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O
historiador argentino Leon Pomer explica sua tese sobre a atuação
da Grã-Bretanha na guerra
A
chave dos cofres britânicos
LEON
POMER
especial para a Folha
Quase 30 anos depois da primeira edição do meu livro
"Guerra del Paraguay", aqui vão minhas idéias
atuais sobre dois temas que considero cruciais.
Meu livro foi escrito desde uma perspectiva concreta: a Guerra do
Paraguai, a formação do Estado argentino e o desempenho
de um determinado grupo econômico.
Na década de 60 do século passado, o problema da formação
do Estado na Argentina foi colocado friamente. A integração
do sistema capitalista internacional o exigia, e a potência
dominante no sistema -a Grã-Bretanha- o desejava.
O
presidente Bartolomé Mitre (presidente fraco de um Estado
apenas projetado) teve que enfrentar oposições internas
e potenciais inimigos externos em fronteiras cujo traçado
não era definitivo.
O principal rival interno era o poderoso caudilho da província
de Entre Ríos, Justo José de Urquiza; eram considerados
perigosos inimigos externos o governo uruguaio do Partido Blanco
e o regime autocrático paraguaio, governado por Francisco
Solano López.
A idéia de um Estado (ainda não nacional) como lugar
de concentração do poder político máximo
e monopolizador dos maiores recursos econômicos (a alfândega
de Buenos Aires) encontrava resistência por parte dos caudilhos
regionais e carecia de significado para a maioria da população.
Mitre e seus amigos políticos traçaram um esquema
estratégico que comportava os seguintes passos:
1. Substituição do governo uruguaio (do Partido Blanco)
pelo general Venancio Flores (do Partido Colorado), residente em
Buenos Aires, afinado com o "mitrismo" e que receberia
o apoio militar consequente;
2. Pressão (bem-sucedida) sobre o governo brasileiro para
que colaborasse com o trabalho do general Flores e posterior ação
comum contra o Paraguai de Solano López.
Os "mitristas" achavam que, quando fosse realizado o exposto
nos dois pontos anteriores, seus inimigos internos ficariam privados
de eventuais santuários nos vizinhos Uruguai e Paraguai,
e uma guerra externa, com seu apelo ao patriotismo, unificaria o
que se encontrava quase desagregado.
O esquema assinalado foi posto em ação, mas surgiram
alguns imprevistos: a guerra se prolongou por cinco anos e, ao mesmo
tempo, se transformou numa guerra civil argentina, que acabou sendo
mais dolorosa do que o próprio conflito com o Paraguai.
O governo que lutava pela constituição e consolidação
do Estado na Argentina, e particularmente a figura de seu presidente,
foram fatores coadjuvantes decisivos para o desencadeamento do conflito.
As divergências ideológicas com a ditadura paraguaia,
os problemas de fronteira, as ambições de reconstrução
do Vice-Reinado do Prata etc. formaram um contexto suficiente para
deslanchar um conflito bélico.
A história das relações paraguaio-brasileiras
(problemas de fronteira, livre navegação do rio Paraguai
até o Mato Grosso etc.) forneciam motivo suficiente para
a entrada do Brasil no conflito. A diplomacia "mitrista"
mostrou eficácia nas pressões que exerceu sobre o
gabinete imperial brasileiro.
Meu livro de 1968, e outros posteriores, fundamentaram o que eu
já disse até agora no tocante à guerra da Tríplice
Aliança. Mas devo admitir que naquele livro provavelmente
não demonstrei a necessária equanimidade ao expressar
meus pontos de vista.
A Grã-Bretanha
A guerra não foi promovida pelo governo inglês, e eu,
pessoalmente, não tenho provas de que os estadistas britânicos
a tenham desejado (fora do âmbito de seus sentimentos pessoais)
como parte de uma política no Prata.
É evidente que a política econômica paraguaia
(monopólios estatais da produção e comercialização,
propriedade estatal da terra e das principais estruturas produtivas,
restrições ao fluxo comercial e à fixação
do capital estrangeiro) não agradava a todos, e muito menos
àqueles que, na Europa (principalmente na Grã-Bretanha)
e no Prata, professavam o ideário liberal.
A guerra exigia recursos financeiros, e a grande burguesia mercantil
do Prata (radicada sobretudo em Buenos Aires e na província
do mesmo nome) estava muito longe de mostrar generosidade patriótica
para com o governo de Mitre, cujos recursos próprios eram
insignificantes, já que os recursos obtidos pela alfândega
-os maiores, em volume- pertenciam ao governo da província
de Buenos Aires.
A única solução possível foi recorrer
a empréstimos externos, que, tanto para o governo de Mitre
quanto para o imperador, foram concedidos pelos bancos britânicos.
Se esses empréstimos não tivessem sido concedidos,
teria sido possível prolongar a guerra por mais de cinco
anos? Ou será que ela teria se arrastado indefinidamente?
Não existem respostas a essas perguntas. A única possível
é que as coisas teriam sido diferentes.
Os empréstimos dos bancos britânicos devem ter contado
com a concordância do gabinete britânico. A Inglaterra
não podia correr o risco de uma vitória paraguaia
ou de um simples empate. Se o Paraguai não significava muito
para o governo ou a economia inglesa, a eventual difusão
de seu "modelo" era um risco ao qual os estadistas de
Londres não podiam se mostrar indiferentes.
A sucursal do Banco de Londres em Buenos Aires adiantava dinheiro
diariamente ao Tesouro do governo de Mitre; a devolução
desses fundos, acrescidos de juros, se daria no vencimento do primeiro
empréstimo. Os proprietários ingleses do banco não
pareciam ter dúvidas quanto ao que faziam.
O ministro britânico em Buenos Aires, Edward Thornton, participava
de reuniões do gabinete de Mitre.
A participação argentina na Guerra do Paraguai foi
um episódio da maior importância no processo de formação
do Estado Nacional. A Grã-Bretanha contribuiu para o andamento
do processo; seus interesses o exigiam, assim como os fundamentos
ideológicos de sua política externa. Nota:
Todas as afirmações que faço acima estão
documentadas em meus livros.
Leon Pomer é doutor em história e ex-professor da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), da Universidade Estadual
Paulista (Unesp) e Universidade de Buenos Aires. É autor
de "Guerra del Paraguay - Gran Negócio!" (Buenos
Aires, Caidén), "Cinco Años de Guerra Civil en
la Argentina" (Buenos Aires, Amorrortu), entre outros.
Tradução de Clara Allain.
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