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'Rio-2016 será a última Olimpíada em modelo ultrapassado', diz especialista

A história olímpica é marcada por crises, mas nenhuma é tão grave quanto a que o Rio enfrenta, diz o pesquisador da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Lamartine da Costa, 80.

"Temos aqui a tempestade perfeita. É crise em todas as áreas", afirma.

Ele participou da elaboração da Agenda 2020, espécie de cartilha do COI (Comitê Olímpico Internacional) para tornar os Jogos sustentáveis e conter o gigantismo de construções e gastos.

Mauro Pimentel/Folhapress
O pesquisador da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Lamartine da Costa
O pesquisador da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Lamartine da Costa

Ela foi aprovada em dezembro de 2014 após sucessivos "nãos" à candidatura por cidades como Oslo, Estocolmo, Boston e Hamburgo. Os Jogos de Tóquio-2020 já serão organizados de acordo com essas novas regras.

"Vamos entrar para a história como o fim, seremos a última Olimpíada nesse modelo ultrapassado. Compramos um produto que vai desaparecer", afirma Costa.

Ele questiona a legalidade do decreto que pôs o Rio em estado de calamidade pública, mas diz que algum tipo de socorro era inevitável devido à dimensão exagerada dos Jogos e à má gestão pública.

*

Folha - Como o senhor vê a decretação de calamidade pública?
A história dos Jogos é uma de crise, mas nunca como esta. O Rio enfrenta uma tempestade perfeita. É a primeira vez que um país em crise financeira entra nos Jogos. Além disso, há crise na saúde, na segurança.

Do ponto de vista jurídico, me parece errado decretar calamidade pública, foi uma chantagem. O problema é que não existe plano B.

Do ponto de vista do investimento, o prejuízo seria maior se o governo [federal] não socorresse o Estado. A decisão foi arriscada, mas, do ponto de vista de administração, está correta. Foi uma situação de urgência que, juridicamente, é falha, mas o socorro era necessário.

É quase inevitável que uma coisa dessas aconteça porque uma Olimpíada é uma coisa gigantesca, é impossível administrar todas as dimensões. Na Grécia, a União Europeia deu 1 bilhão de euros. Em Londres, o governo também teve que liberar dinheiro, mas lá foi decidido na Câmara dos Comuns. Aqui, foi uma chantagem. A nossa Olimpíada será a última a ter crise. A partir de Tóquio será usado o que a cidade já tem.

Os Jogos são culpados pela crise atual?
Acho que não. As pessoas costumam dizer sobre a Grécia que os Jogos foram o início da crise lá. Aqui é diferente porque a proporção dos gastos em relação ao PIB é outra. A Grécia é um país muito menor. A Rio-2016 custará R$ 38 bilhões. Isso é pouca coisa do nosso orçamento, tanto federal quanto municipal.

Como chegamos a este ponto?
É de fato uma situação extrema. Se deve à má administração pública e ao gigantismo dos Jogos.

O que acha dos chamados "legados" dos Jogos?
As obras de transporte e o Porto Maravilha são coisas positivas. Mas o legado ambiental é nulo. Isso, inclusive, é uma fraude, porque a Rio-2016 se comprometeu a fazer jogos sustentáveis e não está nem perto disso. Na baía [de Guanabara], mal se tocou. O campo de golfe é um abuso ambiental. Eles dizem que farão Jogos sustentáveis, mas isso é um absurdo. Nem teria como, numa cidade como o Rio de Janeiro, onde 10% da população vive em favelas. O esgoto na baía vem de lá.

Do ponto de vista esportivo, o Rio talvez não tenha capacidade de manter os espaços construídos. Experiências passadas indicam que o governo não sabe administrar entidades esportivas. Veja os estádios da Copa. Não deveria existir essa coisa de legado. O que deveria haver é patrimônio público. O critério foi entregar obras, não se pensou no que viria depois.

O COI sabe que o modelo de Olimpíada que está se fazendo aqui é ultrapassado? Ele é cúmplice dessa situação?
Até certo ponto, sim, tanto que querem sair desse modelo. O foco deles é pressionar pela entrega das obras. Mesmo com a Agenda 2020, exigiram a entrega das obras. E esse é justamente o problema que criou o gigantismo. Acabam tendo responsabilidade. Talvez não cumplicidade, mas pragmatismo. Nos anos 1930, o barão de Coubertin [pai da era moderna dos Jogos] disse que os Jogos não podiam assumir o tamanho que a Olimpíada de Berlim havia tido. Isso em 1936. Ali já estava claro. Encerramos no Rio uma tendência histórica.

Quão longe está o Rio da Agenda 2020?
Totalmente. Não existirá mais concentração de competições em um só lugar como há no Parque Olímpico. Agora será espalhado. Aqui poderia ser entre Rio e São Paulo ou até Buenos Aires. Não tivemos como aproveitar nada. Compramos um produto que vai desaparecer.

Tem alguma proposta para o destino dos elefantes brancos?
Essa é a pergunta de um milhão de dólares. Fizeram uma demagogia, dizendo que vão transformar um dos estádios em escolas. Mas é só um. E o velódromo? Outra demagogia é dizer que vão abrir para a população. O esporte tem que ser feito perto do lugar onde as pessoas moram. Não existe uma fórmula de resolver isso. Os ingleses fatiaram as obras para reduzi-las em tamanho. Tem gente que diz que deviam derrubar tudo.

A imagem dos Jogos no Brasil e no exterior parece ter atingido seu ponto mais baixo. Acha que isso vai mudar?
Vai. Há estudos que mostram que isso sempre acontece. Durante um tempo, a imagem se mantém positiva. À medida que se aproxima a abertura, piora. Mas lá para o dia 15 de julho, vai melhorar. A cobertura da imprensa vai melhorar. Não podem ficar contra os Jogos. Os políticos vão ter que se entender, Dilma e Temer terão que aparecer lá juntos. Aqui, por um tempo, os patrocinadores estavam aparecendo muito. A mídia estava conivente com isso. Com a crise, eles começam a se dissociar para não comprometer sua imagem. Mas logo haverá uma mobilização. Outras forças vão entrar em ação.

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