre os anos em que a Wada recebeu alertas repetidos, como o e-mail de Pishchalnikova. "Mas não realizaram".

APELOS POR INVESTIGAÇÕES

Encarado como um dos pioneiros no combate ao doping no movimento olímpico, o Dr. Ljungqvist, 85, em breve será celebrado por estátuas em Mônaco, a sede da Aifa, e na Suécia, onde ele trabalhou como pesquisador médico. Mas ele vê como aparentemente fúteis os seus esforços para pôr fim ao doping patrocinado por Estados.

"Todos sabíamos sobre os russos", disse o Dr. Ljungqvist durante um almoço em Bedminster, Nova Jersey, na casa da artista plástica Sassona Norton, que esculpirá as estátuas.

Apenas alguns dias antes da Olimpíada de Pequim, em 2008, sete mulheres da equipe russa de atletismo foram suspensas por manipular suas amostras de urinas no antidoping. Uma investigação conduzida pela Aifa demonstrou que a urina fornecida pelas atletas não era delas - o ADN das amostras fornecidas não batia com o das atletas.

Uma das atletas em questão era Pishchalnikova.

"Parece ser um exemplo de doping sistemático", disse o Dr. Ljungqvist em uma entrevista coletiva em Pequim, naquele momento. "Considero frustrante que essas trapaças planejadas continuem a ocorrer. Estou muito decepcionado".

Um ano mais tarde, atletas russos voltaram a ser implicados em irregularidades. Naquela ocasião, a campeã mundial de biatlo Ekaterina Iourieva e duas colegas de equipe foram impedidas de competir no mundial depois de testes positivos de doping que revelaram o uso de EPO, um hormônio que adensa o sangue.

"Estamos enfrentando doping sistemático e em larga escala, dentro de uma das maiores equipes do mundo", disse Anders Besseberg, presidente da União Mundial de Biatlo, na ocasião.

Coube aos russos investigar a si mesmos. A União Russa de Biatlo foi multada e prometeu que investigaria seus atletas.

O Dr. Ljungqvist, vice-presidente da Wada entre 2008 e 2013, disse ter repetidamente expressado preocupações sobre a Rússia. A agência considerou penalizar o país mas, no final, disse ele, os conflitos de interesses inerentes à Wada e ao movimento olímpico saíram vencedores. A questão foi abandonada porque "era muito infecciosa em termos políticos", ele disse.

"Seria possível dizer que eu também tive culpa", ele disse. "Mas estive lá, e sei como é difícil provar doping nessa escala".

Em 2011, um estudo científico escrito por seis especialistas em testes de drogas ofereceu novos indícios. Intitulado "Prevalência de doping no sangue em amostras recolhidas de atletas de elite do atletismo", a pesquisa examinou milhares de amostras recolhidas entre 2001 e 2009.

Uma nação - identificada no estudo como país A e cuja identidade era conhecida da Wada - se destacou. O país A apresentava nível notavelmente superior de amostras suspeitas. De acordo com um dos autores do estudo, o país A era a Rússia.

"A Wada sempre tem uma desculpa para não ter ido adiante", disse o Dr. Ljungqvist, mencionando falta de dinheiro e de recursos investigativos. "A esperança deles era de que os russos mesmos se corrigissem. Não tinham percebido ainda que era responsabilidade da Wada cuidar disso".

As autoridades esportivas russas reconheceram nos últimos meses que o país enfrenta problemas de doping, mas negaram enfaticamente as acusações de um programa estatal de doping, e desqualificaram os responsáveis por denúncias específicas. Elas afirmaram que estavam enfrentando os problemas de doping e que a equipe de atletismo do país deveria ser autorizada a competir nos jogos do Rio.

CONFLITOS INERENTES

Quando a Wada foi criada, em 1999, seu propósito não declarado era ajudar a reconquistar a credibilidade do esporte mundial depois de um grande escândalo de doping na Volta da França de 1998, no ciclismo, e um escândalo de suborno relacionado à candidatura de Salt Lake City como sede da Olimpíada de Inverno de 2002. O propósito oficial da agência não eram os exames antidoping ou a punição de culpados, mas servir como fiscal independente do esporte olímpico em todo o mundo.

"Eles tinham medo de que o dinheiro dos patrocinadores secasse se as olimpíadas fossem percebidas como sujas", disse Robert Weiner, antigo porta-voz da Wada e, anteriormente, do Serviço Nacional de Política de Controle de Drogas dos Estados Unidos.

Autoridades esportivas e governos nacionais se reuniram na Suíça, a sede do COI, para discutir como a nova agência seria custeada.

