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Famílias criam galinhas e vendem ovo caipira a 50 metros da Vila Olímpica

Cinquenta passos separam o som das folhagens e cacarejo das galinhas do barulho dos carros e ônibus da avenida Salvador Allende, em frente à Vila Olímpica.

Da calçada em frente ao condomínio dos atletas, é possível ver dezenas placas brilhando de novas indicando a direção das arenas dos Jogos Olímpicos do Rio.

A única que destoa é uma placa de madeira velha, já úmida e mofada, presa num portão em nível abaixo da calçada recém inaugurada, com o anúncio "Ovos Caipira [sic]. 10,00 dz [dúzia]", que fica na entrada de uma vila de pescadores às margens da lagoa de Jacarepaguá.

Do portão do galinheiro, a cerca de 50 metros da Vila Olímpica, é possível ver as bandeiras das delegações da Romênia, Bahamas, Honduras, Seychelles e Suíça. Do outro extremo do quintal, está à vista a cobertura do Estádio de Esportes Aquáticos.

As 14 casas da pequena colônia não são percebidas pela "família olímpica", acomodada nos 31 edifícios da Vila Olímpica e que passa por ali em ônibus, correndo e até em treinos de bicicleta. Uma sequência de árvores esconde uma roça em meio ao burburinho dos Jogos.

"A gente está melhor aqui. Ali eles têm violência e os problemas da cidade", disse Rogério Ramos, 46, que mora no local há 29 anos.

Oito famílias vivem nas casas alinhadas com a margem da lagoa. As demais construções eram usadas como base para pescadores que trabalhavam antes da poluição completa das águas.

AREIA BRANCA

"Isso aqui era tudo areia branca. Na lagoa tinha robalo, tainha e até camarão pitu. Era uma delícia", disse Tânia Costa, de 56 anos, 20 deles vividos na pequena vila.

A área dos Jogos era um pântano quando os pescadores se instalaram, há cerca de 50 anos. A partir da década de 1970, foram construídos o Riocentro —centro de convenções usado na Olimpíada— e centenas de condomínios. O mais recente, usado para abrigar os atletas.

Os condomínios, no entanto, chegaram antes do sistema de esgoto. A poluição praticamente acabou com a vida na lagoa de Jacarepaguá.

De acordo com a Cedae, até 2007, ano dos Jogos Pan-Americanos, nenhum esgoto era tratado na região da lagoa. Agora, cerca de 20% dos moradores ainda não estão ligados à rede coletora.

"Nunca poluímos a lagoa. Temos uma fossa e a cada seis meses vem um caminhão levar tudo. Quem polui são eles lá", disse Costa, apontando para os condomínios na outra margem.

Com a morte da lagoa e o fim da pesca na região, alguns passaram a se deslocar para outros rios para trabalhar. Outros, iniciaram a criação de galinhas ali mesmo.

Ao longo de todo esse tempo, a colônia se manteve praticamente da mesma forma. As casas atuais foram erguidas com ajuda de uma ONG na década de 1990.

"Ninguém invadiu isso aqui por causa da gente. Se não fôssemos nós, isso aqui já era um favela", disse Sebastião Falque, 59.

A colônia fica próxima à Vila Autódromo, favela vizinha ao Parque Olímpico do Barra de onde foram removidas cerca de 500 famílias -apenas 20 ficaram, com casas novas.

Tânia Costa afirma que eles devem ser o próximo alvo das remoções.

"Já recebemos notificações. Isso aqui deve virar um parque para eles ali", diz ela, referindo-se aos futuros moradores da Ilha Pura.

ADAPTAÇÃO OLÍMPICA

A chegada da Olimpíada foi observada à distância. Num primeiro momento, sequer sabiam que os 31 prédios que eram construídos ali seriam destinados aos Jogos.

O movimento de operários despertou o interesse de Costa, que viu ali mais uma oportunidade de renda.

Cadeiras e mesas de plásticos, uma mesa de sinuca, um caça-níquel e caixas de som passaram a dividir o espaço do quintal com as galinhas, gatos e cachorros.

"Comecei a ir no canteiro e chamar o pessoal para vir comer aqui. Montei esse restaurante que funcionou bem por dois anos. Muitos eram do Nordeste e diziam: 'Ah, isso é igual à minha terra", disse.

Costa conta que nenhum membro da "família olímpica" se arriscou a entrar pelo portão onde se anuncia a venda de ovos caipiras. Mas ela aguarda com carinho atletas e demais credenciados.

"Quero que eles venham e tragam seus dólares!", disse ela, para em seguida dar comida às galinhas.

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