TV
e migrantes acabaram
com a visão idílica
JEAN M. CARVALHO FRANÇA
especial para a Folha
Na europeizada Lisboa deste final de milênio, poucos
são os que se recordam de uma figura outrora popular
no imaginário português: o "primo rico brasileiro".
Filho daquele tio imigrante que conquistara fortuna no Novo
Mundo, o "primo rico" aparecia nas férias
e, ano após ano, alimentava a imagem de um Brasil moderno
e pleno de oportunidades, habitado por um povo alegre e jovial.
Na década de 80, essa imagem positiva do Brasil sofreu
alguns golpes duros e logo entrou em desuso. A adesão
de Portugal à União Européia (1986) foi
um desses golpes. O país iniciou uma aproximação
dos seus parceiros comunitários que tomou, em certos
momentos, a seguinte forma: Portugal será tanto mais
europeu quanto menos estiver ligado às ex-colônias,
o Brasil inclusive.
Um ou dois anos depois, um novo golpe veio abater-se sobre
a idílica imagem do Brasil: a imigração.
Ansiosos por participar da recém-adquirida prosperidade
portuguesa, um número nada desprezível de brasileiros
dirigiu-se ao "país irmão" e lançou-se
no limitado mercado de trabalho local. Essa "invasão
brasileira" fez com que, aos olhos do português,
os habitantes dos trópicos, aqueles "alegres e
joviais", se convertessem em incômodos concorrentes.
Curiosamente, o golpe decisivo na velha imagem do Brasil veio
do próprio Brasil. A partir de 1976, a TV portuguesa
passou a importar um número crescente de produtos brasileiros.
As novelas vieram à frente e cedo conquistaram a preferência
dos lusitanos; seguiram-se programas humorísticos,
séries, documentários e até programas
de entrevistas. Tamanha exposição fez do Brasil
um alvo permanente de atenção e alterou por
completo a até então difusa imagem do país.
É inegável que essa nova situação
contribuiu para ampliar os limitados conhecimentos do português
sobre o nosso país. Esse Brasil mais conhecido, porém,
não se transformou nem de longe num Brasil mais bem
visto e querido. Entre boa parte dos portugueses, o contraste
entre o país colorido que vêem nas novelas e
o país acinzentado dos telejornais tem colaborado para
levá-los a desconfiar do primeiro e a conferir uma
dimensão desmesurada ao segundo. Não é
incomum encontrar portugueses que duvidam da existência
de uma classe média brasileira. Para eles, o país
está dividido entre os muito pobres (os freqüentadores
dos telejornais) e os muito ricos (os abastados protagonistas
da ficção).
Entre grupos mais intelectualizados, a superexposição
gerou um efeito extra: a má vontade com tudo o que
vem dos trópicos. A "intelligenzia" local
acusa-nos, talvez com certa razão, de invadir seu país
com produtos culturais de baixíssima qualidade. Visões
extremadas à parte, o certo é que esses tais
produtos de qualidade duvidosa vêm garantindo uma presença
forte e constante do Brasil no imaginário do português,
cujos impactos sobre os costumes locais ainda estão
por analisar
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