O governo dos Estados Unidos demonstrava especial cautela quanto a assinar em apoio a uma agência que não parecia independente. O COI está encarregado dos jogos olímpicos, e extrai imensas receitas deles. Os dirigentes do COI - especialmente o presidente de sua comissão de marketing - estariam encarregados de dirigir a Wada, a agência de repressão ao doping.

O general Barry McCaffrey, que na época era o encarregado da política de combate às drogas no governo dos Estados Unidos, objetou ruidosamente ao que percebia como influência desproporcional do COI, e à falta de interesse político, por parte da organização, de revelar violações relacionadas a drogas que pudessem macular a imagem olímpica.

"O COI está se escondendo por trás da Wada", declarou o general McCaffrey em recente entrevista por telefone, sugerindo que a atenção negativa foi desviada de um para o outro órgão. "E a Wada se esconde por trás de uma estrutura ineficiente".

Em 1999, Richard Pound, o primeiro presidente da Wada e membro do COI, se irritou quando o general McCaffrey acusou a Wada de não ser independente. É claro que ela será independente, escreveu Pound em uma carta no mês anterior ao estabelecimento da agência, na Suíça.

O COI hospedou a primeira reunião do conselho da agência e pagou as despesas da Wada em seus dois primeiros anos de existência.

A Wada começou com projetos simples. Sua missão era padronizar as regras mundiais quanto a doping, e criar e fiscalizar os programas antidoping em cada país. As normas da nova agência não incluíam explicitamente o poder de investigar irregularidades.

Com o passar do tempo, muita gente passou a esperar que a organização evoluísse e se tornasse um órgão de regulamentação e teste mais ativo, separado do COI e das diversas organizações mundiais que comandam os esportes olímpicos. Isso nunca aconteceu.

Em lugar disso, os testes antidoping foram em larga medida deixados aos laboratórios nacionais. Na Rússia, o laboratório era dirigido por Grigory Rodchenkov, que disse que nos 10 anos que passou à frente da instituição encobria regularmente resultados positivos em exames antidoping.

Com orçamento anual de US$ 28 milhões, a Wada é bancada igualmente por organizações esportivas e governos. Atrás do COI, os Estados Unidos são o maior contribuinte de verbas para a agência, destinando US$ 2 milhões anuais em verbas de seu programa de controle de drogas à agência.

Andy Parkinson, o primeiro diretor executivo da agência antidoping britânica, disse que a estrutura da Wada era boa em teoria, mas muitas vezes resulta em impasses, já que é raro haver concordância entre os representantes olímpicos e os representantes nacionais.

"É realmente difícil eliminar essa percepção de conflito", disse Parkinson.

SURGE UMA DENÚNCIA

Por anos, Vitaly Stepanov, que trabalhou para a agência antidoping russa, tentou descobrir o que motivava os dirigentes da Wada. Ele estava lhes fornecendo indicações sobre um elaborado programa de doping dirigido pelo Estado, e instando que agissem para detê-lo, mas aparentemente nada estava sendo feito.

"Todo mundo me dizia que a Wada não é uma organização que combate o doping", ele afirmou. "É tudo política".

Stepanov, que nasceu na Rússia mas estudou na Universidade Pace, em Manhattan, começou a trabalhar na agência antidoping russa em 2008, o ano de sua fundação oficial, educando o pessoal da organização quanto ao doping. Quanto mais ele descobria sobre a forma de operação da agência, mais ele percebia que o sistema russo estava muito distante do padrão considerado aceitável.

Dirigentes esportivos lhe diziam que não precisava testar alguns atletas porque eles não usavam doping, disse Stepanov. Atletas e treinadores lhe ofereceram suborno para que se livrasse de exames positivos. Os funcionários do laboratório antidoping nacional estavam encobrindo exames antidoping positivos, e autoridades mais elevadas no Ministério do Esporte russo eram parte do esquema.

Stepanov aprendeu ainda mais sobre os métodos do ministério quando, em 2009, conheceu e se casou com Yuliya Rusanova, uma corredora russa de média distância que contou a ele sobre o regime de doping que seguia.

"O objetivo do ministério não é garantir que o esporte seja limpo, mas conquistar medalhas para o país", disse Stepanov em entrevista por telefone.

Na Olimpíada de Inverno de 2010, em Vancouver, no Canadá, Stepanov se reuniu com diversos funcionários da Wada em um hotel e começou as fazer denúncias secretas sobre a Rússia, como reportou o jornal britânico "Sunday Times".

A primeira reação da Wada, segundo ele, foi "e agora o que fazemos?"

