'Evita' tem estréia nacional na sexta

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Agência Folha 27/02/97 19h17
De São Paulo e de Buenos Aires (Argentina)

OscarO polêmico musical "Evita", do diretor britânico Alan Parker, estréia nesta sexta-feira (28) nos cinemas brasileiros trazendo a marca de R$ 120 milhões de bilheteria já arrecadados, uma grande polêmica que causou violentos protestos na Argentina, além de contar com a sempre controvertida popstar Madonna vivendo a ex-primeira-dama argentina Eva Perón.

Divulgação
Evita
Cena do filme
Baseado em ópera-rock homônima de Andrew Lloyd Webber e Tim Rice, o filme conta a trajetória de Evita, que, de atriz pouco expressiva, tornou-se um dos maiores mitos argentinos após casar-se com o ditador Juan Domingo Perón e ter uma atuação marcante frente à área social do governo do então presidente argentino.

Nas salas paulistanas, estréiam também "As Prostitutas", escrito e dirigido por Aurelio Grimaldi, "Três Vidas e Uma Só Morte", de Raoul Ruiz, um dos últimos trabalhos do ator italiano Marcello Mastroianni, morto em dezembro de 1996, e "Tubarão Cruel", de William Snyder.

Musical traz
polêmica e prestígio

A frase mais célebre e messiânica de Evita foi: "Voltarei e serei milhões". O que ela não sabia é que seu retorno se daria justo agora. E não desconfiava que os milhões a que se referia seriam dólares (US$ 120 milhões já arrecadou o filme) e polêmicas (desde críticas de Madonna à Argentina até bombas e distúrbios na estréia no país).

O musical "Evita" chega na sexta às telas brasileiras, mas antes teve de enfrentar duas grandes inimizades: o peronismo e Hollywood. O primeiro tornou turbulenta a vida dos atores e do diretor Alan Parker durante as filmagens e a estréia do filme na Argentina. O segundo negou indicações para os principais Oscar, como melhor filme, direção e atriz principal.

E a cantora Madonna, que protagoniza Evita (1919-1952), ajudou a abastecer o noticiário sobre os bastidores do filme. Começou com sua gravidez durante as gravações (Madonna ficou com aspecto roliço quando tinha de interpretar uma Evita moribunda) e continuou com suas críticas aos argentinos e seus costumes.

Em entrevista à revista "Vanity Fair", a cantora classificou o país de "não civilizado", a comitiva do presidente Carlos Menem de "homens suspeitos" e disse que Menem ficou olhando seu sutiã durante seu encontro com ele.

O filme musical, inspirado na ópera-rock do mesmo nome, estava inicialmente nos planos do diretor norte-americano Oliver Stone, mas acabou nas mãos do inglês Alan Parker. Em janeiro do ano passado, Madonna, o espanhol Antonio Banderas (Che), Jonathan Pryce (Juan Domingo Perón) e toda a equipe chegaram à Argentina para filmar.

Os peronistas, herdeiros ideológicos do casal Perón, picharam muros com "Fora Madonna! Viva Evita!" e fizeram protestos nos sets, com ameaças de bomba. Por seu lado, o presidente Menem criticou o filme em um princípio, mas, após um trabalho de diplomacia da produção, recebeu Madonna e permitiu que filmassem no balcão da Casa Rosada, a sede do governo nacional.

Quase um ano depois, finalizado na Hungria, o filme voltou a Argentina para novos problemas. O vice-presidente da nação, Carlos Ruckauf, propôs um boicote à superprodução e entrou em polêmica com Parker.

Em seu primeiro dia em cartaz, houve verdadeiros piquetes na porta dos cinemas que exibiam "Evita". Com bombas e cartazes ("Alan Parker, rato mentiroso a serviço da coroa inglesa"), os militantes peronistas pediam para as pessoas não entrarem nas salas.

Em um cinema portenho, na primeira sessão, foi jogado um produto agrotóxico de forte cheiro, o que obrigou os espectadores a saírem na sala. Em La Plata, a 60 quilômetros de Buenos Aires, 50 integrantes do grupo esquerdista Quebracho depredaram uma fachada de cinema e agrediram o bilheteiro.

Madonna sustenta
filme de Alan Parker

O musical tinha sido desde sempre uma arte da leveza, da sutileza, do encanto. Uma arte morta, a rigor, desde o fim dos anos 50, com direito a sobressaltos do tipo "Os Guarda-Chuvas do Amor" (1964), "Cabaret" (1972), ou "New York, New York" (1977).

