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Removidos de casa devido à Olimpíada contraem dívida e criticam prefeitura

Quando a casa de Isabel Ribeiro, 57, foi demolida para abrir caminho para a Transolímpica —a via expressa que liga o Parque Olímpico ao Complexo de Deodoro, na zona oeste do Rio de Janeiro—, ela deixou para trás uma vala de esgoto a céu aberto, ratos e baratas, mas foi cobrada por uma dívida de R$ 75 mil.

Ao deixar sua casa na Vila Autódromo, comunidade removida parcialmente ao lado do Parque Olímpico, Vânia Cristina da Silva, 32, ganhou um apartamento com saneamento básico, mas diz que sofreu complicações na gravidez e perdeu o bebê devido ao estresse da remoção.

A dez dias do início dos Jogos Olímpicos, a competição é a última preocupação das pessoas que moravam em áreas de interesse da Rio-2016 e que foram reassentadas em outros locais da cidade.

A Folha visitou os condomínios Parque Carioca, para onde foi parte dos ex-moradores da Vila Autódromo, e o Condomínio Colônia Juliano Moreira, destino de quem foi removido para a construção da Transolímpica.

Ambos ficam em Jacarepaguá, na zona oeste, a mesma região de onde vieram os moradores. Obras do programa federal Minha Casa Minha Vida, as unidades residenciais são coordenados pela prefeitura, que as planejou, selecionou os moradores e tratou do licenciamento.

O município ofereceu aos ex-moradores da Vila Autódromo e das áreas da Transolímpica a opção de aceitar uma indenização ou se mudar para um apartamento que seria financiado pela prefeitura e passaria a ser de propriedade deles.

Muitos, no entanto, queixam-se de que não teria ficado claro se eles receberiam a posse dos imóveis imediatamente —o que é corriqueiro em casos de financiamento.

No caso da Colônia Juliano Moreira, houve um problema adicional: a prefeitura se encarregou do financiamento e pediu aos moradores que assinassem contratos, mas não lhes deu cópias dos documentos. A informação foi antecipada pela Agência Pública um junho. Segundo o município, os documentos serão entregues após registro em cartório.

NOME SUJO

Depois de se mudarem, os moradores começaram a receber cobranças do Banco do Brasil, agente financeiro da obra, que diz que eles devem R$ 75 mil, o valor do apartamento. Alguns dizem ter sido incluídos na lista do SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) por causa da dívida.

É o caso da costureira e doméstica Isabel Ribeiro, que descobriu que estava com o nome sujo quando tentou comprar uma máquina de costura.

"A gente passa por muita humilhação. O banco liga e nos trata mal. Na prefeitura, ninguém nos atende. Cheguei a perder o emprego de tanto que faltava para resolver esses problemas, mas até agora não consegui", diz.

Ela afirma que a cobrança indevida é sua única queixa sobre a nova casa. "Eu tinha vergonha do lugar onde eu morava. Aqui, não tenho mais. Não fosse esse problema da dívida, seria a mulher mais feliz do mundo".

Mas há quem se arrependa da mudança, entre os ex-moradores da Vila Autódromo, que se tornou símbolo das remoções ligadas aos Jogos devido à resistência de seus habitantes.

Vânia Silva, que é manicure, afirma que fazia parte do grupo que resistiu à remoção. Chegou a brigar com parentes que discordavam. "Perdi meu filho por causa desse estresse".

Ela diz que se sente enganada pela prefeitura. "O [prefeito] Eduardo Paes disse que eu seria dona do apartamento e não cumpriu, me colocou no Minha Casa Minha Vida sem me explicar nada, só depois entendi que era um financiamento".

"Por piores que fossem as condições na minha casa na Vila, ela era minha, eu podia fazer o que quisesse com ela. Agora, sou uma prisioneira na minha própria casa", declara.

De acordo com a manicure, o contrato que assinou proíbe aluguel ou venda do apartamento. Ela só poderá fazer esse tipo de negócio após o pagamento do financiamento, que dura até dez anos. "Quem garante que o próximo prefeito vai continuar pagando esse financiamento?", questiona.

Além disso, moradores reclamam de falta de manutenção do edifício. Segundo eles, falta água com frequência e há buracos e rachaduras nos apartamentos.

OUTRO LADO

A Secretaria Municipal de Habitação e Cidadania disse, em nota, que as notificações de dívida devem ser desconsideradas pois a prefeitura arcará com o pagamento das prestações do financiamento.

A responsabilidade por essa cobrança indevida, diz o órgão, é do Banco do Brasil. Já a instituição financeira diz que a prefeitura é responsável pela regularização.

Segundo a secretaria de habitação, os pagamentos à Caixa —referentes aos imóveis do Parque Carioca— estão em dia.

"No caso do Banco do Brasil, é a primeira vez que este participa como agente financeiro do Minha Casa, Minha Vida e o processo de repasse, apesar de um pouco mais longo, já está sendo regularizado", declarou em nota a secretaria.

A Prefeitura do Rio não considera que esteja descumprindo uma promessa com as famílias reassentadas ao não torná-las proprietárias dos imóveis imediatamente, pois elas têm como garantia um contrato lavrado nos nomes dos beneficiários. Além disso, as regras contratuais estão explícitas nos documentos assinados pelas famílias, diz a Prefeitura.

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