Nos escritórios da Wada, no 17º andar do antigo edifício da bolsa de valores de Montreal, os dirigentes da agência não sabiam bem como lidar com as acusações de Stepanov.

David Howman, veterano diretor geral da organização, cujo escritório oferecia duas paredes de janelas com vista para o rio St. Lawrence, hesitou. Howman, um advogado neozelandês, disse ter pensado consigo mesmo que "não queremos ser a polícia. Não temos como ser a polícia".

Mas ele estava ciente de que o doping estava se tornando uma empreitada criminosa, e investigações - talvez mais do que exames antidoping - eram cruciais para expor os trapaceiros. (Por exemplo, no amplo caso por uso de anabolizantes envolvendo a Bay Area Laboratory Cooperative, ou Balco, na região de San Francisco, nenhum dos atletas descobertos como praticantes de doping havia sido apanhado em exames antidoping.)

Quando a Wada se viu diante de sugestões de que os russos haviam ressuscitado o sistema de doping ao modo da velha Alemanha Oriental, Howman disse, a equipe de 70 pessoas com que sua agência contava parecia inadequada. A Wada nem mesmo tinha um investigador, e afirmava não dispor de autoridade para conduzir investigações.

"É realmente nossa tarefa monitorar a todos", disse Howman em entrevista em Montreal no mês passado. "A ideia não era que realizássemos as investigações por nossa conta, mas que recolhêssemos informações e as encaminhássemos para quem pudesse fazer algo de concreto a respeito. Foi assim que isso tudo começou".

Mas Howman terminou por contratar um renomado investigador norte-americano: Jack Robertson, que serviria de ligação entre a Wada e as autoridades policiais e de justiça de todo o mundo, e também poderia ajudar a Wada a desemaranhar casos complicados.

Em, setembro de 2011, Robertson foi encarregado de cuidar das investigações de doping da Wada. A área que ele deveria cobrir era o mundo inteiro.

INQUÉRITO INTERROMPIDO

Robertson, antigo agente especial da Agência de Combate às Drogas (DEA) norte-americana, tinha um currículo que certamente causaria medo a qualquer dopado.

Ele conduziu algumas das maiores investigações norte-americanas sobre doping dos últimos anos, entre as quais o caso que ajudou a derrubar Lance Armstrong, sete vezes campeão da Volta da França mas que terminou apanhado pelo uso de doping durante a maior parte da sua carreira.

Nos meses anteriores à sua contratação oficial, Robertson acompanhou Olivier Niggli, o diretor jurídico da Wada, em reuniões com Stepanov durante a maratona de Boston, a fim de ouvir seu relato em primeira mão. Robertson e Stepanov voltaram a se encontrar na Turquia, um ano depois.

Stepanov foi demitido da agência antidoping russa depois de expressar dentro da organização suas preocupações quanto ao doping. Ele e a mulher terminaram por fugir da Rússia e hoje vivem em local não revelado dos Estados Unidos, em companhia do filho pequeno do casal.)

Robertson, que estava recolhendo informações e denúncias, e identificando potenciais testemunhas, também sofreu infortúnios. Sua mulher morreu de câncer e ele mesmo teve um câncer de garganta, perdendo peso tão rápido que passou a ter de se alimentar por meio de um tubo. Mas ele persistiu com o caso mesmo assim.

Oficialmente, o poder explícito de investigação da Wada vigoraria a partir da adoção de um novo código, votado em 2013 para entrar em vigor dois anos mais tarde - ou seja, quatro anos depois da contratação de Robertson como investigador interno.

Ainda assim, não parecia haver muito apetite quanto a olhar mais profundamente a situação da Rússia, especialmente depois que um novo presidente assumiu o comando da Wada em 2014. O nome dele era Craig Reedie, um veterano dirigente do COI que esteve envolvido com a Wada desde que ela surgiu. Quando Reedie assumiu a presidência da agência, as coisas mudaram, disseram diversos funcionários.

Ao mesmo tempo, a Rússia passou a doar mais dinheiro à Wada, sem motivo especificado nos balanços da organização - uma atitude incomum. No total, nos últimos três anos a Rússia contribuiu com US$ 1,14 milhão adicional, além de sua contribuição anual acordada, que foi de US$ 746 mil em 2015. Um porta-voz da agência confirmou as contribuições da Rússia e disse que países que optavam por realizar doações adicionais jamais haviam recebido tratamento especial.

O escocês Reedie, no passado presidente da federação internacional de badminton, era um líder hábil e popular, no mundo político dos jogos olímpicos.

