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E S P E C I A L
Vale do Rio Doce
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Vale do Rio Doce, ignorância e má-fé
Opinião - Aloysio Biondi*
Folha de S.Paulo 30/01/97
São Paulo
Os novos argumentos apresentados por governo e de-formadores de opinião para justificar a
venda da Vale do Rio Doce são uma mistura espantosa de ignorância, amnésia e,
principalmente, má-fé.
A estratégia para continuar enganando o Congresso e a opinião pública se baseia em dois pontos
principais.
Primeiro: diz-se que a Vale do Rio Doce tem sido péssimo negócio para o governo
porque, ao longo dos anos, pagou rendimentos em torno de 1% ao mês, ou "menos que a
caderneta de poupança".
Portanto, conclui a propaganda do governo, é mais vantajoso o governo vender a Vale e
aplicar o dinheiro em negócios mais rentáveis. É tudo mentira.
Segundo: o governo agora confessa que realmente a Vale tem jazidas fabulosas (não apenas de
ouro e cobre) em Carajás que nem sequer foram medidas corretamente, isto é, das quais nem
sequer se sabe o valor (de centenas de bilhões de dólares).
Mesmo assim, dizem agora os de-formadores, pode-se montar um esquema para vender a Vale
imediatamente, sem prejuízos para o governo.
Como assim? O Tesouro e outros acionistas minoritários da Vale receberiam um tipo de título
(batizado errada e sem-vergonhamente de "debênture") que garantiria a participação também nos
lucros que a Vale do Rio Doce viesse a ter no futuro com a exploração dessas jazidas.
Parece uma saída inteligente. É outra manobra despudorada.
Para entender a falsidade desses argumentos, é preciso analisar tintim por tintim essas operações
todas.
Lucros e lucros
Vamos fazer de conta que dois amigos, Pedro e Luís, criem uma empresa para vender artigos
importados, com um capital de R$ 100 mil: cada um deles terá 50 mil ações, no valor de R$ 1
cada uma, representando 50% do capital para cada um.
No final do ano, a empresa oferece um lucro fantástico de R$ 200 mil, ou o dobro do capital. O
que os dois sócios -ou acionistas- fazem? Pegam esses R$ 200 mil de lucro e torram? Caem na
farra?
Claro que não. Usam os lucros também para ampliar a empresa, investir. Em qualquer empresa,
os sócios dividem os lucros assim:
Dividendos do lucro de R$ 200 mil, Pedro e Luís retiram 10%, ou R$ 20 mil, para seu próprio
bolso. Esses lucros que são distribuídos é que recebem o nome de dividendos. Os dividendos,
portanto, são só uma pequena parte dos lucros anuais de uma empresa.
Isto é: quando se diz que a Vale pagou dividendos ridículos ao governo, e por isso ela é um
mau negócio, os de-formadores de opinião estão mentindo. Fingindo que não sabem.
Reservas depois de retirar os dividendos, o que Pedro e Luís fazem com os R$ 180 mil restantes
do lucro de R$ 200 mil? Esse dinheiro vira "reserva" da empresa. Depois, essas "reservas" são
usadas para aumentar o capital da empresa.
Como isso é feito? Os R$ 180 mil de lucro que viraram "reservas" se transformam em 180 mil
ações, cabendo metade, ou 90 mil, a cada sócio, que passa a ter 140 mil ações cada um.
Filhotes essas ações distribuídas "gratuitamente" aos sócios, isto é, tiradas dos lucros que
viraram reservas, são chamados de "filhotes" (bonificações, na linguagem técnica).
Isto é: ao longo dos anos, o Tesouro recebeu bilhões e bilhões de ações "filhotes" resultantes dos
lucros da Vale. É mentira, e os de-formadores sabem disso, que a Vale só tenha rendido
"dividendos" ridículos.
Investimentos o que Luís e Pedro fazem com o capital aumentado pelos lucros de sua empresa?
Ampliam os negócios, abrem novas lojas, conquistam fatias do mercado. E, óbvio, a empresa
vale cada vez mais. Rende cada vez mais lucros para seus donos, além de ter um patrimônio
cada vez maior. Como a Vale tem rendido ao Tesouro.
Resultado: as ações da empresa também valerão cada vez mais, inclusive nas Bolsas. É também o
caso da Vale.
O cidadão comum, ou mesmo deputados e senadores, não tem a obrigação de conhecer esses
mecanismos. Mas ministros, ex-ministros e formadores de opinião, especialmente com tradição no
mercado financeiro, conhecem-nos muito bem. É espantoso que finjam ignorância ou amnésia para
defender a venda da Vale. Agem de má-fé.
*Aloysio Biondi, 60, é jornalista econômico. Foi editor de Economia da Folha e diretor de
Redação da revista ''Visão''.
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