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Emerson dá primeiro depoimento após acidente

Agência Folha 09/09/97 18h58
De São Paulo

O piloto Emerson Fittipaldi deu nesta terça-feira seu primeiro depoimento após o acidente do último domingo, quando caiu de ultraleve durante vôo com seu filho Luca, de seis anos. Ele gravou uma mensagem de 8min37s em uma fita e a distribuiu à imprensa. Leia a seguir a íntegra da mensagem do bicampeão mundial de Fórmula 1.

''Oi, pessoal. Graças a Deus eu estou pasando muito bem aqui e já estou em fase de recuperação. Eu acho que foi uma experiência incrível que aconteceu em minha vida.

O avião era muito bem conservado, a manutenção excelente, é um avião muito bem equipado. A gente chama de ultraleve, mas esse ultraleve é muito mais parecido com um avião do que com um ultraleve.

Quando eu levei o Luca para dar um passeio e ver as capivaras, do lado do rio da fazenda, eu tive um problema de comando, ele começou a puxar para a esquerda, eu tentei corrigir, pus mais potência... Mas aconteceu alguma coisa, e eu não consegui mais manter o avião em vôo. Ele foi perdendo velocidade, perdendo, perdendo e veio de bico para o chão.

Foi um impacto violento, e graças a Deus o Luca não se machucou, saiu logo de baixo das ferragens do avião. Eu demorei mais para sair porque eu fiquei preso. Ele subiu logo para a asa do avião e eu conversei com ele. O Luca realmente teve um comportamento fantástico, porque eu estava com uma perna imobilizada e não conseguia ficar de pé. Mas consegui ficar em cima da asa, e o Luca me ajudava muito, mexendo na perna de um lado para o outro, e eu falava para ele ficar atento e ver se conseguia ver alguém à distância, para abanar com a camisa dele para avisar aonde a gente estava.

Acho que foi um momento muito importante, um momento em que a gente rezou muito, e eu falei para o Luca que papai do céu ia ouvir a gente e que ia avisar aonde a gente caiu. Era só a gente ter paciência que eles iam chegar e buscar a gente.

O pai não podia ficar de pé, mas o Luca estava muito bem, e eu pedi para ele me ajudar o tempo todo, e ele ficou me ajudando o tempo todo.

De vez em quando ele falava que estava com saudades da mãe, que queria voltar, e eu contava uma história para ele. E a gente ficou naquela esperança de, até no fim da tarde, um helicóptero ou alguém já ter sido avisado, da Força Aérea, para buscar a gente.

Mas conforme foi escurecendo a minha preocupação aumentou, e eu falei para o Luca: 'Ó, Luca, se não vieram buscar a gente até agora, vão vir buscar amanhã (segunda-feira) cedo, porque o helicóptero não pode voar à noite aqui'.

E aí a preocupação do Luca era a floresta, bichos. Lá, naquela reserva florestal, tem muito macaco. E ele perguntava: 'Mas o macaco não vai me morder?'. E eu falei: 'Não, Luca, o macaco não vai morder. O macaco, de repente, vai até trazer uma banana para a gente comer aqui'.

O pior aperto que a gente teve foi a sede, porque durante o dia estava um calor muito grande. A gente bateu eram 13h03, então nós passamos praticamente aquelas próximas seis horas debaixo de um sol terrível. A sede foi um fator muito grande pra mim. E o Luca também estava com fome. Mas não tinha água e não tinha o que fazer. Nós tínhamos que ficar em cima da asa do avião esperando alguém buscar a gente.

Aí, quando escureceu, eu me conformei e tentei conformar o Luca. Eu falei: 'Luca, eu tenho certeza de que quando for 5h30, 6h, e clarear o dia, o helicóptero da Força Aérea Brasileira virá buscar a gente, pois já avisaram eles'.

Eu, a cada 15, 20 minutos, dava uns gritos, para ver se alguém escutava a gente. Depois de mais ou menos umas duas horas, que foi o primeiro sinal de que alguém ouviu a gente, eu dei um grito 'salve, salve', e aí eu escutei uma voz bem longe gritando 'Emerson, Emerson'. Foi a primeira vez que eu tive contato. Aí eu falei para o Luca: 'Luca, ouviram a gente'.

