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Dez atletas brasileiros pegos no doping fazem delação premiada

Ao menos dez atletas brasileiros fizeram uma espécie de delação premiada para ajudar autoridades no combate ao doping, desde o início deste ano.

Os envolvidos, cujos nomes são mantidos em sigilo, foram pegos com substâncias proibidas pela Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD) e aceitaram contar como tiveram acesso aos medicamentos em troca de ter punições reduzidas.

A ABCD, órgão ligado ao Ministério do Esporte, encaminhou os depoimentos dos atletas ao Ministério Público de São Paulo.

O promotor criminal José Reinaldo Guimarães Carneiro foi quem assumiu o caso e pediu a abertura de um inquérito policial, em andamento na 2ª Delegacia de Polícia de Saúde Pública.

"Existem indícios graves. Doping é uma coisa que mexe com a credibilidade do esporte. O fato é especialmente diferenciado, às vésperas de o Brasil sediar os Jogos Olímpicos", afirmou o promotor de Justiça à Folha.

Parte da denúncia feita pela ABCD aponta que uma substância tem sido bastante utilizada: a eritropoietina, conhecida como EPO, uma das que o ex-ciclista norte-americano Lance Armstrong utilizava, conforme confessou depois de ter sido banido do esporte.

De 2014 até agora, foram seis casos identificados, em modalidades que exigem alto grau de resistência, como atletismo e ciclismo.

Trata-se de um hormônio sintético utilizado para o tratamento de doenças como anemia profunda e câncer, entre outras.

A Wada (Agência Mundial Antidoping, na sigla em inglês) considera o medicamento como proibido.

"Este hormônio faz com que o corpo produza mais hemácias, fazendo com que se transporte mais oxigênio do sangue para os tecidos, o que resulta em uma performance melhor", afirma Júlio Stancati, especialista em medicina esportiva. "O problema é que deixa o sangue com volume aumentado e mais viscoso, o que pode levar a problemas cardíacos, como tromboses, infartos e até AVC, levando a um sério risco de morte".

O aumento do número de casos de atletas utilizando a eritropoietina foi registrado quando a ABCD passou a fazer um controle maior dessa substância especificamente.

"Ficamos atônitos com a situação atual porque encontramos mais facilmente o EPO do que latinha de Coca-Cola zero", afirmou Marco Aurelio Klein, secretário nacional da ABCD e responsável pela denúncia ao Ministério Público, referindo-se à facilidade de encontrar a substância no mercado.

De acordo com ele, a decisão de levar o caso ao Ministério Público visa desvendar possíveis ilegalidades na comercialização do medicamento.

epo e o doping

COLABORADORES

Contudo, nem todos os atletas que participam da delação premiada —chamada oficialmente de programa de assistência substancial— foram pegos com o hormônio em questão.

Os dez atletas colaboradores estão ajudando com informações diferentes para as autoridades brasileiras. "Há vários casos que estamos indo atrás. O do EPO é um deles. A polícia e o Ministério Público podem nos ajudar muito", afirmou Klein.

De acordo com ele, a ABCD pediu recentemente a cassação dos registros profissionais de um médico e de um técnico, professor de educação física, por incentivo a atletas para o uso de drogas proibidas pela Wada.

Por ora, não foram revelados os nomes dos envolvidos e ainda não houve resposta sobre pedidos de cassação.

VENDIDO SEM PRESCRIÇÃO

O alvo da investigação aberta no dia 2 de junho é a "venda a atletas de substância proibida por meio da internet e em uma loja da zona leste de São Paulo", segundo a Secretaria de Segurança Pública.

O nome do estabelecimento, porém, foi mantido em sigilo para não atrapalhar as investigações.

Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a eritropoietina, a EPO, não está na lista de itens proibidos, mas só pode ser vendida em farmácias mediante apresentação de receita médica.

A reportagem encontrou facilmente medicamentos com a substância à venda na internet. Há pelo menos três sites que indicam o produto como disponível, sem pedir receita.

A Folha foi ainda a nove farmácias paulistanas para tentar fazer a compra. Apenas uma vendeu o produto à reportagem, a Sare Drogarias, na rua do Oratório, no Alto da Mooca, a que mais faz propaganda do hormônio pela internet.

O medicamento oferecido foi o Hemax Eritron, de uso intravenoso e subcutâneo, injetável. Em sua embalagem, com tarja vermelha, há o aviso "venda sob prescrição médica".

Custou R$ 40, com desconto de 5% por ter sido pago à vista, e foi vendido sem pedido de receita.

Em resposta à Folha, a drogaria disse que comercializa especialmente medicamentos desenvolvidos para tratar patologias como anemia, artrose, câncer e doenças autoimunes, e que o medicamento em questão é indicado para o tratamento da anemia, especialmente do paciente renal crônico.

Disse ainda que "segue as normas da Anvisa na comercialização desse e de outros medicamentos" e que "todos os funcionários são orientados pela farmacêutica responsável a solicitar a prescrição do médico".

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