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Federação de vôlei diz que Rio-2016 não queria reformar Maracanãzinho

Ary Graça, 73, será o único brasileiro presidente de uma federação internacional entre os 28 esportes dos Jogos Olímpicos do Rio. O que, segundo ele, não significa que haverá benefício ou prejuízo às seleções de vôlei do país. A importância do Brasil é outra. "É business, não é coração", afirma à Folha.

Desde 2012 no comando da FIVB (Federação Internacional de Vôlei) e reeleito neste ano para mandato que vai até 2024, Graça diz que foi o dirigente que menos reclamou da organização da Rio-2016 em reuniões com o COI (Comitê Olímpico Internacional).

No entanto, ele chama de "barbaridade" o atraso no início das obras de reforma do Maracanãzinho e afirma que Carlos Arthur Nuzman, 74, presidente do comitê organizador, queria o vôlei de praia em Botafogo, não em Copacabana, como vai acontecer. Nuzman nega a afirmação com veemência.

Graça também admite que, em repescagem para classificação para os Jogos, os resultados evidenciaram peso maior para critérios políticos e comerciais do que para fatores esportivos. Indica, porém, que vai reavaliar o modelo.

Nesta entrevista realizada em seu apartamento, no Leblon, antes de retornar para a sede da FIVB, na Suíça, Graça não queria falar apenas de um assunto: as denúncias de irregularidade na administração dele à frente da CBV (Confederação Brasileira de Vôlei). No fim, defendeu-se das acusações de 2014. "Não tem nada contra mim, não tem polícia federal, não tem ministério público, não tem nada porque não teve nada".

Zo Guimaraes/Folhapress
RIO DE JANEIRO, RJ, 13.06.2016: Retrato de Ary Graça, presidente da Federacao Internacional de Volei. Leblon, Rio de Janeiro.(Foto: Zo Guimaraes/Folhapress, ESPORTE) ***EXCLUSIVO FOLHA***
Retrato de Ary Graça, presidente da Federação Internacional de Vôlei

Vôlei na Olimpíada

"Estou chamando esta de Era de Ouro. Em Londres-2012, para minha surpresa, o esporte número um foi o vôlei de praia. Não tinha mais ingressos, tudo lotado, arrebentou. Pensei: vamos trabalhar, porque a próxima é no Rio, no país do vôlei, e, depois, no Japão, que nos sustenta. Lá, a Fuji TV, TBS e Nippon TV pagam por evento. Por exemplo, US$ 8 milhões pela Copa do Mundo. O Campeonato Mundial feminino de 2018 será no Japão, pagaram US$ 14 milhões. Com a Globo eu refiz o contrato de 2010, que vai até 2018. Por esse período eles pagaram entre US$ 20 e US$ 30 milhões pelos direitos de transmissão de tudo."

'País do vôlei'

"Sempre brinco que o vôlei é o primeiro esporte do país porque futebol é religião. Começaram as vendas e o vôlei disparou. Futebol atrás, depois natação e atletismo. Em termos de público, de entusiasmo, o vôlei vai se dar muito bem. Tem tudo para ser o número um da Olimpíada. Na outra já foi. Vamos tentar que sejam os dois [vôlei e vôlei de praia]. No vôlei, uns 90% dos ingressos já estão vendidos."

Público brasileiro

"O povo está treinado para ver vôlei. Por exemplo, vamos ver badminton? Nós vamos odiar, porque não sabemos a regra. Tecnicamente não temos capacidade de saber o que é certo ou errado. Muitos dos esportes aqui não vão dar público porque nego não entende. Nós não temos determinados esportes aqui. Quem vai ver badminton? E não é bom para a televisão, tanto badminton quanto hóquei na grama, a bolinha é pequenininha, e a TV detesta isso."

