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Caminho do ouro teve confusão de arbitragem e algoz dos Jogos de Londres

O Brasil conta com o fator casa na Rio-16. E foi no quintal de uma de suas atletas que veio o primeiro ouro. A judoca Rafaela Silva, 24, se tornou primeira campeã olímpica do Brasil a oito quilômetros de onde nasceu e foi criada, na Cidade de Deus.

Ela conquistou a medalha de ouro nesta segunda-feira (8) na categoria leve (até 57 kg), ao vencer a mongol Sumiya Dorjsuren, número um do mundo, na final do judô.

Assim como quando conquistou o Mundial no Rio, em 2013, ela se ajoelhou no tatame e comemorou. Pulou para a arquibancada e foi comemorar com a família e amigos que assistiam à luta na Arena Carioca 2, no Parque Olímpico da Barra.

O presidente do COB (Comitê Olímpico do Brasil), Carlos Arthur Nuzman, cumprimentou a judoca quando ela se encaminhava para o vestiário. É o primeiro ouro do Brasil da Olimpíada.

Rafaela venceu com um waza-ari aplicado pouco depois de um minuto de luta. A marcação do golpe exigiu a consulta ao vídeo por parte dos árbitros.

No decorrer do confronto, a brasileira conseguiu se livrar de um golpe perigoso da mongol. Aos poucos, ela conseguiu fugir das tentativas de ataque da adversária, o que acabou lhe rendendo dois shidôs (punição).

"Ela fez o maior esforço para representar o país. Quando entrou na internet para ver se tinha algum apoio, só viu gente chamando de macaca. Ficou desanimada", disse o pai da judoca, Luiz Carlos do Rosário Silva, 50.

"Falaram que judô não era para mim, que lugar de macaco era na jaula e não na Olimpíada. Eu provei para todos que me criticavam que eu posso estar entre as melhores da minha categoria", afirmou a nova campeã olímpica.

Rafaela pensou em abandonar o judô. Passava as tardes na casa dos pais ou passeando com amigas. O COB (Comitê Olímpico do Brasil) e a CBJ (Confederação Brasileira de Judô) fizeram uma operação para resgatar a atleta.

Silva supera assim uma derrota traumática em Londres-12, quando foi eliminada na primeira luta. Após a queda, ela discutiu com torcedores na internet. Alguns fizeram ofensas racistas contra a judoca e ela quase abandonou o judô.

A última Olimpíada também atravessou o caminho de Rafaela na Rio-16. Ela enfrentou nas quartas-de-finais a húngara Hedvig Karacas, de quem havia perdido em Londres-12. Ela venceu sem muitas dificuldades, ao aplicar um waza-ari e administrar o restante da luta.

Na semifinal, ela venceu a romena Corina Caprioriu, 30, numa dura luta que durou sete minutos –o tempo regulamentar é de quatro minutos. A luta foi decidida no golden score, quando a brasileira aplicou um waza-ari na adversária.

O confronto foi marcado pela confusão da arbitragem na fase final da luta. Os juízes chegaram a dar a vitória para Rafaela, que teria aplicado um yukô durante o golden score, mas a decisão foi revista. Ao fim da luta, Caprioriu e Rafaela se cumprimentaram com euforia pela longa luta.

Uma das que ajudaram a reerguer a atleta foi Nell Salgado, 44, coach esportiva, que usa a "neurolinguística para o autoconhecimento" –técnica que descreve como "tiro, porrada e bomba". "Ela começou a se perceber, a entender quem era, de onde ela veio e ter orgulho disso para que a opinião das pessoas já não ter mais importância para ela", disse Salgado.

ORIGEM
Rafaela sabe bem de onde veio e o que significa sua vitória. "A gente não tem muito objetivo lá na Cidade de Deus [favela do Rio]. Só vive lá dentro, não tem muita coisa. Se uma criancinha tem um sonho, mesmo que ele demore a chegar, como eu não consegui realizar em Londres, é acreditar, batalhar, que ele pode se realizar", disse.

Ela era conhecida na favela como uma menina brigona. Aos cinco anos, para tirá-la da rua, sua mãe, Zenilda Lopes da Silva, 45, decidiu inscrevê-la em aulas de judô.

Acabou descoberta por Geraldo Bernardes, ex-técnico da seleção, hoje treinador de dois judocas da equipe de refugiados da Rio-16. "Eles [refugiados] vivem uma guerra declarada. Ela [Rafaela] vivia uma guerra silenciosa, debaixo dos panos, que todo mundo sabe que existe no Rio, mas ninguém presta muita atenção. E ganhar essa medalha é prova de que o esporte tem esse enorme poder de transformação", disse.

Quando começou no esporte, a família já havia parado de pular de casa em casa na favela. Juntou recursos para comprar um barraco na comunidade, mas teve de dormir sobre jornais para ajeitar o local.

"A casa não era uma casa. Vazava água da laje toda, que estava quase caindo. A gente não podia sair porque ainda estava pagando. Ou a gente consertava a casa ou a gente morava daquele jeito. Como compramos com dificuldade, dormíamos no jornal [até consertar os problemas]. Era como se morássemos na rua", disse a mãe da judoca.

André Mourão/NOPP
Rafaela Silva é abraçada após ser campeã na Rio-2016
Rafaela Silva é abraçada após ser campeã na Rio-2016

DIVERSÃO
No início, as competições do judô eram uma diversão para Rafaela. As lutas de quatro minutos eram intervalos para as brincadeiras com os colegas do esporte. Ela passou a se interessar pela profissionalização após ver a irmã, Raquel Silva, 27, também judoca, subir na carreira. "No começo, não levava a sério. Mas quando a irmã começou a se destacar e viajar, ela ficava chorando dizendo que queria viajar", disse a mãe.

Aos poucos, a brincadeira virou profissão. Em 2008, foi campeã mundial júnior em Bangcoc (Tailândia). As vitórias a transformaram em uma chefe de família: passou a bancar a reforma da casa dos pais e ajudar a irmã.

A família saiu da Cidade de Deus –onde ainda moram os tios– e vive agora no Anil, bairro de classe média baixa da zona oeste do Rio.

No último ano, a judoca comprou uma perua Kombi para o pai ter uma renda fazendo frete e transporte de passageiros. Deu um carro para mãe e para a irmã. Mora no Méier (zona norte).

O próximo projeto, a ser financiado com o prêmio da medalha de ouro, é terminar o acabamento do terraço da casa, que ainda tem ferragens expostas. "Ela [Rafaela] é como se fosse um pai para mim. Ela me dá coisas que meu marido não tem condições de dar", disse a mãe.

Brasileiros classificados para a Olimpíada

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