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Estádio olímpico, Engenhão vira 'ilha' reformada em bairro malcuidado

Quem desembarcar do trem na estação do Engenho de Dentro, zona norte do Rio, para assistir às jogadoras brasileiras de futebol enfrentarem as chinesas no estádio Olímpico João Havelange, o Engenhão, não poderá reclamar de falta de sinalização.

Placas, balcões de informação, pinturas no chão gritam: venha por aqui! Parecem fazer de tudo para que os torcedores não desçam do lado errado da linha do trem.

Se fizerem isso, verão o lado B do Engenhão, que tem uma cara bem diferente da Praça do Trem, onde foi erguido o estádio que sediará as competições de futebol e atletismo da Olimpíada.

A praça foi apresentada pela Prefeitura do Rio como um dos legados para os cariocas.

"Não é só lado B, é lado B a Z", diz o aposentado Alex Haydar, 54, que mora no Engenho de Dentro há 25 anos. "Arrumaram a praça toda e deixaram o resto do bairro, principalmente do outro lado da linha, largado".

O contraste é aparente do chão ao horizonte. De um lado, o asfalto é um tapete. Do outro, o meio-fio é uma vala. De um lado, sobem prédios de um condomínio de alto padrão. Do outro, avista-se nos morros ao fundo um conjunto de favelas.

"Isto aqui é obra para inglês ver", diz o morador Marconi Scheffer, 47, no intervalo de uma corrida na ciclovia que circunda o estádio.

"É claro que acho bom ter uma opção de lazer perto de casa, mas o que a prefeitura fez aqui foi para atender o estádio, e não os moradores", diz o presidente da associação de moradores do bairro, Aníbal Antunes, 46, que vive logo atrás da arena.

A prefeitura restaurou os galpões tombados que estavam na praça, mudou a iluminação, fez um projeto de paisagismo, consertou a rede de drenagem e fez uma nova pavimentação.

Mas deixou intocadas calçadas esburacadas, terrenos baldios e áreas com esgoto a céu aberto no bairro que tem IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de 0,857 e fica em 48º lugar no ranking de 126 bairros da cidade.

A travessa Engenho de Dentro, que passa embaixo da linha do trem, concentra vários dos problemas citados por moradores.

Reivindicação antiga deles, a passagem subterrânea tem cheiro de urina e fezes secas nos cantos, paredes são pichadas e não há nenhuma iluminação. "Não dá para passar aqui depois das 18h. Até estupro já teve", diz a aposentada Ieda Bittencourt, 66, que nasceu no bairro.

Quando sai de casa para resolver alguma coisa no bairro, ela não leva bolsa nem celular. O dinheiro vai numa pochete que ela esconde sob a roupa. A falta de segurança no local foi citada por todos os moradores ouvidos pela reportagem.

A prefeitura reconhece que as intervenções feitas beneficiam apenas o entorno imediato do estádio. Elas atingiram as ruas que formam o quadrilátero do entorno do estádio: Arquias Cordeiro, José dos Reis, Doutor Padilha e das Oficinas.

Do outro lado da linha do trem, cita uma intervenção: resolveu um problema crônico de drenagem na rua Amaro Cavalcante, via que corre paralela à linha férrea.

Diz que outra etapa do projeto de reurbanização beneficiou outras 32 vias. Ao todo, foram gastos R$ 115 milhões.

Ao lado do Engenhão, a prefeitura instalou, ao custo de R$ 10 milhões, uma Nave do Conhecimento —espaço onde moradores podem ter acesso à internet e a cursos e atividades— e o Museu Estádio Olímpico, com aparelhos high-tech e interativos que contam a história dos Jogos e mostram curiosidades sobre os atletas.

"Eu não quero ver atleta, quero ver um hospital sem fila para consertar minha hérnia, uma escola para os meus filhos. De que me serve saber a história da Olimpíada?", questiona a auxiliar de serviços gerais Maria Aparecida Estevan, 53.

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