Separados pelo mar, unidos pela telinha

da Reportagem Local
e da Sucursal do Rio

Separada pelo Atlântico, a família do comerciante português Antônio Durval Duarte Paiva, 63, radicado no Brasil, é unida pela telenovela. Sua prima e afilhada, Arminda Cerdeira Costa, vive em Vila Franca, cidade da área metropolitana de Lisboa, a 20 km do centro da capital.

Arminda e Durval não se conhecem, mas têm um mesmo programa. Ela senta-se diariamente no sofá da sala de seu apartamento, com o marido, Fernando Luis Costa, e as filhas, Ana Catarina, 12, e Joana, 9, para ver novelas brasileiras. Já acompanharam "Torre de Babel". Agora seguem "Suave Veneno", ambas da Globo.

No Rio, Durval e a mulher, Maria do Carmo, 56, também assistem à novela da Globo. "Estou vendo agora a novela das oito, porque gosto do José Wilker e da Glória Pires, e vi "Meu Bem Querer" com meu neto. Mas as novelas antes eram melhores".

Arminda é a conhecida fã de novelas. Sabe o nome de várias e desfia o rol de seus atores e atrizes prediletos: Regina Duarte, Maitê Proença e Tony Ramos.

A família de Portugal também assina o Canal Brasil, emissora por cabo, que transmite filmes brasileiros.

Durval veio para o Brasil em 1951, aos 15 anos. No Brasil morrera seu pai, e aqui ele pretendia tentar a vida com os irmãos. Foi trabalhar com os parentes e acabou casando-se com a portuguesa Maria do Carmo.

Ele abriu um bar com o nome do povo que o acolheu: Brasileirão. Prosperaram os negócios, cresceram os filhos: Regina, 37, dentista, e Antônio, 35, engenheiro. Nenhum conhece Portugal.

Maria do Carmo e Durval Paiva só falam em voltar a Portugal para visitar os parentes, mas não para morar lá novamente.

São otimistas em relação ao Brasil e desencorajam qualquer plano da filha, Regina, e do genro, Rinaldo, quando eles manifestam desejo de morar em Portugal.

Do Brasil, ele apadrinhou, por procuração, a prima Arminda, filha de uma irmã de sua mãe. Até hoje, as famílias só se conhecem por foto.

"Nunca pude ir ao Brasil, mas gostaria de conhecer o Rio e ver meu padrinho pela primeira vez", diz Arminda. "Eu tenho vontade de conhecer as praias brasileiras", acrescenta o marido, vendedor de automóveis em Lisboa. "Mas é muito caro levar a família toda", lamenta.

Maria do Carmo ainda se lembra de quando seu navio chegou ao Rio: viu o Cristo Redentor iluminado e ouviu, na praça Mauá, o bolero mexicano "María Bonita" ("Acuérdate de Acapulco/De aquellas noches/María Bonita, María del alma"), na voz de Agustín Lara.

"Eu adoro o Brasil. Acho que ninguém deve ser obrigado a deixar sua terra, mas não posso me queixar da minha vida aqui. Sofri, trabalhei, houve coisas ruins, mas fui e sou muito feliz neste país."


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