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Silvio Santos diz que criou Tele Sena para livrar SBT da falência

13/05/2000 11h45
DANIEL CASTRO
ROGÉRIO GENTILE

da Folha de S.Paulo

Em carta manuscrita, dirigida a desembargadores do Tribunal Regional Federal (TRF) em São Paulo, onde corre ação pedindo o fim da Tele Sena, o empresário e apresentador Silvio Santos revela como conseguiu montar e depois impedir que o SBT, a segunda maior rede de TV do país, fosse à falência, há quase dez anos.

Na carta, datada de 17 de janeiro deste ano, Silvio Santos conta que criou a Tele Sena, em 1991, para cobrir os prejuízos do SBT, que já não conseguia se sustentar e crescer apenas com publicidade e os lucros do carnê Baú da Felicidade.

A carta foi enviada à desembargadora federal Therezinha Cazerta, em 2 de fevereiro, pelo advogado Samuel Auday Buzaglo, contratado pela Liderança Capitalização, maior das 33 empresas do Grupo Silvio Santos, com faturamento de R$ 485,6 milhões em 1999, e responsável pela Tele Sena.

O advogado não quis fazer nenhum comentário a respeito do manuscrito. Disse à Folha apenas que "a carta é um apêndice no conjunto de um processo". As assessorias de imprensa do SBT e da Liderança também não comentaram o documento, afirmando não saber do que se tratava.

Apesar de fazer parte da defesa de Silvio Santos, a carta foi interpretada pela desembargadora como uma confissão de que a Tele Sena é uma "loteria disfarçada de título de capitalização".

Nela, Silvio Santos argumenta que a Tele Sena é legal e que seu fim o levaria à falência, prejudicando o SBT e favorecendo a Globo (leia trechos ao lado). É a primeira vez que o empresário admite ter criado a Tele Sena para sustentar a rede de TV.

Segundo o empresário, até o pacote de filmes da Warner e da Disney que o SBT vem exibindo, e que tem superado a Globo no Ibope, foi viabilizado pela Tele Sena.

"A Tele Sena gerou em oito anos um lucro que está sustentando todas as empresas do grupo, que dão prejuízo em razão dos altos investimentos na própria rede de TV e na abertura de novos negócios (Internet, TV a cabo, banco etc)", escreveu Silvio Santos.

Iniciativa do próprio empresário, a carta é uma tentativa de sensibilizar os desembargadores do TRF que analisam apelação cível à ação popular que pede a decretação da ilegalidade da Tele Sena.

A ação popular foi ajuizada em maio de 1992 pelo ex-deputado estadual José Carlos Tonin (PMDB-SP), por meio do advogado Luiz Nogueira. Defende que a Tele Sena é uma cartela de jogo disfarçada de plano de capitalização, uma vez que ela devolve aos compradores apenas metade do valor pago, R$ 3, um ano depois.

Segundo a ação, a Tele Sena contraria o decreto 261/67, que determina que as sociedades de capitalização devem funcionar como poupança.

A Tele Sena foi considerada ilegal em primeira decisão, de julho de 1997, pelo juiz João Batista Gonçalves, da 6ª Vara Federal, em São Paulo. Gonçalves considerou nula a autorização para a operação da Tele Sena e condenou os réus a recolherem R$ 50 milhões aos cofres públicos.

Também são réus no caso a Susep (Superintendência de Seguros Privados, autarquia federal), que autorizou a venda da Tele Sena, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, que comercializa as cartelas, Carlos Plínio Castro Casado (ex-superintendente da Susep), José Carlos Rocha Lima (ex-presidente dos Correios) e José Alberto Fróes Cruz (ex-diretor financeiro dos Correios).

Capitalização, Susep, Correios, Advocacia Geral da União, Castro Casado, Rocha Lima e Fróes Cruz apelaram da decisão. Em novembro passado, o relator do processo, desembargador Newton de Lucca, deu voto contra a Tele Sena. Em 51 páginas, Lucca concluiu pela ilegalidade da Tele Sena, mas reformou a decisão sobre a multa de R$ 50 milhões.

Em seu voto, o desembargador federal apontou que a Tele Sena é "um desvio de finalidade" do decreto 261/67, que não "cria poupança" e que se vale do "apelo lúdico dos sorteios", realizados pelo "homem de vendas mais prestigiado da TV brasileira".

Confissão

No processo, as 24 páginas da carta de Silvio Santos são numeradas de folha 2.545 a folha 2.568. Vêm em seguida a dois pareceres de juristas também encaminhados pelo advogado Buzaglo. A carta tem duas partes: uma de oito folhas, em que ele conta a história do SBT e da Tele Sena, e uma outra, em que Silvio Santos explica por que resolveu escrevê-la.

A tentativa de sensibilizar a desembargadora não deu certo. Em 24 de fevereiro, Therezinha Cazerta concluiu seu voto, também contrário à Tele Sena.

Na decisão, ela reproduziu trechos da carta de Santos. Diz que o documento, "antes de socorrê-lo, acaba por ratificar mais ainda que a Tele Sena é ilegal e lesiva à moralidade administrativa". "Na verdade, a Tele Sena somente enriquece o senhor Silvio Santos", escreve a desembargadora.

Ainda falta o terceiro e último voto, do desembargador Souza Pires, para que seja encerrada essa fase de tramitação do processo no Tribunal Regional Federal de São Paulo.
Mesmo que os desembargadores sejam unânimes em decisão pela ilegalidade da Tele Sena, ainda cabe recurso.

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