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Caster Semenya volta a ser veloz, e o esporte a discutir se ela é ou não mulher

Caster Semenya, 25, entrará na pista para a disputa dos 800 m rasos neste sábado (20) como favorita ao ouro, e os olhos de todos estarão atentos a cada músculo, cada pelo, cada curva (ou falta de). 

O espanto com o corpo da corredora é a reação mais fácil e rápida a uma questão sensível, que ainda levanta muita controvérsia e ganha novos contornos se os olhos estiverem atentos também ao cronômetro.

Após não mostrar bons resultados nos últimos dois anos, Caster voltou a ser veloz. A recuperação coincide com o fim da exigência de tratamento hormonal para mulheres do atletismo que apresentam altos níveis de testosterona.

A sul-africana é favorita ao ouro e já mostrou que está pronta para quebrar também o recorde mundial. A marca de 1min53s28 perdura desde 1983. Neste ano, ela correu 1min55s33.

Seria um feito e tanto. E há quem diga que, por ser tão emblemático, ela pode até evitá-lo. Se tornando a mais rápida do mundo, levantaria ainda mais polêmica sobre sua condição.

"Não estou focada em recordes. O meu foco é curtir o campeonato e ir para casa com uma medalha de ouro. Essa é minha meta", disse Caster ao site oficial do comitê organizador.

É só assim que ela dá entrevistas. Enquanto todas as atletas fazem uma peregrinação pela área dos jornalistas falando com quem as chamar, a sul-africana passa direto e só dá declarações aos organizadores.

É uma forma de se poupar do bombardeio que enfrenta desde 2009. No Mundial de Berlim-2009, a atleta que cresceu como mulher começou a enfrentar questionamentos sobre seu gênero após se tornar campeã dos 800 m com a maior vantagem da história. 

Caster é o que chamam de intersexual, pessoa que possui características sexuais e reprodutivas que não se restringem à definição típica de homens e mulheres. 

"Há mulheres, por exemplo, que nascem com vagina, mas não têm útero e têm testículos internos. O sexo social dela é feminino", diz Eduardo De Rose, membro da Wada (Agência Mundial Antidoping).

O corpo da sul-africana gera, de forma natural, níveis de testosterona semelhantes aos dos homens, o que se conhece como hiperandrogenismo. 

A aparência forte e masculinizada aliada à velocidade na corrida a fizeram enfrentar críticas, rivais disseram que ela era homem e que sua permanência nas postas era injusta.

Caster passou por uma série de testes para verificar sua condição física. Os chamados exames de feminilidade foram criados em 1967 para garantir que só mulheres disputassem os eventos femininos. Até 2000, eram mandatórios.

"O argumento principal para acabar com a obrigatoriedade foi que alegavam ser discriminação fazer em mulheres e não em homens", afirmou Eduardo de Rose. "Mas até hoje, se houver dúvida sobre o sexo de um atleta, ele será investigado. Ela passará por exames hormonais, ultrassom e, se necessário, encaminhado para tratamento", afirma De Rose.

Com o fim do teste, a Iaaf (federação internacional de atletismo) criou parâmetros baseados na testosterona para barrar ou não mulheres em suas provas –o limite estabelecido é de até 10nmol/l, e a atleta tem de apresentar essa marca por um ano antes de competir em eventos femininos. A testosterona ajuda a incrementar a massa muscular e se discute se daria ou não vantagem desleal às competidoras.

"O nível de testosterona em si não é um problema. Mas há pessoas que têm receptores musculares que tomam esse hormônio e aumentam a força do músculo", diz De Rose.  

Se apresentar mais do que isso, a esportista é encaminhada para tratamento hormonal e/ou cirurgia nos órgãos genitais e reprodutivos, como a retirada de testículos internos, por exemplo.

Não se sabe ao certo a que tipo de tratamento Caster foi submetida, mas desde 2009 ela tem corrido mais devagar. 

Foi prata na Olimpíada de 2012 e no Mundial de 2011, com marca cerda de 1s acima do que costumava fazer (1min56s35). Em 2013, piorou quase 3s (1min58s92). Dois anos depois, nem conseguiu ir ao Mundial.

O retorno da velocidade de Caster coincide com o surgimento de outra atleta com sua mesma condição. Dutee Chand, 20, foi proibida de correr por conta do seu alto nível de testosterona. Decidiu brigar. 

O argumento da indiana é de que não podia ser punida por algo que ser corpo faz naturalmente e, além disso, os homens não são nem testados para verificar se têm níveis de testosterona mais altos do que os de outros atletas.

Dutee ganhou a ação em julho de 2015. A CAS (Corte Arbitral do Esporte) avaliou que não há evidencias suficientes que comprovem a vantagem da atleta por conta do hormônio e deu até 2017 para a Iaaf confirmar cientificamente seus argumentos.

Dutee não passou das eliminatórias dos 100 m na Rio-2016. Já Caster chegou  à Olimpíada com uma marca a 2s do recorde mundial 2009 (1min55s33). 

A velocidade voltou, e a controvérsia também. 

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