Imagem de trabalhador
vem do dono da padaria


do enviado especial a Lisboa


O Brasil vê Portugal pelo filtro de sua própria história. Para o brasileiro, o português é o colono amigo e trabalhador, mas ao mesmo tempo avarento e ignorante.

Suas qualidades: ser trabalhador (26%), amigo (7%) e honesto (4%). Seus defeitos: avarento (19%), ignorante (5%), explorador (5%) e ambicioso (4%).

Para a historiadora Maria do Carmo Teixeira Rainho, coordenadora de Pesquisa e Promoção Cultural do Arquivo Nacional, o português que surge dessas respostas é o descobridor, sim, mas é também o português que veio para o Brasil na leva de imigrantes das primeiras décadas deste século.

"É o português que está vivo ou que deixou lembranças fortes nas pessoas, o português da padaria e do armarinho. Daí o fato de, na pesquisa, o português ser chamado de trabalhador e pão-duro, porque é a imagem que as pessoas guardam desses portugueses."

Filha de portugueses vindos para o Brasil nos anos 50, Maria do Carmo diz que a imagem do tipo sem instrução está relacionada ao fato de que os imigrantes de início do século eram de origem humilde.

É essa também a explicação apresentada pelo jornalista português José Carlos Vasconcelos, editor do "Jornal de Letras": "Houve uma forte emigração de portugueses de origem rural. Uma gente realmente muito ignorante e despreparada para a vida urbana". Para Vasconcelos, as conhecidas piadas que tratam o português como "burro" derivam do contato com esse tipo de imigrante. "Mas há, também, no fundo dessas piadas, uma certa inveja por parte dos brasileiros, que tinham que admitir que aquele "burro", apesar de tudo, prosperava e ganhava dinheiro."

A historiadora Gladys Sabina Ribeiro, 41, professora da Universidade Federal Fluminense e também descendente de portugueses, diz que não há uma "irmandade" entre portugueses e brasileiros. "Essa fraternidade de que se fala foi simbolicamente construída, mas ela é cheia de espinhos e se reflete no desconhecimento. Um desses espinhos é a disputa de portugueses e brasileiros por vagas no mercado de trabalho, e a imagem do português trabalhador e pão-duro exprime essa luta."

Gladys Ribeiro explica que o antilusitanismo e a disputa por emprego com portugueses são capítulos recorrentes da história do Brasil. Segundo ela, nos anos 30, os portugueses representavam um quinto da população do Rio e metade da população empregada.

"A situação foi tal que Getúlio Vargas sancionou a chamada Lei dos Dois Terços, determinando que, em cada grupo de três trabalhadores, dois fossem brasileiros", diz. A disputa se reflete no alto grau de preconceito (38%) contra portugueses.


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