A primeira lembrança de Kahena Kunze, 25, de uma Olimpíada foi a festa feita há vinte anos para o primeiro pódio de Robert Scheidt, em Atlanta-96. Ela se recorda vivamente de estar dentro da cabine do caminhão do Corpo de Bombeiros que carregava o medalhista de ouro e amigo da família no Iate Clube Santo Amaro, na represa de Guarapiranga.
Martine Grael, 25, lembra-se vagamente de buscar o pai, Torben Grael, no aeroporto após conquistar o ouro no mesmo ano. Quatro anos depois, ela já tem clara na memória sua mãe, Andrea, lhe chamando para ver a nova medalha da família.
"Estava na escola e minha mãe me ligou: 'Vem para cá no clube que está todo mundo assistindo à última regata'. Foi a maior comemoração. Uma das poucas vezes que minha mãe me tirou da escola", disse Martine à Folha antes da Rio-16.
As duas respiram Jogos desde a infância, o que as ajudou a naturalizar a competição que conquistaram nesta quinta-feira (18).
Martine faz parte da lendária família Grael, que acumula agora oito medalhas.
"A vela é uma paixão. A gente vive um ambiente de vela constantemente. Foi natural que ela se interessasse pelo esporte. Competir é algo muito pessoal", disse Torben.
Kahena é filha de Cláudio Kunze, campeão mundial junior na classe pinguim, e sobrinha de Cláudio Biekarck, técnico de Scheidt em suas três primeiras medalhas.
Nesse ambiente, o início na vela foi natural. Assim como o título mundial júnior na classe 420 que as duas, amigas desde a adolescência, conquistaram em 2009.
Aquele ano marcou uma divisão da dupla. Martine foi tentar uma vaga em Londres-12 ao lado de Isabel Swan na classe 470. Kahena decidiu dedicar-se ao curso de engenharia ambiental na PUC-Rio.
A primeira tem um DNA mais competitivo. A segunda o adquiriu mais neste ciclo olímpico.
"Corri aquele campeonato de 2009 muito mais por hobby do que profissionalmente. A gente velejava só durante o fim de semana", contou Kahena.
Que esporte é esse? - Olimpíada - Folha de S.Paulo
Cláudio Kunze não seguiu a carreira de atleta profissional. Engenheiro, dedicou-se a desenhar barcos maiores, para regatas oceânicas. Para ele, isso explica as rotas distintas na carreira da dupla.
"Martine é filha de Torben Grael, que sempre foi profissional da vela. Eu não segui isso. Optei em trabalhar com barcos e não viver da vela. Temos um lado mais amador do esporte", disse Kunze pai.
As duas voltaram a velejar juntas após Londres-12, para a qual Martine não conseguiu vaga. Kahena recebeu o convite quando estava a caminho da fazenda orgânica de uma amiga em Portugal.
A dupla dominou a nova classe olímpica da vela, a 49er FX, na primeira metade da preparação para a Rio-16.
O início foi arrasador. Elas ficaram em segundo no primeiro Mundial da classe que disputaram. Em 2014, assumiram o topo do ranking –de onde não saíram mais– e foram eleitas as melhores velejadoras do mundo pela World Sailing, entidade que rege o esporte, e as melhores atletas no Prêmio Brasil Olímpico.
Amigas desde a adolescência, mantiveram hábitos que soam juvenis. Um deles é dar aos mastros que usam nomes de comidas típicas do local de competição.
Acerola, Manga, Manuca Honey (Nova Zelândia), Maple Syrup (Pan de Toronto-15) e Kombucha (Miami) fazem parte da lista. Na Rio-16, elas tiveram a companhia de Açaí.
Os quatros anos juntas, porém, pesaram. Evitar desentendimentos na água passou a ser um dos focos da dupla, que contou com psicólogo para ajudar na intensa convivência.
"Nesses quatro anos, nos conhecemos melhor. Éramos amigas, mas não tínhamos essa noção do 24 horas por dia. Notamos coisas uma na outra e passamos a ceder e a trabalhar em cima disso", disse Kahena.
Ela é a proeira, responsável pela regulagem das velas. Martine é a timoneira, espécie de comandante do barco.
"Proeiro tem que estar sempre alegre, porque só leva esporro do comandante. Kahena encara tudo com mais felicidade", disse Cláudio, pai da proeira.
Na tarde de sexta, as duas sorriram com o ouro.
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