Metrópole recebia instruções do Brasil

Do enviado a Lisboa


Durante mais de meio século, governadores e zelosos proprietários de terra de Pernambuco se esmeraram em ''ensinar'' ao rei como acabar de vez com os ''bárbaros'' dos Palmares.
Em janeiro de 1689, Manuel de Inojosa escreve longo relato, onde diz que ''40 anos de guerra aos Palmares demonstraram ser impossível a destruição deles''.

Pois, enquanto os soldados tinham de carregar nos ombros meia arroba de carne e farinha, cantil, capote, rede para dormir, escopeta e munição, o negro escapava sem nada levar.

''O soldado não pode marchar por aqueles matos mais que légua e meia e os bárbaros andam em um dia 12 e 14 léguas, não sentem espinho nem sofrem fome.''

Ataques no verão
Segundo o autor, diante dos ataques esperados, os negros escondiam sua colheita em buracos que só a família sabia.

Durante as guerras, tinham do que comer.

A solução _segundo Inojosa_ seria lançar ataques no início do verão, quando os negros ainda não colheram suas lavouras.
Sem ter o que comer, o inimigo fugiria para roças distantes, dividindo-se em grupos que seriam facilmente eliminados.

''Assim se abalarão fugindo logo e já vão arruinados, já vão perdidos e não podem incorporar-se por nenhum modo, que não têm milho, nem coisa que levem para comer, cada um vendo sua mulher e filhos (...), desampararão a guerra e irão assistir-lhes e recolhê-los no lugar mais remoto que eles tenham descoberto, apartando-se uns dos outros (...).''

Durante todo o verão, os soldados caçariam os negros,
retornando em seguida.

''Entrou o inverno, recolham-se as tropas e deixem os bárbaros ao frio e à fome, e no primeiro de agosto se tornará a buscá-los e deste modo infalível será aquela infesta canalha destruída e os povos felizes e V.M. bem servida.''

A estratégia do diligente Inojosa não era original. Dois anos antes, o rei já tinha transmitido ao governador de Pernambuco instruções ainda mais contundentes: em lugar de surpreender os negros antes da safra, determinava que se aguardasse a colheita para depois atacá-los e, desta forma, se alimentasse as tropas.
Em despacho de março de 1687, o rei ordenava que 400 soldados, assistidos pelas tropas de Henrique Dias e Felipe Camarões, saíssem em perseguição aos negros.

''E que esta conquista se dê princípio no tempo em que, de próximo, tenham os negros recolhidos os mantimentos das suas lavouras de Palmares para que com eles se possam sustentar os soldados enquanto se não fazem outras lavouras (...).''

Armas e munições
O mesmo Manuel de Inojosa, em outra carta ao rei, sugere que os ataques a Palmares se dêem pela Bahia, de forma a evitar que os negros sejam avisados e possam ser surpreendidos.

Diz o autor que, a cada investida pelos caminhos conhecidos, ''os próprios moradores os avisam, porque se assim o não fizerem, os tirariam os ditos negros a vida ou lhes levariam os seus escravos (...)''.

Outra sugestão do autor é que os ''moradores que têm contraído amizade com os negros'', avisando-os dos ataques e fornecendo-lhes armas e munições, sejam duramente castigados. (AB)


NOTAS
Os documentos foram consultados na Biblioteca da Ajuda, cota 50-V-37, páginas 168 a 170, 230 e 231; e Arquivo Histórico Ultramarino, códice 256, páginas 46v e 47 Os documentos da Biblioteca da Ajuda foram transcritos em São Paulo pela historiadora e paleógrafa Cleonir de Albuquerque e Costa

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