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Micale compara futebol ao esquema de trânsito da Índia e não promete ouro

Chamado às pressas após Dunga ser demitido, o baiano Rogério Micale, 47, foi a solução doméstica encontrada pela CBF para comandar a seleção olímpica.

Vitorioso nas divisões de base, Micale terá a chance de conquistar no próximo mês o único título que falta ao time nacional: o ouro olímpico.

Formado em educação física e estudioso do futebol, o ex-goleiro do Londrina gosta de ousar ao discutir o esporte.

Para explicar o estilo de jogo que pretende impor na seleção olímpica, ele comparou o futebol ao confuso esquema de trânsito das metrópoles indianas
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Definida como teoria do "caos", o treinador promete uma equipe ofensiva com até quatro atacantes nos Jogos do Rio.

"Uso o trânsito da Índia para explicar essa teoria do caos. Você olha aquela movimentação constante e parece uma loucura. Mas tem um sentido. Se não tivesse, todos estariam mortos no final do dia", afirmou Micale em entrevista exclusiva na sede da CBF, no Rio.

"Quero privilegiar as nossas características, o improviso, o drible, o um para um, a ginga. Num time, tem que ter a organização, e também precisa de talento para desequilibrar a organização. Não podemos parar de estimular isso", acrescenta o treinador.

Fã confesso de Pep Guardiola e de Paulo Autuori, ele repete palavras incomuns para treinadores, como "terço final da partida" [ao citar o setor ofensivo] e "plataforma de jogo", e se recusa a prometer a conquista do ouro olímpico.

"Quem promete não tem conhecimento da complexidade do futebol. O acaso também faz parte", diz Micale.

*

Folha - Você é praticamente desconhecido do torcedor. Como define o seu trabalho?
Rogério Micale - O futebol é um jogo extremamente complexo. Tentamos manter o controle na maioria dos aspectos usando a ciência e a experiência ao longo dos anos. Gosto do jogo ofensivo. Com a bola, sempre prego a liberdade aos atletas. Costumo usar a palavra caos, mas nesse conceito também tem um certo sentido de organização. Acredito que essa ideia privilegia o jogador brasileiro.

Como assim?
O trânsito da Índia pode explicar melhor esse sentido de caos. Você olha lá e tem toda uma movimentação constante. Parece uma loucura, mas tem um sentido. É muito complexo, mas existe uma ordem dentro daquele contexto. Se não, todos estariam mortos no final do dia. Falo sobre o trânsito na Índia para fazer um paralelo com o futebol. Quero privilegiar as nossas caraterísticas, o improviso, o drible, o um para um, a ginga. No terço final de uma partida [o setor ofensivo], os nossos jogadores têm essa caraterística muito forte. Não podemos desprezar e parar de estimular isso.

Se você observar, os grandes jogadores nesse terço final de campo são buscados na América do Sul. Existe algo. Isso fala com a gente. No futebol existe todo um sentido organizacional, sistematizado e automatizado até o setor de meio-campista. Ali, tudo é inserido pelo técnico em cima de uma plataforma de jogo. A partir daí, a individualidade tem que prevalecer. Os grandes times do mundo mostram isso. Olha o Barcelona, com o Suaréz, Messi e Neymar. Neste último terço, vejo que esses jogadores têm algo mais. Num time, tem que ter a organização e também esse talento para desequilibrar a organização. Não podemos parar de estimular isso.

Então, podemos ver a seleção com quatro atacantes na Olimpíada?
Eu me baseio em cima do conceito. O da seleção é assim. É um conceito ofensivo, de construção e de tentar se sobrepor ao adversário. Temos que ver se o adversário vai nos deixar. Se ele for mais preparado, vai ser uma briga de força. Esse é um conceito [dos quatro atacantes] em que acredito e que em algum momento vai se chegar. Mas não podemos ficar muito presos nas nomenclaturas, atacante, defensor e meio campista. Futebol se faz com 11 na defesa e no ataque. É importante chegar num momento ofensivo com três ou quatro jogadores.

Quais são os treinadores que te inspiram?
Tento aprender com todos. Gosto do Tite, do [Carlo] Ancelotti, do [José] Mourinho, do Pep Guardiola. Você consegue ver que o time tem o dedo daquele profissional. Também gosto muito de Fernando Diniz. Ele ainda não é tão conhecido, comanda um time da Série B, mas me fala algo. Você consegue ver a cara do treinador.

Na seleção, a preparação emocional nunca foi feita de forma constante. Na Copa, vimos jogadores chorando antes dos pênaltis. Você fará algum trabalho emocional especial?
Acho importante, mas não temos esse profissional inserido na comissão agora. É uma área que acredito muito, de extrema importância de continuidade. Se a pessoa estiver bem de cabeça, ela vai fazer melhor. Isso não tem dúvida. Acho que esse profissional será inserido nos times brasileiros em breve. Antes, não existia preparador de goleiros. Agora, todos os clubes trabalham com ele. Mas, por enquanto, não temos.

A seleção terá a torcida novamente ao seu lado na Olimpíada. Os jogos serão em estádios da Copa. Como evitar o fantasma do 7 a 1?
É uma página triste da nossa história. Mas não podemos fazer nada para mudar essa situação. Aconteceu e ponto. Após essa tragédia, pode ter um recomeço mais forte. Fora o lado negativo, foi um grande passo para ter essa reflexão. Está surgindo novas ideias. Precisamos nos reinventar, aproveitar as novas caraterísticas e otimizar. Nenhum dos convocados estava no campo naquela derrota. O que vamos oferecer é trabalho, entrega, em busca desse sonho que é a medalha. Espero que o torcedor entenda que é um novo grupo que quer muito trazer esse título.

Você surpreendeu ao convocar o Fernando Prass. Ele tem 37 anos e nunca foi chamado para a seleção. Qual o motivo?
O Fernando tem uma qualidade inquestionável. Ele é um dos melhores do futebol brasileiro, tem uma personalidade boa, é bom pegador de pênaltis. Podemos enfrentar isso nas Olimpíadas. Fora isso, ele tem um perfil de liderança saudável, de comprometimento. E estava precisando de um goleiro experiente. Ele foi chamado por merecimento.

O Prass assinou um documento em dezembro pedindo a renúncia imediata do presidente da CBF, Marco Polo Del Nero. Quando você mostrou a lista para o presidente, ele disse alguma coisa? Chegou a pensar em vetar?
Não teve nenhuma reação. Ele me deu total liberdade.

Na convocação, você disse que pretende contar com a ajuda do Tite. Já está definido como será?
Ele é uma referência para todos. Quero contar [com ele] em cada oportunidade que tiver. Pretendo levá-lo para a Granja Comary. Quero conversar com ele após os jogos. Sei que ele está trabalhando muito por causa das eliminatórias, mas o Tite é um grande reforço para qualquer um.

Você promete a conquista do título inédito?
Só prometo trabalho. Farei tudo que for possível ao nosso alcance. Um jogo de futebol é complexo. Não adianta fazer tudo certinho. Num dia, o goleiro adversário pode segurar tudo. Por isso, é apaixonante. Às vezes, você tem 70% de posse de bola e perde o jogo. Seria leviano prometer alguma coisa. Quem promete não tem conhecimento da complexidade do futebol.

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