Nos círculos do combate ao doping, ele não era visto como um cruzado agressivo.

"Não vamos procurar pessoas e lhes dizer que há regras e elas deveriam obedecê-las", disse Reedie no saguão do Lausanne Palace, um hotel de cinco estrelas na Suíça, este mês. Ele explicou que a Wada estava mais bem equipada para oferecer às federações esportivas e países orientação, quando estes a solicitassem, em lugar de para promover acusações de trapaça.

O predecessor de Reedie, John Fahey, político australiano, havia autorizado Robertson a investigar as acusações sobre os laboratórios russos.

"Sempre houve, em nossa mente, uma suspeita profunda de que o governo estivesse controlando a Rusada", disse Fahey em entrevista por telefone no mês passado, usando a sigla da agência antidoping russa, a empregadora de Stepanov.

Robertson precisava de ajuda no caso. Precisava de mais pessoal e de mais dinheiro para conduzir uma investigação rigorosa. Mas sempre encontrou uma atitude de esperar para ver, da parte dos dirigentes da organização.

Frustrado, ele forçou ação pela Wada, de acordo com diversas pessoas da organização. Vazou informações sobre o caso para Hajo Seppelt, um jornalista da rede alemã de TV e rádio ARD.

A explosiva reportagem de Seppelt, "os segredos do doping: como a Rússia cria vencedores", foi transmitida em 3 de dezembro de 2014.

Inicialmente, Reedie disse aos seus colegas da Wada que se mantivessem calados e esperassem para ver se a mídia mundial repercutiria a história, de acordo com diversas pessoas da Wada que não estão autorizadas a falar com repórteres. Mas durante a espera, autoridades antidoping de diversos países se pronunciaram, instando a Wada a investigar as acusações da ARD.

Em 8 de dezembro de 2014, Travis Tygart, presidente-executivo da Agência Antidoping dos Estados Unidos, enviou uma carta a Reedie e Howman, na Wada, insistindo em que a agência tinha poder para investigar e que precisava aplicá-lo à Rússia.

A agência não tinha como entregar o caso à Aifa, a organização que comanda o atletismo mundial, disse ele, porque múltiplos esportes haviam sido implicados, na reportagem da ARD. Além disso, escreveu Tygart, um vice-presidente da Aifa havia sido identificado como parte de esforços de acobertamento, pela mesma reportagem.

"Que a Wada se mantenha à margem diante de tais acusações é uma direta violação da missão que ela recebeu do esporte, dos governos e dos atletas limpos", escreveu Tygart.

Dias mais tarde, a Wada ordenou um inquérito independente. Pound, que tinha a reputação de ser um inimigo agressivo do doping, foi apontado presidente da comissão encarregada.

Por necessitar de reforços para a investigação, a agência contratou a Five Stones Intelligence, uma agência privada de investigação sediada em Miami e cujos investigadores são antigos membros da DEA, Serviço Secreto norte-americano, Agência Central de Inteligência (CIA), Serviço Federal de Investigações (FBI) e Serviço Central de Inteligência.

Quatro meses depois do início dessa investigação, Natalya Zhelanova, assessora do ministro do esporte russo Vitaly Mutko, recebeu um e-mail de Reedie. A mensagem aparentemente dizia que ela e a Rússia não precisavam se preocupar com o inquérito.

Reedie garantiu a Zhelanova que, em sua opinião, as acusações quanto a doping russo se referiam a um momento anterior ao da implementação de novas leis e esforços antidoping pelo país. Ele ofereceu sua garantia de que a Rússia ficaria bem porque "não existe ação da Wadacrítica aos esforços que sei que foram feitos, ou estão sendo feitos, para melhorar os esforços antidoping na Rússia".

"Em nível pessoal, aprecio o relacionamento que tenho com o ministro Mutko, e agradeceria que a senhora o informasse de que não existe intenção da Wada de fazer qualquer coisa que afete esse relacionamento", ele escreveu.

Quando o jornal londrino "Daily Mail" publicou essa mensagem, em agosto de 2015, muitas autoridades antidoping, entre as quais Pound, ficaram chocadas. O presidente da Wada estava aparentemente solapando a credibilidade da investigação independente.

"Eu disse, 'meu deus, Craig, o que você está fazendo?'", Pound diz ter perguntado a Reedie. "Você sabe que esses caras não seus amigos, não é? Foram eles que divulgaram a mensagem para a mídia".

Reedie ofereceu um mea culpa em entrevista a outro jornal londrino, pouco depois, afirmando que seu e-mail a Zhelanova havia sido mal interpretado e que a Wada não interferiria com a investigação independente.

