'O Povo contra Larry Flynt' chega ao Brasil

Filme concorre ao Oscar de direção e melhor ator

Agência Folha 06/03/97 17h27
De São Paulo

Oscar Se toda a pretensão de "O Povo contra Larry Flynt" (que estréia na sexta-feira nos cinemas brasileiros) é justificar seu sonoro título, não se fala mais nisso. Saiu tudo OK. Antes de virar filme, Larry Flynt ficou célebre, entre outras, por conta de um processo judicial envolvendo uma delicada questão política: o direito incondicional à liberdade de opinião.

Larry Flynt na Corte Suprema era uma causa ingrata: de um lado envolvia um suposto homem de bem (um pregador ridicularizado pela revista "Hustler") e do outro, um "escroto" (palavra com que Flynt se autodefine). A verdade, porém, é que Milos Forman usa o episódio antes de tudo como ponto de venda do filme.

A pergunta que "Larry Flynt" formula, a rigor, é: o que é um homem? Vista assim, a coisa fica um pouco problemática, já que o filme pode ser comparado a precursores bem mais ilustres, como "Cidadão Kane" (1941).

O fato de lidar com um personagem real e ainda vivo parece ter determinado a glamourização de Flynt, visto já na infância como menino pobre que tenta batalhar a vida. Mais tarde, as dificuldades por que passa seu clube noturno, o Hustler, o levam a descobrir o filão editorial, instalando-se como confesso "vendedor de mulheres".

O resto da história é bem conhecido. Flynt é perseguido pelos moralistas. Chega a ser condenado a 25 anos de cadeia por publicar fotos e charges talvez obscenas. Mais tarde, sofre um atentado que o deixa paralítico para o resto da vida.

Do que é culpado Larry Flynt, afinal? No fundo, de mau gosto, como ele mesmo diz (no filme, cabe quase sempre a ele definir-se). É uma pena que essa referência ao mau gosto seja colocada em surdina. Era, afinal, o grande assunto do filme. Larry Flynt é um "self made man" da boçalidade.

Mas o que significa "Hustler" (e a pornografia em geral) para a sociedade norte-americana, por que faz sucesso e qual a profundidade desse sucesso, qual sua intervenção num país de moral puritana?

São coisas de que Milos Forman passa ao largo, cautelosamente. Em troca, coloca a ênfase de seu filme nas múltiplas facetas de Flynt, no amor pelo irmão, na paixão pela mulher, Althea (Courtney Love), em suas tiradas espirituosas, na "rebeldia", no paradoxo de o grande pornógrafo ter se tornado incapacitado para o sexo etc. Ou seja, "Larry Flynt" margeia grandes questões -inclusive a da liberdade de opinião-, sem chegar efetivamente a elas.

Essas deficiências marcantes são compensadas em parte pelo bom artesanato e pela fluência da narrativa, que fazem de "Larry Flynt" um espetáculo agradável (exceto por uma elipse descabida, após a primeira condenação de Flynt, que trunca todo o encadeamento -esse momento, que conflita com o resto da narrativa, não deve ser atribuído, em princípio, ao diretor ou ao roteiro).

Não será demais dizer, no entanto, que o espectador só se dá conta do que o filme tem de essencial no final, quando correm os créditos.

Ali ficamos sabendo que Larry Flynt, o verdadeiro, interpreta o juiz que condena Larry Flynt, o personagem, a 25 anos de prisão. O ator Woody Harrelson confere à imagem de Flynt uma simpatia anárquica e uma integridade que o Larry Flynt real desmente. Tendemos a ter pelo juiz uma imediata repulsa. Talvez esteja aí, jogado de forma quase casual, o comentário mais incisivo de Forman sobre o homem de quem está falando. (Inácio Araújo)

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