Para
Maxwell, comemoração revela autoconfiança
brasileira
Nome:
Kenneth Maxwell
Idade:
59 Cargo: diretor de Estudos Latino-Americanos
do Conselho de Relações Exteriores de Nova
York
Especialidade: relações entre Brasile
Portugal no século 18
Livros: "A Devassa da Devassa" (1985),
"Marquês de Pombal - Paradoxo do Iluminismo"
(1996), "A Construção da Democracia
em Portugal" (1999) |
HAROLDO
CERAVOLO SEREZA
Editor-adjunto interino de Especiais
Para
o brasilianista britânico Kenneth Maxwell,
as comemorações dos 500 anos de Descobrimento
revelam uma espécie de autoconfiança brasileira,
diferentemente do que se passou em países como México
e Estados Unidos em 1992 -quando completaram-se cinco séculos
da chegada de Cristóvão Colombo à América.
Maxwell, diretor de Estudos Latino-Americanos do Conselho
de Relações Internacionais de ova York, é
um dos mais importantes estudiosos da história do Brasil
e de Portugal. Escreveu, entre outros, "A devassa da
Devassa", sobre a Inconfidência Mineira, e "Chocolate,
Piratas e Outros Malandros - Ensaios Tropicais".
Na entrevista à Folha, de Nova York (EUA), Maxwell
-também autor de "A Construção da
Democracia em Portugal", sobre o período pós-Revolução
dos Cravos (1974), lançado em Portugal, mas não
aqui- fala sobre o distanciamento entre os dois países.
Folha
- Como o sr. vê a relação entre Brasil
e Portugal hoje?
Kenneth Maxwell - Após o período da Independência
(1822), há uma grande diferença no progresso
da história. Há várias zonas de contato
do ponto de vista da cultura, mas, na vida cotidiana, elas
são hoje sociedades completamente diferentes. Portugal
tem mudado muito, mas ainda tem uma sociedade muito fechada
em relação à brasileira.
Folha
- Quando essa relação começou a se distanciar?
Maxwell - Já antes da Independência, mas
isso varia de acordo com a região. Se você volta
para o século 17, no Nordeste, Pernambuco esteve separado
de Portugal, durante a presença holandesa. No final
do século 18, isso se torna mais claro. A Inconfidência
Mineira (1789), a Baiana (1798), todas essas revoltas eram
antiportuguesas, em vários sentidos.
Folha
- O que, para o sr., diferencia hoje o Brasil de Portugal?
Maxwell - A grande diferença é econômica.
O Brasil é um país continental. Os brasileiros
sentem-se parte de um grande país, enquanto os portugueses
acham que são ainda menores do que realmente são.
Nesse sentido, o Brasil, como civilização, é
mais parecido com os Estados Unidos.
Folha
- Não lhe parece que Brasil e Portugal celebram
os 500 anos de modo um tanto quanto independente, como se
o Brasil não tivesse sua origem na história
portuguesa?
Maxwell - Concordo. A Folha trouxe, no final
do ano passado, uma polêmica entre o historiador brasileiro
Luiz Felipe de Alencastro e o cineasta português Manoel
de Oliveira que ilustra essa distância. Para Oliveira,
a Independência não passou de um presente de
Portugal, não uma conquista dos brasileiros, o que
é muito típico do pensamento português,
uma falsa impressão da história.
Folha
- As escolas de samba de São Paulo e Rio decidiram
que o Carnaval seria só sobre os 500 anos. Para o povo,
a festa é mais importante que para as elites?
Maxwell - Não, acho que são coisas diferentes.
As duas coisas podem acontecer. Podemos fazer uma analogia
com as comemorações dos 500 anos da chegada
de Cristóvão Colombo na América (1492).
Houve reações variadas. Exibições,
festas, mas também diferentes maneiras de interpretar
o que se passou. É preciso considerar as divisões
na sociedade. As pessoas vêem a história de maneira
diferente porque têm vidas diferentes. Se seus antepassados
chegaram num navio negreiro, você verá a história
de um modo diverso do que aqueles cujos parentes vieram em
caravelas.
Folha
- No Brasil, os mais pobres vêem nos 500 anos um fato
mais relevante que as elites?
Maxwell - O Brasil tem uma cultura popular muito forte,
e talvez essa impressão tenha origem aí. É
algo muito diverso do que se passou no México e nos
EUA, em que havia forte rejeição à idéia
de ser "descoberto" e "colonizado". Brasileiros
têm mais autoconfiança.
Folha
- Usa-se a palavra "descobrimento" no Brasil,
enquanto em Portugal volta-se a utilizar também "achamento"...
Maxwell - Portugal também se valeu, no século
19, da palavra "encontro", evitando assuntos difíceis,
como a escravidão e a colonização. Talvez
o Brasil use mais tranquilamente a palavra "descobrimento"
devido a essa autoconfiança, mas essa é uma
falsa visão. Os que foram "descobertos" acabaram,
na verdade, eliminados.
Folha
- Portugal e Espanha utilizam as comemorações
como um bom momento para recontar a história a seu
modo?
Maxwell - O que acontece é que há sempre
uma reinterpretação da história. Mas
é preciso considerar que nada patrocinado pelo governo
tem relação direta com a realidade, mas com
imagens que ele quer criar e manipular de acordo com seu interesse
político. As pessoas criam também as próprias
imagens.
Folha
- Para o sr., o que está mudando na história
do Brasil nesse momento?
Maxwell - Esta foi uma década muito importante
para a historiografia brasileira. Os historiadores brasileiros
têm feito um grande trabalho, olhando para a vida cotidiana,
para a cultura. É uma oportunidade para olhar para
o passado. O Brasil é um país que está
sempre preocupado com o futuro, mas já tem cinco séculos.
Folha
- Qual é, para o sr., a palavra correta para descrever
o que aconteceu há 500 anos?
Maxwell - Acidente. Os portugueses queriam chegar às
Índias.
Folha
- Essa palavra tem mais de um sentido.
Maxwell - É verdade. Para os índios,
a chegada do europeu foi também um acidente, numa outra
conotação, mais trágica.
Folha
- Para definir o paradoxo do Marquês de Pombal, o sr.
usa uma citação: "Pombal quis civilizar
a nação e, ao mesmo tempo, escravizá-la".
Qual é o paradoxo do Brasil de hoje?
Maxwell - O Brasil tem uma sociedade dinâmica,
enquanto o sistema político é rígido.
É interessante pensar no período pombalino,
em que o Estado busca modernizar toda a sociedade. As grandes
modernizações têm de ocorrer no longo
prazo.
Folha
- Usualmente, a grande data nacional era o Sete de Setembro.
Para o sr., por que trocamos a festa da Independência
pela do Descobrimento?
Maxwell - É uma pena. O período da Independência
precisa ser recuperado e visto numa perspectiva que reconheça
sua natureza completa -complexa e contraditória. Mas
governos preferem "conciliação" a
uma lembrança de conflito. Só compreendendo
o conflito é que se pode ver como e por que uma nação
se desenvolve -ou "não" se desenvolve.
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