Maracanãzinho

"Uma barbaridade. Simplesmente o comitê organizador não queria fazer as reformas. Até que um dia, no fim do ano passado, caiu um pedaço do teto. E se cai na cabeça de alguém? Aí fui no COI e falei: 'Não vou jogar, o vôlei não vai nessas condições'. O COI apertou aqui e ali, e acabaram mandando fazer a obra. Só quero que faça. Não sei quem. A quadra de aquecimento também teve que fazer, mas já está resolvido. Acho que o vôlei foi o que deu menos problema para o comitê organizador. Disseram que eu era burro de fazer lá, mas o Maracanãzinho tem um fator icônico, é nosso templo. É o templo do vôlei. E ao Maracanã o povo já sabe ir."

Parque Olímpico da Barra

"Não quis ir para lá, não. Eu não fui aos jogos do Grand Prix por vários motivos e porque tenho que me recuperar [passou por cirurgia na coluna ano passado]. Me contaram que você caminha 1,5 quilômetro para chegar no estádio. Isso é afugentar o público demais. E lá é longe. O público da Barra é classe média e gosta de vôlei. Vai ver o basquete por causa dos americanos. O judô dá muita medalha mas não tem público, é pequeno dentro da Olimpíada de maneira geral."

Praia

"Queriam tirar o vôlei de praia de Copacabana e fazer em Botafogo, por causa da maré, porque a ressaca podia atingir a arena, o que está ocorrendo agora [semana passada]. Primeiro queriam fazer o fundo da quadra virado para o mar. Eu disse para o [Carlos Arthur] Nuzman: 'Você, em 1993, já fazia evento assim [quadra paralela ao mar], eu faço há 20 anos assim, agora quer mudar [gesticula na transversal]? Aí uma arquiteta veio falar comigo. Respondi: 'Não pode, faz do meu jeito que dá'. Será um espetáculo."

Obra sem alvará da Prefeitura

"Problema burocrático [na arena de vôlei de praia]. Mas pegou mal. Bobagem, mas dá cada susto. A gente está tão acostumado a ter sustos lá na FIVB que tem até graduação de um a dez. Essa foi pelo menos cinco. É uma coisa tão absurda, mas fácil de resolver, até pela minha ligação com a Prefeitura. O Fábio [Azevedo], meu diretor-geral, fala: 'Na FIVB você não morre de tédio, a cada dia tem um problema'."

Torcida para o Brasil

"O Brasil é um mercado muito importante para nós. Então é importante que mantenha, no mínimo, o nível que vem mantendo. Por quê? Renova o contrato com o Banco do Brasil, renova com a TV Globo, que aí renova comigo. É business, não é coração. Te juro por Deus, já fui a cinco Olimpíadas certo de que iria trazer quatro ouros, e não trouxe. Aprendi a lição. Hoje o Brasil tem condição de ganhar quatro ouros. Deixei bem claro: 'Não pode ajudar o Brasil e não pode prejudicar'. Não podemos ser mais rigorosos com o Brasil, nem facilitar."

Zé Roberto e Bernardinho

"Eles são cheios de títulos. Me dou magnificamente bem com o Zé Roberto, até como amigo, um sujeito muito ponderado, um tricampeão olímpico merecidamente. Bernardo é trabalhador, um sujeito obstinado, gosta muito do que faz, está feliz. E está ganhando. Está ganhando, não. Ganhou muitos títulos. Vai ganhar esse também porque o time brasileiro é muito bom."

Federações internacionais

"Reclamaram demais, principalmente as menores. Fui a uma reunião no COI em que os caras desses esportes que estão lá em Deodoro estavam alucinados. Nessa reunião, foram 27 reclamando. Daí chegou na minha vez, vôlei é o último, e eu disse: 'Eu não tenho nada a reclamar, acho que está tudo maravilhoso, vamos dar show de bola, Maracanãzinho é um templo'. Aí o [presidente do COI] Thomaz Bach disse: 'Finalmente um para me dar uma alegria'."

