Modernização de Portugal
passa por sua ex-colônia


do enviado especial a Lisboa


Em 1991, o carioca Edson Athayde, 33, instalou-se numa pensão em Lisboa e foi tentar a sorte como redator de publicidade. Oito anos depois, ele é o mais bem-sucedido publicitário do país.

Dono da Edson Comunicação, a maior agência de capital nacional de Portugal, e presidente da multinacional FCB, Athayde foi o primeiro criador a conquistar dois Leões -prêmio do Festival de Cannes- para a publicidade portuguesa.

Nas últimas eleições, fez a campanha vitoriosa do atual primeiro-ministro, António Guterres, do Partido Socialista.

A história de sucesso de Athayde é também a história da vertiginosa mudança pela qual tem passado Portugal nos últimos anos.

"Quando cheguei, as pessoas ainda se vestiam de preto, e a sociedade lisboeta era bastante conservadora. Hoje, em termos de estilo de vida e comportamento, ela está cada vez mais parecida com a do Rio. Tiraram a tampa de Portugal e a pipoca está pulando."

A "tampa", na realidade, começou a ser retirada há 25 anos, com a queda do regime salazarista (1932-1974), mas foi a entrada do país na então Comunidade Econômica Européia (atual União Européia), em 1986, que acabou aquecendo a economia para o estouro da pipoca moderna. "Nos últimos anos, comprar transformou-se no esporte nacional deste país, que começou a se acostumar a ter dinheiro", afirma Athayde.

No consumo internacionalizado dos novos shopping centers, nas lojas de produtos eletrônicos, nas butiques de moda, nos telefones celulares, automóveis e computadores, os portugueses foram encontrar os sinais exteriores de sua nova identidade européia.

Mas não só na Europa mira-se essa sociedade florescente. Ela também encontra um espelho na face moderna do desigual desenvolvimento de sua antiga colônia atlântica, o Brasil.
Num país em que os meios de comunicação até recentemente eram anacrônicos, autárquicos e estatais, a renovação tem sido decisivamente influenciada pelo know-how brasileiro.

Se empresas portuguesas, como a Portugal Telecom e a Caixa Geral de Depósitos, instalaram-se recentemente no Brasil, os brasileiros são responsáveis por uma considerável fatia do processo de abertura e modernização da comunicação social portuguesa.

O redesenho, por exemplo, do "Diário de Notícias" e do "Jornal de Notícias" foi conduzido por Athayde. A principal revista semanal de informações, a "Visão", está ligada ao Grupo Abril, que edita uma série de títulos em Portugal.

A Globo também está presente, associada à privada SIC, emissora que dita manias e comportamentos como sua sócia acostumou-se a fazer no Brasil.

De acordo com a pesquisa Datafolha, 40% dos lisboetas não sabem quem descobriu o Brasil, mas 92% conhecem muito bem a atriz Regina Duarte. Todos seriam capazes de citar o nome de ao menos um artista brasileiro, de Chico Buarque a Daniela Mercury, cantora que detém o recorde histórico de venda de um único disco em Portugal -ultrapassou as 270 mil cópias com "Feijão com Arroz".

Valores como a extroversão, a descontração, a alegria, a sensualidade e a informalidade, tão presentes na cultura brasileira, chegam aos portugueses embrulhados em produtos modernos de consumo de massas.

Com a grande vantagem de que são protagonizados por tipos assemelhados aos de lá, sem concorrência local tão eficiente e -o que é importante- falados essencialmente na mesma língua.

O elétrico ritmo da música baiana está por toda parte, "das classes mais baixas ao que vocês chamam de mauricinhos", afirma João Gobern, crítico de música que apresenta um programa sobre MPB na rádio portuguesa.

Gobern acredita que a popularidade da música dançante do Brasil pode ser relacionada a um processo de mudança comportamental dos portugueses, especialmente dos mais jovens. Athayde concorda: "Nos últimos dois anos houve uma abertura muito grande em relação ao Brasil. Os jovens são diferentes da geração com mais de 40 anos, que ainda tem preconceitos. A juventude gosta do Brasil".

De fato, a pesquisa mostra que, quanto mais jovem, menor o preconceito: 78% dos moradores de Lisboa entre 16 e 24 anos acreditam que não há preconceito de portugueses em relação a brasileiros, contra 70% dos que têm entre 25 e 40 anos, e 57% dos entrevistados com 41 anos ou mais.

Mas de que Brasil, afinal, gostam esses jovens? "Daquele Brasil mítico, das férias, das praias, festivo e alegre", responde Gobern. "Do Brasil que usa short, roupa colorida, fala alto, canta e faz festa", endossa Athayde. "Eles também querem ser assim."
(MARCOS AUGUSTO GONÇALVES)


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