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Análise

Design na Rio-2016 é ponto fora da curva e valoriza o talento brasileiro

Frequentemente nós brasileiros passamos vergonhas internacionais pelo desconhecimento de nossos gestores públicos e privados a respeito do papel que o design pode exercer em tudo o que o homem constrói –dos objetos às marcas, dos ambientes às roupas. Foi assim na Copa do Mundo realizada em solo brasileiro e foi assim quando o presidente em exercício instou seu filho Michelzinho, para que, do alto de seus 7 anos de idade, escolhesse o logotipo que deveria representar o governo brasileiro.

Todo o design vinculado à Rio-2016 foi um ponto fora da curva, feito rigorosamente dentro de parâmetros altamente profissionais e valorizando o talento brasileiro. A começar pela escolha da Tátil Design de Ideias, entre 138 concorrentes, para fazer a marca dos Jogos Olímpicos e do escritório paulista Chelles & Hayashi para o projeto da tocha. Recentemente entrevistei Bete Lula, diretora de marca do Comitê Rio 2016, e senti a firmeza de quem entende do riscado e sabe se cercar de profissionais competentes.

A marca da Olimpíada foi plenamente absorvida pela população carioca e pelos visitantes, que a reaplicou em múltiplos suportes. Neymar foi apenas um dos que a tatuou em seu próprio corpo. Um dos mais reconhecidos designers vivos, o norte-americano Milton Glaser (autor do símbolo "I love NY" com a imagem de um coração no lugar do verbo), publicou na revista Wired uma análise das marcas olímpicas até hoje e colocou a brasileira em segundo lugar, atrás apenas daquela das Olimpíadas de 1964 em Tóquio.

A ideia de as cerimônias de abertura e de encerramento materializarem a chamada brasilidade –um atributo tão intangível como sujeito a toda a sorte de estereótipos e de interpretações rasas– esteve na base das escolhas das equipes que se encarregariam dos eventos. Elas conseguiram ser, na minha opinião, espelhos nos quais podemos nos reconhecer e nos quais queremos nos ver reconhecidos pelo mundo.

A escolha da gambiarra como mote da cerimônia de abertura me pareceu extremamente acertada. Criar a partir da precariedade não é uma invenção brasileira, mas uma "estratégia de sobrevivência" à qual populações pobres dos países do hemisfério sul recorrem para atender às suas necessidades do dia a dia. Brasileiros são experts nela, fazendo muito com pouco e driblando a precariedade com enorme inventividade. A equipe soube dosar na medida certa essas referências com o legado de artistas do porte de Athos Bulcão. De maneira geral, as avaliações positivas predominaram.

Não foi o que aconteceu com a cerimônia de encerramento, que recebeu algumas críticas no sentido de ter sido excessivamente regionalista, o que é visto como um defeito. Não consigo entender o uso desse termo. Nunca se chama de regionalista uma manifestação cultural ocorrida em São Paulo ou no Rio de Janeiro, que seriam o centro da vida do país, em oposição às periferias nos "outros" Estados. Há um bocado de preconceito e de nariz empinado nessa avaliação.

A homenagem aos artesãos da renda e do barro comoveu pela belíssima releitura de ofícios que dão sustento a alguns milhões de brasileiros ativos nos quatro cantos do país. Não é folclore estagnado no tempo, é o artesanato em constante mudança e recriação, e ocupando na cerimônia lugar análogo ao de um nome tão brasileiro e ao mesmo tempo tão universal quanto Roberto Burle Marx. Seu principal mérito, a meu ver, foi refletir uma visão não hierarquizada da cultura –e talvez esteja aí a fonte da reação negativa de alguns "bem pensantes". E quem sabe a rica homenagem à pintura rupestre na Serra da Capivara, no Piauí, possa inspirar nossos governantes a tratar melhor esse patrimônio cultural da humanidade.

No meu entendimento a cerimônia de encerramento não foi tão bem "costurada" quanto a de abertura. Faltou uma narrativa com começo, meio e fim. Mas talvez isso tenha ocorrido pela própria diferença de papeis entre as duas: uma é o comitê de frente, o abre-alas, que deve "levantar a bola"; a outra é a comemoração festiva do que está acabando.

Agora estamos na torcida para ver o que as cerimônias de abertura e encerramento dos Jogos Paraolímpicos nos reservam. Os diretores criativos de ambas são Fred Gelli, Marcelo Rubem Paiva e Vik Muniz. Uma equipe de primeira, assim como todos os outros que chamaram para se juntar a eles, como os designers Ronaldo Fraga e Francisco Costa –esse, um estilista brasileiro que durante anos esteve à frente da equipe da Calvin Klein nos Estados Unidos. Sobre seus ombros as expectativas não serão tão pesadas quanto as das equipes dos Jogos Olímpicos, mas aposto que nos darão muito orgulho.

ADÉLIA BORGES é jornalista e curadora especializada em design. Integra o comitê da Bienal de Design de Londres.

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