Repescagem mundial

A FIVB criou um pré-olímpico mundial com equipes do segundo escalão, sem europeus, que acabou classificando México (masculino) e Porto Rico (feminino) para o Rio.
"Na minha candidatura meu tema era inovação e oportunidade. Em Londres-2012, entre 12 times, tinha sete europeus (neste ano serão quatro no masculino e no feminino). Então, coerentemente, criamos um sistema para dar mais chances para mais gente. Comercialmente falando: abrir mercados; politicamente: dar oportunidade e não massacrá-los; esportivamente: cai um pouco o nível. Do ponto de vista esportivo em si, não é bom. Mais dois times europeus aqui, ia complicar (risos), em geral. Mas já avisei que para a Olimpíada seguinte vamos mudar o sistema novamente. Eu dei a chance, quatro anos de chances. Não vai ter mais a colher de chá."

Denúncias

"Acabou, acabado (renunciou à presidência da CBV em 2014, após denúncias de mau uso de verba pública). Não tem nada contra mim, não tem polícia federal, não tem ministério público, não tem nada porque não teve nada."

OUTRO LADO

Em entrevista à Folha, o presidente do comitê organizador dos Jogos, Carlos Arthur Nuzman, 74, afirma que o Maracanãzinho "vai ficar ótimo" com a reforma.

O dirigente não nega que tenha se oposto à iniciativa de reformar o ginásio a partir do momento em que se decidiu que os jogos de vôlei aconteceriam lá.

Mas tampouco admite, com clareza, que não gostaria que a obra fosse feita.

"Nós queríamos fazer o vôlei onde é a arena do handebol, no Parque Olímpico, com 14 mil lugares. A Federação Internacional não quis. Eles disseram que o Maracanãzinho é o templo do vôlei. Discordo. Fomos quarto colocado no Mundial lá [em 1990]. Templo de quem perde não é templo", afirma Nuzman.

"Nós usaríamos o Maracanãzinho para outra coisa, sem necessidade de um placar com um peso absurdo que a FIVB pediu e deu problema. Mas quem é responsável pela obra é o governo do Estado, não o comitê.
Estamos ajeitando, vai ficar ótimo e espero que o templo sagrado funcione positivamente", diz.

COPACABANA

Nuzman também negou a intenção de promover as partidas de vôlei de praia em Botafogo. Afirma que sempre defendeu Copacabana e critica Ary Graça.

"Há alguns meses, o Ary queria passar [a arena] para 15 mil ou 20 mil lugares. Estamos fazendo para 12 mil lugares. Eu disse que em Copacabana não dava por causa do mar, da ressaca. [Especialistas internacionais] Consultados disseram que só em Botafogo poderia ser feito devido ao tamanho da praia e porque ali não tem ressaca".

Nuzman completa: "Fizeram projeto. Mas sempre defendi Copacabana. O Ary é que queria mais. Não é verdade o que ele diz. Lamento alguém querer aproveitar disso."

*

ENTENDA AS DENÚNCIAS DE IRREGULARIDADES

Em março de 2014, denúncias de irregularidades em contratos vieram à tona em reportagens da ESPN Brasil, segundo as quais duas empresas de dois ex-dirigentes da CBV, Marcos Pina e Fabio Azevedo, teriam recebido R$ 10 milhões cada uma em comissões para intermediação de contratos diretamente tratados com patrocinadores.

No mesmo mês, o então presidente Ary Graça, a quem os dois eram ligados, pediu renúncia da presidência e foi sucedido por Walter Pitombo Laranjeiras, o Toroca.

A confederação contratou auditoria externa que confirmou o pagamento de recursos sob suspeita. Em seguida, disse que os contratos (com duração até 2017) seriam suspensos. Graça sempre negou as acusações.

O caso foi investigado pela CGU (Controladoria-Geral da União). O órgão federal emitiu relatório que gerou a suspensão do contrato de patrocínio do Banco do Brasil, que perdurava desde 1991 e pagava anualmente R$ 70 milhões à CBV, segundo a Folha apurou em dezembro de 2014, data da ruptura.

Meses depois, o banco retomou o patrocínio depois de a confederação cumprir uma série de exigências.

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