Para
Régis Duprat, artistas brasileiros compunham de modo semelhante
aos europeus, mas não faz sentido compará-los a Haydn
ou Mozart
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de 2.500 obras resistem ao tempo
da
Reportagem Local
Não faz sentido comparar José Maurício Nunes
Garcia ou João de Deus de Castro Lobo com Mozart ou Haydn.
Embora sejam todos mais ou menos contemporâneos, os compositores
brasileiros do período colonial, capazes de criar obras altamente
complexas, tinham suas especificidades .
É uma das posições do musicólogo Régis
Duprat, 69, professor titular de história da música
na Universidade de São Paulo e restaurador de partituras
brasileiras do século 18. Eis a entrevista. (JOÃO
BATISTA NATALI)
Folha
-
Qual é o volume de composições já conhecidas
do período colonial?
Régis Duprat - Conhecemos muito pouco fora de Minas
Gerais, Rio, São Paulo, Goiás ou Pernambuco. Acredito,
e é uma estimativa grosseira, que tenhamos entre 2.000 e
2.500 partituras. Padre José Maurício tem 200 obras,
André da Silva Gomes, 130, no Museu da Inconfidência
catalogamos 900, muitas delas duplicadas em outros arquivos. Em
Campinas deve haver umas 900, mas com muita coisa posterior ao período
colonial. Contemos umas 500 arquivadas na PUC-RJ. E outras tantas
em GO e PE. Não acredito que ultrapassem as 2.500.
Folha - Era essa também a estimativa quando Curt Lange
começou a recolher a coleção do Museu da Inconfidência?
Duprat - Não. Nos anos 40, qualquer estimativa seria
chute. O importante é que não se tem ultimamente descoberto
coisas novas. Curt Lange foi um grande descobridor, mas não
é correto afirmar que se deve tudo a ele. Há os exemplos
das duas orquestras bicentenárias de São João
Del Rey, que preservaram seus arquivos por todo esse tempo.
Folha - E quantos seriam os compositores?
Duprat - Algo em torno de 60, em Minas, onde está
o grupo mais numeroso. Muitos com obras de altíssima qualidade,
como Lobo de Mesquita, Francisco Gomes da Rocha, Manuel Dias de
Oliveira.
Folha - Quando as elites se interessaram por esse repertório?
Duprat - Há compositores que nunca foram completamente
esquecidos, como o padre José Maurício Nunes Garcia.
Para as entidades mineiras, a música do século 18
também nunca chegou a morrer, mesmo sem visibilidade junto
às elites, porque estão todas voltadas para um público
mais singelo. As elites só acordaram para esse repertório
nos anos 40.
Folha - Como o sr. se situa entre as correntes que vêem
esse repertório como subproduto do que se fazia na Europa
e a que identifica como algo com identidade própria, embora
singela?
Duprat - Essa discussão não faz mais muito
sentido. Essa singeleza em verdade nunca existiu. E há o
vínculo com uma espécie de estilo pan-europeu que
se disseminava pelo mundo de então.
Folha - Especificamente: faz sentido comparar João
de Deus de Castro Lobo a um mestre-de-capela alemão do período?
Duprat - A comparação é perfeita. Os
músicos da época colonial exerciam a profissão
de forma mais avançada do que poderíamos imaginar.
O "Tratado de Contraponto", de André da Silva Gomes,
revela regras do bem-compor que um bom músico europeu poderia
seguir. Mas escrever com genialidade é outra coisa. Portugueses
ou espanhóis hoje não buscam nos arquivos um novo
Mozart, um Haydn, um Palestrina. A "Missa de Réquiem",
do padre José Maurício, já é mais complexa,
mas seria bobagem tomar Mozart como padrão.
Folha - Como é que o sr. descobriu André da
Silva Gomes?
Duprat - Encontrei-o em dezembro de 1960, quando fazia pesquisas
em São Paulo. Achei um trabalho, de 1954, do advogado Clóvis
de Oliveira. Fui atrás das composições manuscritas,
dadas por perdidas, e passei a pesquisar na Cúria Metropolitana.
Folha - Só o conjunto Brasilessência já
gravou dois CDs com peças de Silva Gomes. Estamos perto da
moda "colonial"?
Duprat - É positivo que se gravem muitos desses arquivos.
Mas só com o tempo é que saberemos o que é
bem-interpretá-los.
Folha - Mas há bem mais lançamentos do que
há dez anos.
Duprat - Há um pequeno mercado, acanhado. Não
acredito que cresça muito. Há também mais execuções.
A Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo programou
para 2001 a "Missa a Oito Vozes", de André da Silva
Gomes.
Folha - O nacionalismo musical foi útil ou prejudicial
ao repertório do século 18?
Duprat - Uma coisa não tem muito a ver com a outra.
Há até uma analogia entre a estética nacionalista
e o ideal desses movimentos que procuram recuperar o passado mais
remoto do Brasil.
Folha - Mas Villa-Lobos, com sua importância na burocracia
do Estado Novo, não se empenhou pelo repertório colonial.
Duprat - Não era a especialidade dele. Mas outros
personagens tratavam disso, como Luiz Heitor Azevedo, Vasco Mariz,
Renato Almeida. Com o nacionalismo, também o repertório
do romantismo foi um pouco esquecido.
Folha - Já houve no Brasil preocupação
específica sobre o que é instrumento e afinação
de época no repertório colonial?
Duprat - Essa preocupação existe na Europa
desde os anos 50. Por aqui, é mais recente. Mas nossa prioridade
é hoje conhecer o maior número de partituras do Brasil
colonial. Deve-se aplaudir quando uma obra jamais gravada o é
por alguma orquestra singela de Minas. Se aparecer no futuro uma
nova versão, gravada com grau de profissionalismo maior,
a missão pioneira do primeiro registro perderá sua
função.
Folha - Como o sr. vê a iniciativa de se publicar fac
símiles de partituras antigas na Internet?
Duprat - É um trabalho às avessas da preservação
de manuscritos. Devemos comunicar ao mundo a partitura trabalhada,
editada. Abre-se um problema de direitos autorais. Com esses manuscritos,
europeus e norte-americanos podem editar as obras. No futuro, teremos
de pagar para executá-las.
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