Encouraçados da França e Inglaterra poderiam ter dado ao Paraguai domínio do Rio da Prata

A pressa do ditador

do enviado especial ao Paraguai

O paraguaio Solano López e o argentino Leopoldo Galtieri têm algo em comum além de ambos terem sido ditadores latino-americanos. Os dois iniciaram desastrosas guerras externas sem estarem devidamente preparados para elas. E, se não fosse a pressa em iniciar o conflito, os dois teriam recebido material bélico do exterior que poderia ter mudado o rumo da luta.

Galtieri invadiu as Falklands/Malvinas em 1982 antes de receber o lote total daquela que foi a arma mais impactante da guerra, o míssil antinavio Exocet. E López invadiu seus vizinhos antes de esperar pelos navios encouraçados que estava encomendando na Inglaterra e França. Caso tivesse recebido esses navios, a marinha paraguaia teria o domínio incontestável do Rio da Prata e, portanto, seria capaz de ditar termos e bombardear tanto Buenos Aires como Montevidéu.

Novas descobertas sobre essa incipiente corrida armamentista naval no Rio da Prata foram feitas por um pesquisador do Rio de Janeiro, George Gratz. Em artigos ainda inéditos, a serem publicados no Brasil e na Inglaterra, ele revela com minúcia as negociações paraguaias para obter couraçados.

Ironicamente, López planejava comprar a maior parte dos navios, e iniciar uma indústria naval, com ajuda daqueles que os revisionistas acusam de estar interessados em derrubá-lo -os britânicos.

Segundo Gratz, o secretário de assuntos estrangeiros britânico, Lord Russell, em 18 de outubro de 1864, havia permitido a compra de navios encouraçados, "porque o governo paraguaio não estava em guerra com nenhuma potência estrangeira" (palavras de Russell).

O engenheiro inglês William Whytehead estava planejando fazer no Paraguai uma canhoneira couraçada, mas morreu em 1864.
Desde 1862 os paraguaios já tomavam medidas concretas para adquirir esses navios ao negociar com os irmãos John e Alfred Blyth, donos de uma indústria mecânica, a John & Alfred Blyth Steam Engine Works. Mas todos os planos acabam depois da apressada declaração de guerra e depois da derrota na batalha naval de Riachuelo, que tornou o Paraguai incapaz de receber armas do exterior.

Gratz pôde descobrir também parte dos planos para construção de couraçados no Arsenal de Marinha da Corte, no Rio de Janeiro.
A Marinha havia perdido esses planos. Mas o engenheiro naval brasileiro era de ascendência francesa, e uma missão naval francesa veio ao Brasil examinar seus planos. Metódicos, os franceses copiaram os projetos dos navios brasileiros. E Gratz pôde agora obter cópias, inéditas, por intermédio de um colega francês. O trabalho de Gratz é um exemplo de como a história militar está deixando de ser exclusividade de autores de farda.

A academia também tem iniciativas. A USP está iniciando, com o apoio do Exército, um projeto de história militar por meio do Naippe (Núcleo de Análise Interdisciplinar de Políticas e Estratégias), coordenado pelo cientista político Braz Araujo. Ele e a coordenadora do Projeto de História Militar Brasileira, a historiadora Nanci Leonzo, estiveram recentemente em visita aos campos de batalha do Paraguai. É um bom exemplo de como também entre os militares dos dois países o tema está sendo encarado de modo melhor que no passado. A viagem foi um convite do diretor do Instituto de História e Museu Militar paraguaio, coronel Pedro Antonio Acuña Soley. O convite foi feito para o diretor da Biblioteca do Exército, coronel Luiz Paulo Macedo Carvalho.

Embora Macedo e Acuña ainda tenham visões opostas sobre, por exemplo, Solano López, a presença dos dois coronéis no campo de batalha de Tuiuti, discutindo história, fez história. No mesmo local, em 1866, dois coronéis dos mesmos exércitos estariam trocando tiros. (RICARDO BONALUME NETO)

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