Coube a Alan Parker a discutível glória de, se não inventar, ao menos aperfeiçoar o musical aeróbico, quando fez "Fama", em 1979. Parece vir de lá a base de "Evita", mais do que da biografia de Eva Perón.

Evita (Madonna) nasceu filha ilegítima. Mais tarde, tornou-se prostituta ou atriz -conforme o gosto do narrador. Finalmente se casou com o caudilho argentino Juan Perón (Jonathan Price). Foi, muito mais que primeira-dama, um sustentáculo político importante, o principal elo entre o peronismo e os chamados descamisados. Morreu de câncer, no auge do prestígio, em 1952, aos 33 anos de idade.

Sua trajetória foi motivo de uma ópera-rock estreada em 1978, em que os autores Tim Rice e Andrew Lloyd Weber introduziram um personagem como condutor da ação, Che -referência a Che Guevara, outra figura carismática da política latino-americana.

O tratamento de musical a essa mistura de drama político e tragédia pessoal protagonizado por Eva Perón é, para começar, estranho: nada existe ali que precise de música para ser dito. Ao contrário, ficamos sempre com a impressão de que algo importante nos está sendo sonegado pela insistência dos diálogos cantados.

O musical -ao usar como assunto um ser real e palpável- tende a diminuir o personagem. É possível que Evita, para norte-americanos ou europeus, seja um ser irreal, vindo de um país com forte propensão ao fantástico. Alguém como madame Butterfly, ou como a Sonia de "A Viúva Alegre". É possível até que a peça se sustente nesse nível.

Ao fazer a transposição para cinema, Alan Parker acrescentou às convenções do musical uma encenação perfeitamente realista -e musculosa, como é de seu feitio. Criou, com isso, um curioso objeto, desses dignos de entrar no "Livro dos Seres Imaginários", de Jorge Luis Borges (o argentino que, por sinal, chamava Juan Perón de O Inominável).

É quase normal, portanto, que Buenos Aires (Argentina) tenha reagido ao filme com ira. "Evita", a ópera, já rebaixa o caráter passional de um povo à categoria de exotismo. Mas ainda é defensável, pois faz parte das convenções do musical se permitir rasgos de irrealidade. Ainda assim, sempre se poderia perguntar: será que alguém ousaria transformar De Gaulle, Churchill ou Margaret Thatcher que fosse em objeto de opereta?

O filme, no entanto, vai mais longe: demole o mito pela intervenção naturalista da direção, ao mesmo tempo em que destrói a realidade pela natureza do musical.

Cria, em suma, uma espécie de monstruosidade, mais pelo que tem de obtuso e pesado do que por denegrir a imagem do país (o que também acontece, de maneira inconsciente ou não). Nem real, nem completamente irreal, nem comovente, nem didático, "Evita" vive em grande parte de Madonna.

Ela tem um carisma digno do personagem e consegue até impor expressões, matizes. Enfim, chega a outorgar uma alma a Eva, em determinados momentos. Não é tarefa fácil, até porque Alan Parker parece não ter sentido do silêncio, de modo que o esforço da atriz ora termina soterrado pelo barulho incessante, ora esterilizado por um Antonio Banderas (Che) que, em definitivo, não consegue acompanhá-la.

Filme leva 30 mil a salas
de Buenos Aires em 2 dias

Em seu primeiro fim-de-semana em cartaz em Buenos Aires (Argentina), "Evita" ficou em primeiro lugar entre os filmes mais vistos, mas não foi a melhor estréia em 1997. "O Preço de um Resgate" (49.503 espectadores), "Sleepers - A Vingança Adormecida" (32.917) e "O Espelho Tem Duas Faces" (32.723) tiveram mais sucesso no primeiro fim-de-semana nas telas.

Motivado pelo boicote dos peronistas ou pelo medo das pessoas de enfrentar problemas nos cinemas, "Evita" teve 30.140 espectadores no sábado e no domingo. Entre os filmes exibidos a partir de 1990, o musical obteve a 37.ª melhor bilheteria em estréia.

"Evita" chegou à Argentina na semana passada. Antes, o público havia visto o filme local "Eva Perón", de Juan Carlos Desanzo, que tinha pretensões de ser indicado ao Oscar de melhor produção estrangeira, mas viu suas expectativas frustradas. (Rodrigo Bertolotto e Inácio Araujo)

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Informações na Internet

  • Evita - Site oficial do filme

Multimídia

VideoTrecho do videoclip "Don't Cry For Me", música de "Evita" (tempo aproximado para cópia: 10min)

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