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“Gohatto” de Oshima revisita tema homossexual em Cannes

AMIR LABAKI 17/05/2000 09h39
da Folha de S.Paulo em Cannes

Catorze anos depois de concorrer aqui com “Max, Meu Amor”, Nagisa Oshima voltou a disputar uma Palma de Ouro em Cannes com “Gohatto” (Tabu). Suas chances são maiores agora, ainda que pareça precipitado falar em favoritismo.

A volta de Oshima à Cannes apresenta um acento trágico. Há quatro anos um derrame cerebral quase o matou, enterrando de vez seu complicado projeto americano, “Hollywood Zen”, dedicado à relação na era muda entre os atores Sesshu Hayakawa e Rodolfo Valentino.

As sequelas ainda impressionam. Andando com dificuldades, apoiado numa bengala, muito magro, Oshima parecia ontem, durante a entrevista coletiva, 20 anos mais velho do que o cineasta estava em 1995, em Tóquio. “Minha dúvida era saber se seria capaz de dizer bem forte: “Silêncio, Ação!”, no set de filmagem. Quando consegui, vi que tudo iria bem”, confessou o cineasta.

Não é preciso ser doutor em psicologia para perceber que Oshima partilha a “proximidade da morte” com todos os personagens de “Gohatto”. Eles são membros de uma milícia paralela de guerreiros, algo como samurais alternativos conhecidos como “shinsengumi”. Atuantes no Japão da década de 1860, defendiam o regime do shogunato contra a restauração centralizadora da dinastia imperial Meiji (efetivada em 1867).

“Gohatto” é um ultra-estilizado “jidai-geki” (filme histórico), adaptado por Oshima de duas das novelas menos convencionais do popular escritor japonês Ryotaro Shiba (1923-1996). Tudo se passa em torno da Kyoto de 1865.

O recrutamento de dois novos guerreiros abre o filme. Os escolhidos são o sensual Kano (Ryuhei Matsuda) e o vulgar Tashiro (Tadanobu Asano). A dupla começa um caso que provoca desconforto e ciúme no resto da corporação. O filme acompanha as consequências dramáticas do poder sedutor de Kano.

Oshima reencena, assim, o tabu do homossexualismo, já presente em “Furyo, em Nome da Honra” (1982). “Gohatto” o retoma em tratamento elíptico e expressionista. A situação essencial é a mesma: homens reunidos tendo a morte como destino mais provável. “Quando você tem um agrupamento de homens, há sempre algum tipo de homossexualidade”, lembrava ontem Oshima.

“Gohatto” e “Furyo” têm ainda em comum a presença de Takeshi Kitano, aqui no papel de um dos mais sábios líderes do bando. Kitano mobiliza sua máscara mais plácida, introjetando a violência até a explosão final.

Mais até do que “Furyo”, é “Mishima”, de Paul Schrader, a referência mais próxima ao novo filme de Oshima. As semelhanças são tanto estilísticas quanto filosóficas. São obras que partilham o mesmo universo misógino e homoerótico, a mesma fidelidade às tradições do Japão medieval, o culto à violência, a intimidade com a morte.

O mundo de “Gohatto” flagra o fim de uma era. Dois anos mais e iniciava-se a abertura do país ao mundo e nascia o Japão moderno. Essa certeza de finitude contamina as cenas. Não poderia ser maior a identificação de Oshima com aqueles samurais crepusculares.

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