Justiça suspende leilão da Vale

BNDES só vai recorrer na segunda-feira

Agência Folha e AJB 25/04/97 21h12
De São Paulo

Vale O juiz João Batista Gonçalves, da 6ª Vara Cível da Justiça Federal de São Paulo, concedeu nesta sexta-feira liminar que suspende o leilão de privatização da Companhia Vale do Rio Doce, marcado para a próxima terça-feira, 29 de abril.

O BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) recorrerá da liminar somente na próxima segunda-feira, pois sua assessoria jurídica em São Paulo não teve tempo hábil para preparar o recurso. A liminar foi concedida no final do expediente desta sexta-feira (25). A explicação é da Assessoria de Imprensa do banco, que dará entrada no recurso contra a liminar diretamente no Tribunal Regional Federal de São Paulo.

No recurso a ser impetrado pelo BNDES, será citada decisão unânime do TCU (Tribunal de Contas da União), que aprovou o processo de privatização da Vale, assim como considerou o preço mínimo fixado adequado e refutou as denúncias de favorecimento econômico durante o processo de preparação de venda da Vale. O Tribunal entende que "os procedimentos adotados guardam consonância com a legalidade e constitucionalidade necessários."

Segundo o juiz João Batista Gonçalves, para garantir a realização do leilão, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) terá de entrar com um recurso pedindo a cassação de sua liminar junto à presidência do Tribunal Regional Federal.

A liminar foi concedida em resposta a uma ação popular promovida pelo advogado Celso Antônio Bandeira de Mello, professor titular de direito administrativo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e um grupo de outros juristas.

Gonçalves explicou que acolheu a ação, impetrada na terça-feira, porque "ela estava bem fundamentada" e atendia aos requisitos legais que regem a matéria. "Existem irregularidades flagrantes no processo de venda da companhia", afirma Mello.

O grupo de juristas -que inclui Fábio Konder Comparato, Eros Roberto Grau, Américo Lourenço Lacombe e Sergio Sérvulo da Cunha- tem em comum o fato de terem sido signatários do "Manifesto da Nação", divulgado no início de março. O documento fazia críticas ao "processo de espoliação do país e alertava contra a atuação ditatorial do governo Fernando Henrique Cardoso".

Por sua vez, Konder Comparato -integrou a comissão de constitucionalistas que elaborou o pedido de impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, em 1992, além de ter atuado na Comissão Justiça e Paz da Arquediocese de São Paulo- disse que a medida representa uma forma de corrigir um erro do governo.

Dentre os sete pontos que fundamentam a ação popular, Melo destacou a subavaliação da empresa como o mais flagrante. "O resultado esperado com a venda, cerca de US$ 3 bilhões, equivale ao lucro estimado para cinco anos. Ora, é um absurdo vender uma empresa com este nível de lucratividade por um preço tão aviltado", disse.

Além disto, ele argumentou que o edital de venda e o processo de avaliação feriram dispositivos da Lei 8.031 -que regulamenta o processo de privatização. "A legislação manda que o edital de venda seja publicado em jornais de grande circulação. Ao invés disto, o governo optou por veículos especializados em economia e de circulação restrita", citou.

O presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que caberá ao BNDES responder à questão e que os advogados do banco estão mobilizados para tomar as medidas judiciais cabíveis.

TCU rejeita contrato com consultorias

O TCU proibiu o governo de pagar uma "comissão de colocação de ações", estimada em cerca de R$ 100 milhões, ao consórcio de empresas de consultoria que fizeram a avaliação da Vale do Rio Doce e prepararam o modelo de venda da estatal. O Tribunal rejeitou o contrato feito entre o BNDES, responsável pela privatização da Vale, e o consórcio, liderado pelas empresas Merrill Lynch e Projeta.

O contrato previa que, além de um pagamento fixo de R$ 10 milhões, as empresas de consultoria receberiam um percentual de 1,91% sobre "todas as ações da Vale efetivamente vendidas no mercado nacional e internacional". Pelos cálculos do TCU, se a Vale fosse vendida pelo preço mínimo, a comissão chegaria a R$ 97 milhões.

O problema é que as ações da Vale serão vendidas em três etapas distintas. Na primeira, o leilão em que será vendido o controle acionário da empresa, devem ser vendidos cerca de R$ 3 bilhões em ações. Na segunda etapa, um lote de ações avaliado em cerca de R$ 500 milhões será oferecido aos funcionários da Vale. Só na última etapa é que um lote de cerca de R$ 1,5 bilhão em ações deve ser colocado a venda livremente no mercado brasileiro e internacional.

O TCU aceitou o parecer do ministro relator, Bento Bugarin, para o qual, "não há nenhuma justificativa para o pagamento de comissão sobre as ações que entrarão no leilão e as que serão vendidas aos funcionários". Ele argumenta que, "nos dois casos, o que está sendo vendido é a Vale e a colocação das ações já está garantida.

As empresas de consultoria não farão trabalho nenhum para vendê-las". Segundo Bugarin "pagar as empresas de consultoria por um trabalho que elas não fizeram seria favorecer o enriquecimento ilícito".

A decisão do TCU só permite que o consórcio Merrill Lynch-Projeta ganhe comissão sobre as ações que serão vendidas efetivamente em mercado, na última etapa do processo de venda da Vale. Mesmo assim, só se o BNDES provar que as empresas tiveram um papel ativo na venda das ações. Com essa decisão, o valor da comissão deve cair de R$ 97 milhões para pouco menos de R$ 30 milhões.

O gerente jurídico do BNDES, Luiz Roberto Magalhães, disse que o governo vai recorrer, pedindo que o próprio TCU reconsidere sua decisão. O argumento do BNDES é de que as empresas de consultoria participaram de todo o processo de preparação da venda da Vale e a comissão sobre o total de ações vendidas é a remuneração para o conjunto deste trabalho.

Apesar disso, o governo comemorou uma vitória no TCU nesta sexta. O tribunal considerou que o processo de privatização da Vale é legal e autorizou a realização do leilão para venda da empresa. A única determinação do tribunal atingiu um contrato lateral, entre o BNDES e as empresas de consultoria.

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