A essa altura estava um frio terrível, o contrário de durante o dia. Eu tinha arrumado um pedaço da asa do avião e cobri o Luca, mas eu estava realmente quase congelado, tremendo muito, e o Luca também. Para mim foi uma maravilha ouvir essa pessoa gritando meu nome, bem longe, mas dava para ouvir. Devia estar a um meio quilômetro, mais ou menos, de onde a gente estava. A partir daí eu falei: 'Agora chegou a nova esperança'.

Eles, com um farol, localizaram uma árvore, atrás de onde estava o ultraleve, e eu gritei: 'Aqui que eu tô, aqui que eu tô'. Aí eu falei 'traga o helicóptero', porque eu sabia que tinha um rio, que tinha um brejo enorme, e eles não iriam conseguir chegar a pé.

Mas eu fiquei surpreso com o pessoal da PM, da Polícia Militar de Araraquara, que quando a Tereza chamou, colocou todo mundo à disposição. Fizeram um trabalho heróico, porque chegar no ultraleve naquelas condições de terreno...
Chegaram realmente na marra. É uma coisa que o povo brasileiro tem, que é essa garra de querer salvar, de querer ajudar o outro.

Realmente eu fiquei muito emocionado quando eles chegaram no ultraleve. Já eram quase 23h. O Luca ficou muito contente, quase gritou quando a gente viu o primeiro PM chegar do lado do avião. Ele já pegou o Luca no colo, deu um abraço, esquentou o Luca, tiraram a camisa, já abraçaram. Eles estavam todos molhados, porque o brejo era fundo.

Mas foi uma experiência bárbara, eu só tenho a agradecer à PM, ao pessoal da Polícia Civil de Araraquara. O Corpo de Bombeiros também foi excelente. Eu sabia que estava com as costas ruins, a perna muito ruim, e eles conseguiram, com todo esse problema, levar uma maca até o avião. Me tiraram pela maca e me levaram por cima daquele brejo super difícil. Era uma equipe de mais de 20 homens, e foi um trabalho fantástico. Eu quero agradecer muito à cidade de Araraquara, ao pessoal da PM e à Polícia Civil de lá, os bombeiros, que fizeram um trabalho nota mil. Realmente foi uma recuperação, foi uma missão impossível eles conseguirem chegar aquela noite lá no local do acidente.

E, a partir daí, tanto o pessoal da ambulância, o Hospital São Paulo, de Araraquara, me tratou muito bem. Foi quando fizeram um raio X e viram que estava com um problema, que eu quebrei uma vértebra. Aí deu para a gente tomar muito mais cuidado.

O transporte para São Paulo foi bom. Aqui no Einstein também os médicos e o pessoal do hospital têm sido excelentes comigo, e eu acho que só tenho que agradecer a todos eles.

Eu estou indo hoje (terça-feira) para Miami. Todo aqui sabe que o 'doctor' Green, que me operou no ano passado a coluna, é amigo meu pessoal há muitos anos, e por coincidência eu estou voltando um ano depois lá com outra vértebra quebrada. E eu tenho certeza que vou estar em ótimas mãos lá nos Estados Unidos, porque eles já me conhecem direito, já conhecem a minha coluna. Então se precisar fazer uma cirurgia eu vou estar mais tranquilo. Estou levando todas as informações de todas as radiografias de exames médicos aqui do Brasil para lá. Existe uma troca de informação muito grande entre o Einstein e o 'doctor' Green. Eles são bem conhecidos. Quer dizer, eu estou bem tranquilo.

Estou indo no vôo da Varig hoje (terça-feira) à noite, que preparou um lugar especial no avião. Então, graças a Deus foi um susto e deu tudo certo.

Eu acho que vai criar uma amizade muito grande entre o Luca e eu. Foi uma experiência e uma aventura única na vida, e a todo mundo que participou dessa operação de resgate eu só tenho que agradecer, e muito.

É isso aí, pessoal. Obrigado.''


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