Reedie disse que não via conflito em sua dupla lealdade ao movimento olímpico e à agência antidoping. "Creio que conseguimos nos sair relativamente bem", ele disse sobre a atual estrutura da agência. "Ela funciona, e existe constante desafio, da parte do esporte e dos governos, quanto a tudo que a Wada faz".

As constatações do inquérito foram publicadas em novembro de 2015. A Rússia foi acusada de doping generalizado, patrocinado pelo governo, em um explosivo relatório de 323 páginas concentrado no atletismo.

Mas nem tudo que os investigadores revelaram - o que inclui o e-mail de Pishchalnikova em 2012 e a maneira pela qual a Wada o tratou - está incluído no relatório.

Ainda assim, intensificou-se a pressão externa para que a Wada considere outros esportes que não apenas o atletismo russo, e outros países que vieram a ser alvo de suspeitas. Mas Reedie está relutante, de acordo com diversos dirigentes da agência internacional. Ele disse que a organização não tem dinheiro e não existem provas suficientes para justificar novas investigações.

"Não é possível avançar porque ele está no comando", disse Howman sobre Reedie. "É preciso confiar nas pessoas que estão no comando, e Craig estava encarregado das questões políticas".

Dois anos antes, porém, Howman esteve entre os dirigentes da Wada que receberam por e-mail por e-mail o apelo de Pishchalnikova. Ele era membro do conselho da Fundação Wada, na ocasião, mas não era ainda seu presidente.

Em seu e-mail de 2012, Pishchalnikova identificava nominalmente o Dr. Rodchenkov, o diretor do laboratório antidoping cuja organização havia sido recentemente colocada em questão pela Wada devido a resultados suspeitos de exames. Ela informou que o dirigente estava substituindo amostras de urinas repletas de anabolizantes por amostras limpas.

A decisão da agência de encaminhar o e-mail aos dirigentes de atletismo, entre os quais dirigentes russos implicados nas acusações, aconteceu por respeito ao protocolo. A despeito de ter contratado um investigador, a Wada na época não se considerava capaz de conduzir investigações, afirmou a agência.

Quatro meses depois de Pishchalnikova escrever à Wada, a federação russa de atletismo a baniu das competições por 10 anos. Ela abandonou o esporte e vive na Rússia. Tentativas de contato não foram bem sucedidas.
Reedie - que disse desconhecer o e-mail de Pishchalnikova - afirmou que precisava de provas antes de iniciar investigações. "Precisamos que as pessoas nos apresentem provas, e então investigaremos", ele declarou em entrevista.

Reedie afirmou que a decisão de permitir que a equipe russa de atletismo participe da Olimpíada do Rio cabe inteiramente à Aifa. "O problema é deles", ele afirmou. "Sou uma das poucas pessoas que não acorda a cada manhã pensando só no Rio".

Enquanto isso, os atletas vêm pressionando por novas investigações, nos últimos meses.

"Os atletas limpos chegaram ao ponto em que não é possível ter fé no sistema", disse Lauryn Williams, velocista e praticante de bobsled norte-americana. Ela acrescentou se sentir decepcionada por o relatório de novembro não ter inspirado imediatamente uma investigação mais ampla.

"Quem nos defende?", ela questionou. "Quem está do nosso lado?"

Depois que Williams e outros atletas de todo o mundo enviaram uma carta à Wada e ao COI no mês passado detalhando suas preocupações, a agência anunciou uma nova investigação independente sobre as acusações de trapaça nos jogos de Sochi feitas pelo Dr. Rodchenkov, antigo diretor do laboratório antidoping russo.

Outras investigações especializadas, como as de acusações sobre doping de nadadores chinesas, foram iniciadas. "Investigações se tornaram moda", disse Reedie.

Howman, que deixará a Wada este mês, disse que só depois que a investigação sobre Sochi estiver concluída - o que deve acontecer mais ou menos duas semanas antes da abertura da Olimpíada do Rio - a Wada deve ser julgada sobre como conduziu esses casos.

"O momento é realmente tenso, porque ninguém quer cometer erros", disse Howman.

Quanto a Reedie, seu mandato na presidência da Wada expira na metade do ano. Muitos especialistas em combate a doping consideram que seu duplo papel como vice-presidente do COI é emblemático dos conflitos que eles consideram estar desencaminhando a Wada.

Depois da recente entrevista em Lausanne, Reedie me deu seu cartão de visitas, se desculpando por ele conter o logotipo do COI e não o da Wada.

"É o único que tenho", ele disse.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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