O que falta estudar na história brasileira

A Independência e a Regência



Evaldo Cabral de Mello
especial para a Folha

A historiografia pode conter buracos negros de várias espécies. A primeira decorre da carência de documentação no tocante aos períodos mais recuados. É assim que os historiadores da alta Idade Média alemã tornaram-se mestres exímios em tirar partido de simples listas de nomes. A segunda variedade tem a ver com o fato de que a documentação existe, mas, devido a limitações de natureza material ou ideológica, não foi aproveitada no todo ou em parte. O livro de Kátia de Queirós Mattoso sobre a Bahia no século 19 é um bom exemplo. Os acervos estavam em Salvador, mas não haviam sido devidamente explorados.

Enfim, o terceiro gênero de buraco negro na historiografia é o que cava a própria passagem do tempo. Como toda história, Croce "dixit", é história contemporânea, periodicamente os historiadores voltam aos velhos temas, munidos com outras lentes ou inspirados por novos interesses.

A esse respeito, ocorre-me o período da Independência. Os livros de síntese (Varnhagen, Oliveira Lima, Tobias Monteiro) estão todos envelhecidos, e a última tentativa feita neste sentido, a de José Honório Rodrigues, resultou em algo descosido, mal concebido e mais mal escrito.

Daí que as biografias de Octavio Tarquínio de Souza ainda sirvam de excelente leitura mesmo para o iniciado. E, contudo, as universidades brasileiras têm produzido nos últimos decênios uma boa quantidade de monografias sobre os aspectos os mais diversos dos anos 1808-1825, as quais poderiam servir de base a uma nova tentativa de síntese do nosso processo emancipacionista.

Caso ainda mais gritante de buraco negro é o da Regência. É simplesmente escandaloso que não se disponha de obra, antiga ou recente, dedicada ao período regencial, a despeito de ele haver sido uma das fases mais vigorosas e vibrantes do nosso passado. A esse respeito, como no tocante à Independência, a historiografia brasileira continua sob a férrea tutela da historiografia saquarema, isto é, a historiografia da Corte fluminense e dos seus epígonos na República, para quem a história da emancipação reduz-se à da construção de um Estado unitário, concebido e realizado por alguns indivíduos dotados de grande descortino político, que tiveram a felicidade de nascer no triângulo Rio-São Paulo-Minas.

Sobre a Regência, continua a pesar o anátema de período anárquico e irresponsável, dominado por interesses provinciais, como se estes fossem por definição ilegítimos, e caracterizado pelo gosto, digamos, ibero-americano, pela turbulência e pela agitação estéril, período que poderia ter comprometido a sacrossanta unidade nacional, não fosse a sabedoria política de Eusébio, Paulino e Rodrigues Torres.

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